terça-feira, 18 de março de 2014

Artigo de Opinião - Os anos de Chumbo - Carlos Alberto Rabaça

O DIA
Rio - No início de março de 1964, já se falava que João Goulart queria aproveitar-se do Comício da Central para se lançar à permanência do poder através de um possível golpe. Mas a intenção não era levada a sério. Otto Lara Resende comentava no JB: “A revolução está nas ruas, mas os revolucionários estão em casa”. O momento exigia uma política social avançada, mas ninguém queria continuísmo ou reforma da Constituição que permitisse a reeleição.
A situação se agravou numa sexta-feira, 27 de março, com a passagem da crise do plano civil para o militar numa sublevação de marinheiros em um sindicato de metalúrgicos. A rebeldia provocou decisiva guinada, à esquerda, do governo. Como reação, foi organizada a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, passeata de mulheres da Zona Sul. O movimento foi apoiado, na época, pela imprensa e pela Igreja. 
A atmosfera política ficou tensa, com ameaças de supressão total dos meios de comunicação, fechamento do Congresso e um triunvirato militar no comando do país. Entramos num beco sem saída que durou 21 anos. As hesitações de Jango o levariam a perder o apoio do Exército para se opor ao movimento hostil da Marinha. Rompeu-se a continuidade civil do governo, e a solução foi transferida para a área militar.
O golpe, em defesa da “legalidade”, procurou justificar os meios pelos fins. As guarnições do Exército de Minas, São Paulo, Rio e Pernambuco aderiram ao legalismo a pretexto de restaurar a ordem. O dispositivo militar de que Jango se gabava desmantelou-se ao primeiro sopro de uma luta pra valer. Com o retrocesso, cavou-se o abismo entre as elites e as massas que voltaram ao sufoco e ao descontentamento. A mordaça calou os movimentos estudantis e a UNE. 
Logo no início as estações de rádio silenciaram e só se ouvia a “cadeia da legalidade”, incluindo as rádios Nacional, Ministério da Educação, Mayrink Veiga e Mauá, depois silenciadas com programações oficiais. O ‘Estadão’, a ‘Folha’, o ‘JB’, ‘O Globo’ e o ‘Correio da Manhã’, no início, aderiram à “verdadeira legalidade”. Mas, depois, tiveram censores de plantão em suas redações, e a liberdade de expressão terminou. 
Foram marcantes o musical ‘Opinião’ e o espetáculo ‘Liberdade, Liberdade’, sufocados por censores despreparados. Na sucessão de presidentes militares, houve perseguições, vinganças e torturas, violências que mancharam a história da democracia, ainda nascente. E a liberdade foi adiada e, finalmente, suprimida com o AI-5. Com o fim da ditadura, em 1985, o Brasil enxergou com clareza seu atraso civilizatório.
Ficaram visíveis os valores esquecidos da nação. Intelectuais adormeceram no histórico do povo: Anísio Teixeira, Josué de Castro, Álvaro Vieira e Guerreiro Ramos, apagados na memória por denunciar o coronelismo e o mandonismo em que viveu o país. O Brasil rebelde e criativo ficou bem menor.


Carlos Alberto Rabaça é sociólogo e professor

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