Luiz Antonio Simas
O sujeito tira o disfarce de professor, gari, motorista de ônibus ou advogado e deixa aflorar o pierrô triste
Rio - Não conheço sentença sobre o Carnaval mais precisa do que a do mestre
Aldir Blanc, meu vizinho nas cercanias do rio Maracanã: “a fantasia é um troço
que o cara tira no Carnaval e usa nos outros dias”. Falou e disse. Meu ídolo
carnavalesco, por isso mesmo, é o folião desconhecido, aquele sujeito que
desaparece na sexta-feira, com o clássico argumento de que vai comprar uma
aspirina na farmácia, e só volta na Quarta-feira de Cinzas. Nos dias de
esquecimento, o sujeito tira o disfarce de professor, gari, motorista de ônibus
ou advogado e deixa aflorar o pierrô triste, o pirata ébrio, o imperador romano
e o faraó descacetado que descansam adormecidos o resto do ano.
É por isso que ando implicando com uma figurinha fácil nestes tempos
modernos: o folião virtual. Ele, o virtual, faz questão de postar mil fotos em
redes sociais para mostrar como está fantasiado, em que bloco esteve e em que
bloco está. Não percebe, o alegre, que o Carnaval é uma festa de esquecimento,
velamento e máscara. Tudo que um verdadeiro folião deve pedir a Momo é que
ninguém o encontre, para que, sem amarras, ele possa tirar a fantasia de
funcionário público, libertar o Nero e incendiar Roma. O carnavalesco de rede
social, todavia, quer ser encontrado, compartilhado e curtido.
Recordo-me, por exemplo, de uma história que meu avô contava sobre um vizinho
de Olaria, uma espécie de reserva moral do bairro, casado com uma jararaca
clássica. O sujeito saiu de casa na sexta-feira com o argumento de que iria
comprar uns caranguejos — prato predileto da esposa — para comer no almoço de
sábado de Carnaval, na santa paz do lar e bem longe do quem não chora não mama
do Bola Preta.
Eis que o marido zeloso reaparece, pra lá de Bagdá, na Quarta-feira de
Cinzas, protagonizando uma cena definitiva. Fantasiado de Calígula, com discreta
coroa de louros se desmilinguindo na cabeça e um vigoroso bafo de cana, espalha
vinte caranguejos vivos no chão da entrada da casa e chama a mulher, preparada
para trucidá-lo. Ao ver a cara feia da patroa, começa a falar alto, dedo em
riste, dando esporro nos crustáceos:
— Mais um pouco, pessoal. Falta pouco. Como são lentos. Quatro dias com a
maior paciência e nada de vocês andarem mais rápido. Da próxima vez eu meto todo
mundo numa bolsa e não deixo ninguém vir andando.
É a ele, o folião anônimo, que desejo, em seus dias de Nega Maluca, um ótimo
Carnaval. Na Quarta-feira de Cinzas a gente volta a vestir a fantasia que nos
acompanhará até o ano que vem
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