RIO - “Autores, reclamem seus direitos junto ao Estado ladrão!” As palavras de ordem foram publicadas no blog do ultraconectado escritor francês François Bon. Há algumas semanas, Bon e outros autores do país se lançaram numa cruzada contra a Biblioteca Nacional da França, responsável por um projeto de digitalização de 50 mil obras literárias do século XX publicadas no país. Batizado como Lei das Obras Indisponíveis, tinha como objetivo relançar comercialmente — no formato de ebook — livros esgotados há muito tempo, mas que ainda não caíram em domínio público. Com isso, devolveria à circulação publicações que se encontram fora do radar.
O governo, porém, esqueceu um detalhe: avisar os autores. Como muitos não desejavam um novo formato para suas obras, seguiu-se um debate envolvendo cartas públicas de repúdio, trocas de farpas nas redes sociais e muitas reportagens em tom de denúncia na imprensa francesa. O quadrinista e biógrafo Benoît Peeters, que teve três livros selecionados pelo projeto, acusa o governo de se apropriar indevidamente de suas obras.
— A lei fere os direitos autorais e cria uma total confusão sobre a questão da remuneração — diz, por e-mail, Peeters, que acaba de lançar no Brasil “Derrida” (Civilização Brasileira), biografia sobre o filósofo francês Jacques Derrida.
A proposta da Biblioteca chegou a ser definida como “pirataria oficial” por uma petição recém-lançada na internet. Procurado pelo GLOBO, o coletivo de escritores Droit du Serf, que vem questionando o projeto desde o seu lançamento, manifestou seu descontentamento com o modo de “consulta”. Em vez de publicar uma lista das obras, ou simplesmente contatar os autores para saber sua opinião, a instituição lançou um mecanismo de busca on-line. Quem por acaso quiser se opor à digitalização terá que procurar por seus próprios meios se tem livros selecionados e preencher um longo formulário com pelo menos seis meses de antecedência. Ou seja: cabe ao autor monitorar a lista e desempenhar seu direito de oposição junto à Biblioteca, contradizendo o Artigo 5.2 da Convenção de Berna (relativa à proteção das obras literárias e artísticas), que deixa claro que o exercício dos direitos não deve ser subordinado a qualquer formalidade.
— Digitalizar 50 mil livros em cinco anos levará a uma chegada massiva ao mercado, concorrendo diretamente com a publicação de obras inéditas e fragilizando os autores em atividade e os editores independentes que não dispõem dos catálogos faraônicos dos grupos editoriais — aponta o autor de ficção científica Yal Ayerdhal, membro do coletivo.
Os escritores se dizem excluídos das compensações financeiras. Votada às pressas em 2012, a lei previa um orçamento de até € 60 milhões para indenizar apenas os editores. O problema é que, décadas após suas primeiras publicações, a maioria dos contratos entre autores e editoras caducaram. A queixa, contudo, não é apenas de ordem financeira. Alguns autores e editores preparavam novas edições físicas dos volumes selecionados, revistas e ampliadas, quando foram pegos de surpresa.
Processo ‘humilhante’
Em sua defesa, a Biblioteca afirmou à imprensa francesa que, dado o número de obras selecionadas, seria impossível contatar diretamente os autores. Outro argumento é que basta preencher os formulários para ter seus livros retirados. De fato, uma visita ao site do projeto (relire.bnf.fr) prova que o sistema é prático: ao digitar seu nome no mecanismo de buscas, o autor tem acesso a todas as publicações listadas. Porém, Benoît Peeters conta que a etapa seguinte é “penosa, para não dizer humilhante”.
— Tive que provar que era de fato autor do meu próprio livro, depois enviar uma cópia de documentos de identidade, preencher um formulário incômodo e enviar tudo numa carta autenticada — relata.
No mês passado, o chargista François Cavanna mostrou à revista “Le Nouvel Observateur” sua perplexidade diante dos formulários que teria que preencher para cada um dos seus 12 livros “sequestrados”. Aos 90 anos, ele sofre de Alzheimer. E não tem ideia do que significa a palavra “internet”.
— A princípio, não me oponho à digitalização — diz Peeters. — Mas estamos diante de um problema individualizado: cada autor, cada livro indisponível, corresponde a uma realidade específica.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/projeto-lanca-debate-sobre-digitalizacao-de-livros-8702170#ixzz2Xet4g5qG
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