sexta-feira, 7 de junho de 2013

Canções do Chico - Meu Guri


 
 
O Meu Guri
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega/
Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega/
Chega no morro com o carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assaltos tá um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega/
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
 

A letra da música, escrita por Chico Buarque, tem como eu-lírico uma mulher. Esta conta a história de seu filho para alguém (em todas as estrofes ela se refere ao ‘seu moço’, o que indica a relação entre ela e quem a escuta).
A vida da mãe junto ao seu filho é de miséria, ela não tinha condições de sustentá-lo (Já foi nascendo/Com cara de fome/Como fui levando/Não sei lhe explicar), a mãe não tem sequer documentos para registrar o filho e torná-lo cidadão perante o estado (E eu não tinha nem nome/Prá lhe dar). Os dois moram em favela (Chega no morro/Cá no alto)
Fica claro que o guri não quer continuar nessa situação de pobreza (E na sua meninice/Ele um dia me disse/Que chegava lá). Ele deseja objetos associados à riqueza, fama e dignidade tanto para ele quanto para a mãe: presente, bolsa, corrente de ouro. Nesses objetos estão embutidos os valores que ele busca.
Já na segunda estrofe inicia-se a transformação e o guri assume o seu fazer (Traz sempre um presente/Pra me Encabular/Tanta corrente de ouro/Seu moço/Que haja pescoço/Pra enfiar /Me trouxe uma bolsa/Já com tudo dentro/chave, caderneta/Terço e patuá) e transforma sua vida e a vida de sua mãe. Saem da miséria e anonimato (Um lenço e uma penca de documentos/Pra finalmente eu me identificar). Ele consegue tudo isso através de um elemento que fica implícito no texto da canção: o roubo. Essa idéia fica comprometida pelo usa da palavra ‘carregamento’ que possui uma carga semântica que, no jargão policial, significa/identifica o transporte de mercadorias ilegais ou contrabandeadas, ilícitas. E também pelo fato de ele trazer uma bolsa para sua mãe com tudo dentro, até documentos.
Se a mãe sabe ou não que o filho participa dessas atividades não fica claro. Existe uma dúvida se ela não sabe ou se prefere acreditar que ele tem um trabalho honesto (Chega suado/E veloz do batente /E o danado já foi trabalhar/Rezo até ele chegar/Cá no alto/Essa onda de assaltos/Tá um horror/ Eu não entendo essa gente/Seu moço!/Fazendo alvoroço demais).
Na quarta estrofe a história é finalizada. O menino morre (O guri no mato/Acho que tá rindo/Acho que tá lindo/De papo pro ar) , tudo indica que foi assassinado e noticiam sua morte em páginas policiais de um jornal. Os elementos colocados na letra indicam que ele é menor de idade (Chega estampado/Manchete, retrato/Com venda nos olhos/Legenda e as iniciais). A mãe conta e de certa forma se mostra orgulhosa (Ele disse que chegava lá).
Durante toda a música a mãe repete (Olha aí!/Ai o meu guri, olha aí), e essa repetição deixa, para quem escuta a música, uma sensação de que a mãe chama por seu filho de maneira orgulhosa durante toda a canção, como se quisesse dizer “esse é meu filho”.

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