Sérgio Magalhães
O general Geisel, respondendo a uma pergunta sobre a sua iniciativa de fusão
dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, foi claro: “Reclamam de eu não ter
feito um plebiscito. Ia ser dispendioso — e eu não pretendia mudar minha
decisão.”
Nesse depoimento prestado em 1994 a Maria Celina D’Araújo e Celso Castro,
pesquisadores do CPDOC da FGV, o ex-presidente não titubeou em reafirmar a
potência discricionária de sua sentença. Simples assim: tinha decidido, não
havia por que submeter sua decisão à população.
Mudou muito o país. Foi-se a ditadura, seis eleições decorreram da edição da
Constituição, a economia entrou nos eixos, a população urbana triplicou.
Contudo, as decisões referentes às cidades parecem obedecer a uma metodologia
ainda daqueles tempos do general.
Investimentos importantes, de largas consequências para as cidades e os
cidadãos, são gestados em gabinetes e impostos como fato consumado. Não se
compõem em um quadro de planejamento. Logo, não explicitam critérios, tampouco
alternativas; não traduzem prioridades nem se dá transparência às escolhas. São
instrumentos de realimentação do poder.
Sem planejamento, também os projetos são frutos discricionários de
“oportunidades”, sejam elas reais ou fictícias, públicas ou privadas.
Assim se faz Brasil afora, agora apoiado em lei que permite licitar obra a
partir do anteprojeto (ou seja, sem definições adequadas), o que implica, por
óbvio, em multiplicar os custos e dividir a qualidade. A justificativa é poder
atender os cronogramas exigidos pela Copa, mas a medida se aplica a qualquer
obra pública.
Os bilionários estádios, novos ou reformados, estão nesse novo paradigma. As
obras são inflacionadas não apenas pela própria inflação, mas, sobretudo, por
tais métodos.
Sem planejamento e sem prioridades transparentes, nossas cidades seguem o
rumo da inviabilização, tanto na qualidade do espaço urbano como nos serviços
públicos não prestados ou mal prestados, como, aliás, têm alertado o Instituto
de Arquitetos do Brasil (IAB) e profissionais da área. Na mobilidade baseada no
rodoviarismo, o roteiro já vencido constrói uma verdadeira tragédia cotidiana —
onde o transporte coletivo de alto rendimento, sobre trilhos, é desconsiderado.
Assim, nas grandes cidades os governos gastam 14 vezes mais recursos para o
funcionamento do sistema de transporte individual do que para o de transporte
coletivo, como informa o Relatório da ANTP de 2011.
Nessa prática discricionária não são os interesses do Estado que estão sendo
servidos, como se alega; menos ainda o da população. O método de Geisel não nos
serve.
A inflação e a ditadura certamente foram potentes promotoras da degradação da
ideia de planejamento no Brasil. Não é razoável que tal consequência ainda
persista.
A inexistência de planejamento, a falta de debate e a decisão discricionária
são elementos estruturais de um processo predador dos dinheiros públicos, da
qualidade urbana, da energia cidadã, da confiança na política e na
democracia.
Ou não estarão as ruas a nos dizer isso?
Sérgio Magalhães é arquiteto.
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