domingo, 30 de março de 2014

Entrevista - Lilian Thuran - ' Chega de Racismo'

CLAUDIO NOGUEIRa

Na luta. Thuram, campeão mundial de 1998 pela França, mantém fundação contra o racismo e preconceitos
Foto: Ivo Gonzalez
Na luta. Thuram, campeão mundial de 1998 pela França, mantém fundação contra o racismo e preconceitos Ivo Gonzalez



RIO - Ruddy Lilian Thuram-Ulien, zagueiro da seleção francesa campeã do mundo em 1998 (3 a 0 sobre o Brasil de Ronaldo Fenômeno), está no Brasil numa cruzada mundial contra o racismo no esporte. Com um exemplar de seu livro “As minhas estrelas negras — de Lucy a Barack Obama”, Thuram, 42 anos, jogador que mais vezes vestiu a camisa da França (142 partidas), falou ontem ao GLOBO, no Rio. Ele ficará na cidade até dia 16, a convite do Museu de Arte do Rio (MAR), às voltas com uma exposição sobre a África. Aposentado desde 2009, Thuram luta contra o preconceito por intermédio de sua fundação (thuram.org). E revela seu sonho para a final da Copa: “Seria um prazer ver Brasil e França. França 1 a 0, aos 46 do segundo tempo.”
Esta é a primeira vez que vem ao Brasil?
Vim de férias, há dois anos, com a família. Momentos incríveis. Foi importante ter estado aqui com meus filhos, poprque quando criança, o Brasil tinha tudo a ver com o futebol. No Rio, a atmosfera é super agradável. Fui correr (nesta terça-feira) às 6h e vi pessoas de todas as idades correndo na praia. É fantástico. Da outra vez, fui também à Bahia, e tive a impressão de estar nas Antilhas (nasceu em Guadalupe, departamento ultramarino francês). Lá, o povo é bem africano, e em Fortaleza, é diferente do Rio e da Bahia. Uma rica diversidade.
Quais os objetivos dessa nova vinda ao país?
Viemos pelo evento do Museu MAR (programa África Hoje no MAR). Minha fundação quer trazer às pessoas a compreensão sobre o mecanismo do racismo e as hierarquias entre as pessoas. O racismo não é natural. É consequência de uma construção histórica e ideológica. O racismo de hoje é fruto do passado e está ligado à nossa cultura. É preciso entender também o sexismo. A hierarquia mais antiga é entre homens e mulheres.
Como analisa o racismo na Europa?
Há uma crise econômica mundial, e o racismo tem a ver com a relação de forças entre as pessoas. A história faz com que algumas estejam em posição de superioridade, e numa época de competição acirrada, quem tem vantagem quer mantê-la. Isso também se vê no recrudescimento do sexismo. Na Europa, o racismo é mais debatido, mas os direitos das mulheres são sempre ameaçados. Sobre o direito ao aborto, países cogitam voltar atrás.
E o racismo no futebol?
O futebol não faz parte de um outro mundo. Este racismo do futebol está ligado ao da sociedade. O futebol, como esporte, permite lutar contra o racismo. Você vê nos times jogadores de diferentes cores, religiões, origens. Isto contribui para modificar o imaginário coletivo dos torcedores. O fato de haver na seleção francesa uma grande diversidade de cores e de religiões contribui para mudar o imaginário coletivo. Estou convencido de que os primeiros negros na seleção brasileira ajudaram a mudar o imaginário aqui. O racismo do futebol é à imagem do da sociedade, muito mais violento.
Soube dos casos recentes no Brasil?
Nestes atos contra negros, se faz ligação com a animalidade e com macacos. Há tempos, se dizia que os negros eram o elo entre macacos e homens. Na sociedade brasileira, o fim da escravidão é recente (1888). São hábitos passados de geração para geração. O racismo é parte disso, e alguém é considerado melhor ou pior por causa da pele. Há um trabalho a ser feito com as vítimas de racismo, para que não incorporem um discurso negativo sobre si mesmos. Algo essencial é a auto-estima. Quem a tem faz muito e não se auto-vitima. A vitimização é perigosa, porque alguém não consegue dar o melhor de si. Infelizmente, muitos consideram o racismo um tabu e evitam ver a realidade.
Alguma vez sofreu algum ato racista?
Nasci nas Antilhas, onde a maioria é negra. Quando fui morar em Paris, com 9 anos, em 1981, havia um desenho com duas vagas, uma preta, estúpida, e outra, branca, inteligente. Colegas me chamavam pelo nome da preta. Perguntei à minha mãe por que tudo era negativo em relação à cor preta. Ela disse que brancos eram racistas e isso jamais mudaria. Foi fundamental para eu começar a entender o mecanismo do racismo. Quando jogava na Itália, e as pessoas imitavam macacos, isso não me afligia. Por isso, é preciso dar às crianças armas para desconstruir o racismo e mostrar a elas que cor, religião, sexo e sexualidade não determinam qualidades ou defeitos. É educação, para lutar contra condicionamentos históricos.
No Brasil, sofreu preconceito?
Quando sou reconhecido, não há problema. O pior é que joguei com brasileiros e perguntei a eles por que havia negros no Brasil, e disseram não saber. É preciso consciência histórica, para reagir. Todos deveriam conhecer a história de Zumbi.
Fifa , Uefa e federações deveriam punir clubes cujos torcedores praticam atos racistas?
A Fifa, a Uefa, as entidades deveriam liberar fundos destinados a estratégias educacionais nas escolas. Podemos impedir que as pessoas usem xingamentos racistas, mas seria muito mais inteligente fazer com que as crianças pudessem crescer sem terem essas ideias. Isso é pela educação. O racismo hoje é muito menor que antes. O que mudou? O imaginário coletivo. A educação permite que as crianças também possam mudar o mundo.
De que forma?
Se uma sociedade crê que a história dos negros começa com a escravidão, é normal ter uma ideia negativa dos negros. Enquanto não se contar a verdade, as crianças vão continuar a ter este preconceito ligado à história que ouviram. O imaginário coletivo que tem de ser mudado, apresentando negros que fizeram coisas extraordinárias. O mesmo em relação às mulheres. Fifa e federações deveriam dedicar recursos a este aspecto da educação. Resta encontrar as pessoas certas que implantem tal pedagogia. É prioridade.
O que recorda de 1998 e espera de 2014?
Fiquei muito feliz por ter ganho a Copa de 1998. Qualquer criança sonha com isso. Na infância, jogando com amigos, sempre era do Brasil, que é adorado nas Antilhas. Ganhar a final foi extraordinário. Mas os brasileiros não devem se lamentar, porque não podiam ganhar. Era a seleção contra um país. Espero que a próxima seja uma bela Copa, aproxime povos e que a França faça excelente campanha e ganhe. Seria um prazer ver a final de 2014 entre Brasil e França. França 1 a 0, aos 46 do segundo tempo. Vou tentar vir pela fundação, para falar da educação contra racismo, sexismo e homofobia. É importante falar em momentos assim, e o Brasil pode ser importante para isso.




