Pai de rapaz, que pode ser solto a qualquer momento, não descarta processar o estado
Rio - Juristas apontam falhas na prisão do ator e psicólogo Vinícius Romão de
Souza, 26 anos, acusado de assalto. Uma delas ocorreu no reconhecimento: “ Não
houve comparação com outras pessoas semelhantes ao suspeito, de modo que a
vítima pudesse identificar o autor sem nenhuma indução”, argumentou o defensor
público federal Marcelo Uzeda.
Ele esclarece ainda que o flagrante foi o presumido, não o chamado real,
quando o suspeito é visto cometendo o delito. O presumido é configurado após o
fato, mas é preciso haver indícios da autoria. O ator foi encontrado próximo ao
local, porém, não estava com a bolsa da vítima.
No Judiciário, outra falha apontada por Uzeda. “Na remessa do comunicado da
prisão ao juiz, o magistrado verifica a legalidade da prisão. Ali poderia ter
sido identificada qualquer ilegalidade.” Outro questionamento refere-se ao
pedido do Ministério Público de conversão da prisão em flagrante em preventiva.
“Não havia elementos concretos para a conversão”, diz o o criminalista Felipe
Caldeira. É preciso, por exemplo, haver ameaça à ordem pública ou à
vítima.
Alívio da família
‘Estou rindo à toa’, repetia o tenente do Exército reformado Jair Romão de
Souza, de 64 anos, pai de Vinícius, ao receber a notícia de que o filho — preso
desde o último dia 10, acusado de assalto — será solto hoje. Jair, que soube do
alvará ontem à tarde, em sua casa no Méier, enquanto dava entrevista ao
DIA , não descarta processar o estado.
“Meu filho ficou 15 dias preso. Isso é uma marca na vida de qualquer um, mas
me sinto aliviado. A honestidade dele e a boa educação que dei estão vindo à
tona. Estarei com ele na festa de formatura em Psicologia, no mês que vem.” O
pedido de habeas corpus à 33ª Vara Criminal, deferido pelo juiz Rudi Baldi
Loewenkron, foi feito ontem pelo delegado Niandro Lima, da 25ª DP (Engenho
Novo).
A decisão de converter a prisão preventiva em medidas cautelares
foi tomada após a vítima do assalto, a copeira Dalva da Costa Santos, comparecer
novamente à delegacia e admitir a possibilidade de erro no reconhecimento. “A
declarante admite que, no dia do fato, tão logo chegou em casa, ficou meditando
sobre a negação de Vinícius e ficou em dúvida se tinha sido ele o autor do
roubo”, diz o texto.
Dalva argumentou não ter tido dinheiro para voltar à DP e “retirar
a queixa.” A falta de antecedentes criminais e a comprovação de endereço fixo
também foram levadas em conta. O documento divulgado pelo Tribunal de Justiça
informou que a liberdade de Vinícius ficará atrelada ao “comparecimento mensal
em juízo para informar e justificar atividades”, além de proibir a ausência dele
da comarca quando for solicitado.
A Corregedoria Interna da Polícia Civil investigará as condutas de Waldemiro
Antunes de Freitas Júnior — lotado na 11ª DP (Rocinha) e responsável pela
abordagem — e do delegado Willian Lourenço Bezerra, plantonista responsável pelo
flagrante.
Na ocasião, para que o jovem fosse preso, bastaram os depoimentos e
reconhecimentos da vítima — que disse ter identificado Vinícius pelo cabelo
estilo ‘black power’ e por usar camisa regata preta —, e do agente que viu, a
distância, o assaltante pular o muro da linha férrea. Os pertences roubados não
foram encontrados com o acusado.
Para o delegado Niandro Lima, a polícia cumpriu o seu dever. “Quando havia o
indicativo, prendemos. Hoje, com a dúvida, solicitamos a soltura.” Segundo ele,
dificilmente a copeira será penalizada. “Não houve má-fé. Ela estava sob forte
emoção quando prestou o primeiro depoimento e prestou esclarecimentos quando
convocada.” A loja Toulon, onde Vinicius trabalha como vendedor, informou que
confia em sua inocência e manterá seu emprego.
Críticas à falta de igualdade
Ativistas que defendem a igualdade racial criticam a ação da polícia. Para o
coordenador da ONG Educafro no Rio, Melzebeque Ramos, a prisão não aconteceria
se Vinicius fosse um jovem branco. “Ele foi preso e reconhecido sem nenhum
critério técnico e já foi encarcerado sem o direito de defesa. Se fosse uma
pessoa branca, com certeza seria diferente”, disse.
“A polícia precisa ser mais bem preparada. Não pode induzir vítimas
desesperadas, sem dar a elas a tranquilidade de detectar o real assaltante”,
comentou. A entidade oferecerá um advogado para Vinicius e propõe um seminário
para as polícias Civil e Militar para ajudar a superar o racismo instit
ucional.
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