Uma das perguntas que mais ouvi nestes últimos dias foi sobre as semelhanças
e diferenças entre as manifestações de agora e as de 1968. Seria a reedição 45
anos depois de um modelo-matriz ou um fenômeno de massa inteiramente novo? Ou
seria um pouco de cada coisa? Talvez isso.
Começando pelas mudanças: o país não vive mais numa ditadura (embora a
polícia às vezes tenha agido como se vivesse); os jovens não pertencem mais a
uma só geração, mas a diferentes tribos. E, sobretudo, existe hoje a onipresente
internet, capaz da mobilização instantânea, viral e sem limites. Distantes os
tempos em que a organização de uma passeata exigia longa preparação e
intermináveis discussões em assembleias.
De semelhante entre os dois momentos, permanece a disposição estudantil que
parecia anestesiada, como também naquela época (na França, um sociólogo
perguntava: “Por que não acontece nada por aqui?” No dia seguinte, Paris pegou
fogo).
De igual ainda, o sentimento difuso de insatisfação, que é cumulativo e não
depende apenas de uma única motivação ou pretexto. Vem vindo, vem vindo até que
uma gota (ou alguns centavos) no pote até aqui de mágoa provoca o
transbordamento.
Os sinais emitidos nem sempre são captados, porque parecem desconectados,
quando na verdade estão formando uma rede com poder de contágio. Só o governo
talvez não tenha percebido que o fantasma da inflação, a corrupção desenfreada,
a incerteza econômica, a alta no custo de vida, a queda de oito pontos na
popularidade de Dilma, a vaia no estádio Mané Garrincha, tudo isso fazia parte
do mesmo e crescente caldo de rejeição.
Pelo menos uma lição de 68 não foi aprendida e assim não se evitou o
incidente mais lamentável das manifestações do Rio: coquetéis molotov atirados
contra a Alerj e carros incendiados na marcha dos 100 mil anteontem.
Em julho de 68, na lendária Passeata dos 100 Mil, Vladimir Palmeira, o líder
do movimento no Rio, convidou os participantes a se sentarem no chão, o que
proporcionou a Nelson Rodrigues uma fina gozação. Segundo ele, médicos, poetas,
atrizes, sacerdotes, todos obedeceram. “A única que permaneceu de pé e assim
ficou foi uma grã-fina, justamente a que lera as orelhas de Marcuse”.
Muito tempo depois, Vladimir explicou o que pretendeu com o gesto: demonstrar
as “intenções pacíficas da manifestação para a polícia e para alguns
companheiros”. Assim, os “porra-loucas” desistiram de invadir rádios, como
queriam, e os policiais não ousaram bater em pessoas sentadas no chão, inclusive
freirinhas.
Zuenir Ventura é jornalista.
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