3 comentários:

  1. Pois é, o racismo tem que acabar! Muitas pessoas sofrem desse ato imperdoável por causa de sua cor. No futebol jogadores negros ao tocar na bola são chamados de "macaco" como recentemente aconteceu com o jogador tinga que sofreu racismo pelos torcedores. Em fim o racismo tem que acabar para que todos vivam em harmonia, como irmãos na sociedade.

    Antônio 801

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  2. jogadores de futebo,l são pessoas bastante famosas, a mais importante característica deles é a garra, eles passam por barreiras, todo caminho possui uma pedra no caminho, um jogador que foi ameaçado, foi o jogador que jogaram bananas no seu carro, o preconceito está afetando a sociedade, ele tem que parar ,faz com que as pessoas fiquem com medo, de se expor na sociedade.

    Gustavo Salvini Dolor 801

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  3. Eu concordo totalmente com essa reportagem. Por motivos óbvios e o principal é por não fazer bem a pessoa que sofre, sendo a vítima, em outras palavras, sendo humilhada de qualquer maneira que for e na maioria das vezes agredida. Preconceito também não é bom nem para que obtêm! É uma coisa horrível, julgar é feio para qualquer um. Ainda mais ser julgado por coisas que deveriam ser respeitadas.

    Bruna Leite Félix - 801

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