sexta-feira, 21 de junho de 2013

Crônica do Dia - Sobre as ruas - Arthut Dapieve

A gente cansou de ouvir que era apática, até meio frígida, que não botava a boca no trombone

“Mas afinal o que querem as ruas?!
— O que nós queremos, Mário Alberto? Nós queremos é poder. Nós queremos poder. Você repara que nós não falamos “votar”, nós não falamos “exercer o direito cívico do voto”, nós não falamos “formar uma base aliada para dar governabilidade”. Nós falamos p-o-d-e-r. E nós não queremos poder apenas de quatro em quatro anos, não. Porque depois da eleição, você vira pro lado e começa a roncar. Só volta a olhar pra nossa cara e dizer que somos gostosas depois de quatro anos. Até lá, você quer é nos ver pelas costas. Nós queremos poder todos juntos de quatro em quatro anos nas urnas, sim, mas nós também queremos poder todo dia. Queremos poder com o estudante, com o professor, com o operário, com a economista, com o trocador de ônibus, o entregador de pizza. Nosso protesto é acima de tudo pelo direito de protestar, sem fingir que se vive sedado em Shangrilá. Cansamos de protestar na internet, só entre nós mesmos, ou você acha que o Serginho e o Duda leem Twitter? Marcamos encontros pelo Face, sem líderes. Não vem argumentar que as manifestações colocam em risco o Estado de Direito tão duramente conquistado. Nós até gostamos de posições tortuosas, mas essa dá um nó na espinha. Nós pensávamos que o estado de direito se caracterizava pelo direito de ir às ruas protestar pacificamente sem tomar bala de borracha no olho e bomba de gás lacrimogêneo no lombo. Uma garota de Belo Horizonte, a Nina Rocha, mandou muito bem em 96 toques: “Os manifestantes estavam incitando a violência é o novo ela estava usando roupa justa e decotada”. Se a gente não puder ir às ruas, Mário Alberto, ainda assim é Estado de Direito? A gente quer o Estado de Direito, o Estado de Esquerdo, o Estado de Cima, o Estado de Baixo, o Estado de Ladinho. A gente cansou de ouvir que era apática, até meio frígida, que não botava a boca no trombone. A gente quer deixar de ser só passiva, quer passar a ser ativa também. Não dá tesão olhar para o Congresso e ainda ver aquele senhor que pinta o bigode... o... como é mesmo o nome dele?
— José Sarney.
— Isso, o Sarney. Mas não é só ele, não. Tem o Maluf, o Garotinho, o Renan, o Jader, o Collor, todo o pessoal do Mensalão, o Azeredo. Eles não nos dizem nada, ficam fazendo troca-troca entre eles, brincando de quem-bota-quem-onde, toma-lá-dá-cá. Então, decidimos apimentar a relação pra chamar a atenção. É por isso que a gente está dando um gelo nos partidos políticos, em todos eles. Porque a gente cansou de ficar só assistindo à bacanal entre autoridades, empreiteiros e donos de empresas de ônibus. Nós queremos tudo de luz acesa e com votação nominal. A gente quer poder na mão do Ministério Público. Quer poder para cobrar educação, saúde e transporte públicos de qualidade, sem tanta roubalheira e incompetência. E não vem com esse discurso careta e conservador de que nós somos de classe média branca, não andamos de ônibus e não podemos protestar por causa de R$ 0,20. Você já ouviu falar em solidariedade social? Tudo bem que você não pratica, mas nós temos essa tara. Sabe os protestos contra os gastos na Copa das Confederações e na Copa do Mundo? Nada contra o futebol, imagina, a gente gosta do esporte e estava precisando mesmo de uns estádios mais confortáveis... Mas o que foi que vocês fizeram com o Engenhão? Agora, superfaturar R$ 1,2 bilhão no Maracanã e entregá-lo quase de mão beijada pra Odebrecht, pro Eike e pra AEG... Estão gozando com a nossa cara. A promessa era que não entraria dinheiro público, não era? Era um papinho do tipo “vou botar só a cabecinha”, né?
— (...)
— Você fica apoplético com os vândalos, a gente sabe, e é uma pena mesmo que manifestações tão bonitas terminem em quebra-quebra. Mas qualquer massa humana tem sua cota de depredadores, pensa num show de axé. Não liga, não, nas ruas esses caras também são uma minoria. É o pessoal sadomasoquista, que gosta de apanhar e de bater. Por isso é que eles curtem máscaras e roupas pretas. A maioria de nós gosta só de gritar, gritar muito, gritar palavras de ordem no ouvidinho, vaiar, fazer escândalo, deixar o suor colar nossas camisetas brancas no corpo, nos mamilos intumescidos de paixão pelo Brasil. Se não, né, vocês não nos ouvem. Nós queremos parar de ser enganadas, traídas, as últimas a saber, pelos jornais. E você às vezes ainda quer impedir que os jornais contem o que estão fazendo com a nossa poupança... Nós reivindicamos tudo, inclusive o direito de fazer trocadilhos infames com poupança, poder e, ai, ditadura. Não, não queremos dar mole para uma ditadura, como teme a velha esquerda e sonha a velha direita. A democracia oferece possibilidades mais interessantes, e quem disse que ela é impotente? Quando a gente vai às ruas, não está testando a democracia, está exercendo plenamente a democracia. É isso que nós queremos, Mário Alberto. E você?
— Eu... Eu aceito a banana.
Meus agradecimentos à garotada, ao pessoal do Porta dos Fundos e à Patroa pela inspiração.


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