terça-feira, 25 de junho de 2013

Resenhando - Machado, o abolicionista -

Machado, o abolicionista
 

Como funcionário público e intelectual, o autor se empenhou por desqualificar as teorias racistas
FEDERICO MENGOZZI
Machado de Assis é frequentemente acusado de, filho de um pintor de paredes mulato, neto de escravos alforriados, ter se esforçado por se branquear. Assim, casou-se com uma portuguesa, dedicou-se com afinco ao funcionalismo público, tornou-se o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras e… não tocou, como talvez devesse, na chaga da escravidão e suas seqüelas. Para Sidney Chalhoub, professor do Departamento de História da Unicamp, como demonstra em Machado de Assis, Historiador, não é bem assim, como disse a ÉPOCA, diretamente de um congresso sobre o escritor brasileiro realizado em Oxford, Inglaterra. 'É claro que a atuação de Machado não foi similar à de José do Patrocínio e Joaquim Nabuco. Ele não foi tribuno, nem na imprensa, nem no parlamento. Mas sua atuação na administração pública, para alargar os sentidos da lei de 1871 (Lei do Ventre Livre) e conseguir que de fato beneficiasse os escravos, impressiona. Ele conhecia as possibilidades da legislação e lutou para que fosse aplicada. Não há dúvida sobre de que lado estava.'
 
 
Reprodução
Reprodução de obra de Rugendas
ESCRAVIDÃO
Machado de Assis (à esq.) registrou em sua obra o impacto que teve a Lei do Ventre Livre



 
Chalhoub dá seqüência a seus estudos sobre escravos e operários no século XIX. Como o escritor foi uma das maiores vozes de seu tempo, registrando vários aspectos da sociedade brasileira, sobretudo carioca, em crônicas, contos e romances, parecia natural que, em oposição à alienação que lhe é imputada, de alguma forma tais questões estivessem presentes em sua obra. 'Em sua literatura', diz Chalhoub, 'Machado se empenhou em desqualificar o estatuto intelectual de teorias racistas e reflete, mais do que simplesmente retrata, sobre a incapacidade de a classe dos proprietários de terras e escravos pensar o mundo sem escravidão. Além disso, mostra que dependentes e escravos ajudaram a enterrar a sociedade paternalista dos senhores de escravos, ainda que, retrospectivamente, saibamos que tudo mudou para continuar na mesma. E esse é outro tema que Machado tematizou, às vezes com perplexidade e desespero.'
Na vida real, prova Chalhoub a partir dos processos do Ministério da Agricultura, no qual Machado de Assis atuava como chefe da repartição encarregada de verificar a aplicação da Lei do Ventre Livre, a atuação do autor foi inequívoca. 'Ele fez o que estava a seu alcance para interpretar as coisas de modo a beneficiar os escravos. A seu modo, marcou posição contrária à escravidão e à ciência racial. Machado estava inserido nas questões políticas e sociais de seu tempo. Sua literatura adquire novos sentidos se vista dessa forma.'
 
Título
Machado de Assis, Historiador
 
Autor
Sidney Chalhoub
 
Editora
Companhia das Letras

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