sexta-feira, 14 de março de 2014

Crônicas do Dia - Cenas de aeroporto

Lobão


Para quem viaja pelo Brasil, ver aeroporto em obra é uma rotina deprimente. Em Guarulhos, embarquei num puxadinho infame feito às pressas, na base do gatilho. Em Goiânia, cheguei a ter como sala de embarque uma barraca de exército. E as tais “arenas” da Copa? Tudo feito no supetão


Lobão
Reforma do letreiro do aeroporto de Guarulhos em 2011
Reforma no aeroporto de Guarulhos (Yasuyoshi Chiba/AFP)
No mês passado, voltava de um show em Belo Horizonte quando, na saída do hotel, dei por falta da minha carteira com todos os documentos dentro. Como tinha de voltar naquele dia para São Paulo, disseram-me que deveria seguir para o aeroporto e registrar um B.O. para apresentar no embarque.
Era um domingo quente e ensolarado. O ar-condicionado do aeroporto de Confins estava quebrado, a rede de wifi não funcionava direito e o barulho das obras da Copa que não terminam nunca era infernal. Para quem viaja pelo Brasil, ver aeroporto em obra é uma rotina deprimente. Em Guarulhos, embarquei num puxadinho infame feito às pressas, na base do gatilho. Em Goiânia, cheguei a ter como sala de embarque uma barraca de exército. E as tais “arenas” da Copa? Tudo feito no supetão. Ano passado participei de um show no Mané Garrincha , em Brasília, e constatei que o serviço de engenharia acústica não tinha sido feito. Imaginem só, Brasília, que mal tem futebol de várzea, constrói uma arena destinada a receber megashows... E não se preocupa em fazer o tratamento acústico!
Voltando a Confins: na sala da polícia civil, falei para o senhor corpulento e suado que me atendeu que havia perdido a minha carteira com todos os documentos, que meu voo estava marcado para dali a uma hora e que eu precisava fazer um B.O. Ele  me encarou com surpresa e estupefação :”Mas o senhor tem de provar que o senhor é o senhor. Tem algum documento que possa comprovar isso?”. Expliquei que estava lá justamente porque tinha perdido meus documentos e que se tivesse um, poderia ter embarcado. “Se o senhor não pode me provar que o senhor é o senhor, vou logo avisando que não vai poder embarcar. Imagina só se o senhor está dizendo que é o senhor e , de repente,  estou falando – nada pessoal, veja bem – com um bandido? Semana passada mesmo eu atendi um sujeito que depois vim a saber que era do PCC... É mole?”
Retorqui que era um cidadão que pagava impostos, estava pedindo ajuda do poder público e o poder público não podia me tratar como suspeito. A temperatura começou a subir, com ele me mandando abaixar o tom de voz e eu dizendo que ele não era pago para suspeitar de mim. À essa altura do campeonato, o Bira, meu amigo e produtor que me acompanhava,  tentou acalmar os ânimos informando o número do meu CPF e da minha identidade, mas a emenda saiu pior que o soneto. “Não sabe o número da identidade nem do CPF, não? É a mesma coisa que  não saber o nome do pai ou da mãe!” Eu disse: ”Mas o meu amigo não acabou de lhe dar? ”. “Hummm”, grunhiu ele, “receio que isso não vai adiantar muito, não”. Perguntou se eu morava em BH. “Não? Em São Paulo? Aí piorou a sua situação. Pelos meus cálculos, até fazer a busca no computador, periga até de o senhor ter que pernoitar aqui, viu?”
Diante disso, achei melhor dar uma respirada lá fora. Quando voltei à rinha, nova surpresa. O senhor rotundo e suarento disparou: “É, me parece que o senhor tem um inquérito policial na sua ficha lá em São Paulo. Isso, pra mim, não faz muita diferença, uma vez que ainda (ainda!!) não há mandado de prisão... O senhor até que tem sorte, mesmo com a ficha suja vai poder até viajar”.
Ficha suja?... Inquérito policial? Mas o que é isso? Disse a ele que não tinha nenhuma ficha suja, mas ele foi logo me cortando – "Não  quero saber de detalhes. Pra mim, Basta não ter ordem de prisão”. Perdi o voo  por cinco minutos. Tive que pagar uma nova passagem. Ficamos, eu e o Bira, mais duas horas naquele calor exalando paralisia, ouvindo  o  barulho daquelas obras intermináveis e nos fazendo a inevitável pergunta: imagina na Copa do Mundo? A essa altura, tinha falado por telefone com a minha mulher. O tal “inquérito policial” era na verdade uma queixa que  fizemos no ano passado contra uma ex-vizinha que acumulava cães – os bichos faziam um barulho infernal. Ou seja: outro pedido de ajuda ao poder público que se virava contra o cidadão que pediu ajuda. Tomamos uma cerveja e embarcamos convictos de habitarmos uma Terra do Nunca em que nada leva a lugar nenhum. A vítima vira infratora, a incompetência é vendida como prosperidade, o obtuso é o virtuoso e os medíocres são os grandes vencedores. Aqui, só a mamata é levada a sério.

O cantor e compositor Lobão é colunista de VEJA.

2 comentários:

  1. Desculpe mas pelo que entendi esse homem é negro , então o homem que representa o Poder Público no aeroporto disse que ele era suspeito e tinha ficha na policia ? AHHAHAH primeiramente esse é o país que vai sediar a copa ? Com pessoas preconceituosas que acham que todo negro será marginal ? Ok pensem assim otários até surgir um processo de um famoso rico de outro país ou do próprio Brasil que é negro , outro fato é vergonhoso a maneira de como a "Super mega esperada copa do Brasil " está sendo preparada ... Eu sempre sonhei que um dia o nosso grandioso e lindo país iria sediar a copa , mas cara por favor né ? Eu não esperava que iria ser uma bosta e um grande investimento para empresários , a nossa situação é a pior coisa do mundo , eu tenho vergonha de ser brasileiro e a tendência é eu odiar esse país mais ainda !

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  2. Isso é horrível para o país que vai sediar a copa do Mundo esse ano!!Esse país deve mudar...e muito para se tornar um país melhorar! A sociedade deve parar de ser racista e preconceituosa!!
    De: Guilherme Oliveira de Lima-Ativo

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