sábado, 29 de junho de 2013

Te Contei, não ? - MS: uma década de disputas por terras

SIDROLÂNDIA (MS) Cenário de seguidos conflitos de terra, a região de Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul, há anos arrasta, sem solução, um problema que coloca em lados opostos índios e fazendeiros. Muitas vezes, os casos de ocupação de fazendas não terminam em reintegração de posse. Há exemplos de propriedades ocupadas há mais de uma década. Com processos que se estendem há anos na Justiça, algumas dessas áreas já se transformaram em aldeias, apesar de os índios não terem a posse definitiva do terreno.


No sítio Santo Antônio, naquela região, a ocupação pelos índios, segundo o seu proprietário, ocorreu no ano 2000. A propriedade tem cerca de 100 hectares, onde eram criadas 150 cabeças de gado.
— Até 2004, os índios ocuparam uma parte, e ainda consegui ficar na terra. Depois, tive que sair. Hoje, não tenho mais o meu pedaço de terra para criar o meu gado e tenho que trabalhar para outros fazendeiros — conta Moacir Franco, que era dono da área. O caso está na Justiça.
Franco diz que, na época da invasão, morava na propriedade com a mulher e as duas filhas. Chegaram a ficar em uma parte da terra, mas a pressão dos índios acabou por expulsar a família.
Vizinha à fazenda Buriti, onde o índio terena Oziel Gabriel foi morto durante uma reintegração de posse no último dia 30, a fazenda 3 R está invadida desde o dia 10 de maio de 2011. Cerca de 200 terenas ocupam barracos feitos de palha e madeira. A água vem de um poço e a energia elétrica foi puxada da fiação que abastecia a propriedade.
— Aos poucos fomos comprando fios, emendando, e agora temos luz — conta o índio Edivaldo Alcântara.
Fazenda usada para pecuária
A 3 R pertence a Roberto Bacha, primo de Ricardo Bacha, dono da Buriti, e tem 302 hectares. Era usada para criação de gado. Já chegou a ter, segundo seu proprietário, 400 cabeças, mas no final sobraram apenas 70.
— Fomos sofrendo seguidas invasões desde o ano 2000 e, por causa disso, fomos diminuindo a produção — afirma.
A principal justificativa dos índios para reivindicar mais terras é a falta de espaço. As nove aldeias da área indígena regularizadas de Sidrolândia ocupam 2.090 hectares, onde vivem cerca de seis mil pessoas.
— Não dá pra plantar. O espaço que nós tínhamos dava só para morar mesmo — queixa-se Edivaldo.
Ele afirma que antes da ocupação da 3 R dividia com a irmã a casa herdada dos pais na aldeia Buriti.
— Eu já tinha formado a minha família e precisava ter o meu espaço. Isso acontece com muitos de nós. As famílias vão crescendo e precisamos de mais terra — explica.
— Do jeito que estava iria ter briga de patrício contra patrício para poder plantar — conta Djalma Silva, de 41 anos, que divide com a mulher e os três filhos um barraco na fazenda ocupada pelos indígenas.
Depois de invadirem a fazenda, os índios também afirmam que passaram a tirar a subsistência da terra.
— Antes tinha que trabalhar para os fazendeiros ou nas usinas cortando cana, que é muito pesado. Os contratos eram temporários. Dois meses de trabalho sem sábado e domingo. Agora eu mesmo planto. Dá para comer e vender um pouquinho para tirar um dinheirinho — conta Edivaldo, que planeja transformar o barraco em casa de alvenaria se houver uma decisão definitiva sobre a posse da terra para os índios.
No local da fazenda 3 R, os índios plantam abóbora, mandioca, feijão, milho, batata, quiabo e banana.
Djalma diz que parte da sua produção de quiabo tem como destino Campo Grande.
— Tenho um hectare para plantar — fala Edivaldo.
Seu sonho de consumo é um trator, que muitos índios já têm. Edivaldo diz acreditar que se os terenas conseguirem toda a área reivindicada, de 17,2 mil hectares, poderá ter cinco hectares só para ele.
— Aí sim vou poder plantar bastante coisa. Porque não dá para plantar só uma coisa. Se não vinga, como eu fico?
Para fazendeiro, há omissão
Mas, se para os índios as novas terras significaram independência, apesar de não os livrarem da pobreza, para os donos da fazenda, a situação resultou em prejuízo.
— Calculo que perdi pelo menos R$ 2 milhões só nesses dois anos — diz Roberto Bacha.
Ele critica a omissão do governo e acusa os índios de terem roubado os bois que estavam na fazenda e ainda destruído os galpões para vender a madeira. Os índios negam.
— Os dois funcionários que eu tinha saíram da fazenda só com a roupa do corpo quando houve a invasão — diz Bacha.
O fazendeiro chegou a conseguir uma liminar para que houvesse a reintegração da propriedade, mas a decisão foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal (TRF) depois de apelação da Fundação Nacional do Índio (Funai). A Funai citou a portaria de 2010 do Ministério da Justiça que declarou aos terenas o direito sobre aquelas terras. Afirmou também a importância da terra para a cultura indígena. Ainda não houve uma decisão judicial definitiva sobre a posse da fazenda 3 R.
— Infelizmente, estamos num país em que a gente não é dono do que possui— disse o proprietário.
O laudo antropológico da Funai mostra que a área toda de 17,2 mil hectares do município de Sidrolândia foi ocupada pelos terenas no passado. No começo do século 20, o governo de Mato Grosso, numa tentativa de garantir a ocupação da área que havia sido alvo de conflito com o Paraguai no século anterior, loteou aquelas terras para produtores agrícolas.
— Minha família é dona daquelas terras há mais 90 anos. Se houve algum erro no passado, eu não tenho que pagar por isso — diz Bacha.


Conflito. Sede da fazenda Buriti (MS) é queimada por índios terena em confronto com policiais; acordo ainda distante Foto: Moises Palacios / Moisés Palácios/Futura Press


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