O GLOBO -
22/06
Rios de gente invadem as cidades. Transborda o descontentamento. Não foi súbito nem inexplicável. Há muito tempo jovens lotavam as avenidas virtuais por onde passam as redes sociais protestando contra a humilhação a que estávamos submetidos.
Quantos assinaram a Lei da Ficha Limpa, o que de melhor se fez como ação cidadã nesses últimos anos? Aprovada, Renan Calheiros foi eleito pelos seus pares presidente do Congresso. E gargalhou.
Quantos festejamos o resultado do julgamento do mensalão em que o Ministério Público teve um papel fundador? Um obscuro deputado do PT pariu um monstrengo, a PEC 37, tentando paralisar o MP enquanto a execução das sentenças vai sendo posta em risco por chicanas jurídicas que desmoralizam a Justiça.
Quantos pedimos a saída imediata do infelicíssimo Feliciano, cuja incurável doença do ódio quer curar o amor alheio, na contramão da sociedade que avança no sentido das liberdades, propulsada sobretudo pelos jovens que delas não vão abrir mão? Feliciano preside a Comissão de Direitos Humanos, cada vez mais cinicamente agressivo graças à inércia e à cumplicidade de todos os partidos.
Cresceu a percepção de que a Casa em que deveriam se refletir nossos interesses se transformara em um depósito do lixo da corrupção. Somados, somos quantos milhões? Quantos milhões de roubados, de traídos?
O que está acontecendo é novo por sua amplitude e pela rapidez da mobilização. Mas o desgosto e a indignação são antigos. A juventude supostamente apática, desmiolada, desinteressada do país, sem história, está aí, fazendo a sua e a nossa história Se a fagulha foram vinte centavos, convenhamos que menos que isso estava valendo a dignidade da população.
Um abismo separa a sociedade brasileira de seus representantes deixando no ar o inadiável repensar do sistema político que perverte a democracia representativa, que já não representa ninguém como dizem, com razão, os cartazes nas ruas. E, ao dizê-lo, longe de atacar a democracia, os manifestantes a estão revitalizando em sua expressão contemporânea. Esse o primeiro legado do movimento.
O escárnio passou da conta. Quanto mais zombavam de nós e frustravam nossas esperanças, mais o protesto virtual ganhava corpo. Veio às ruas, em carne e osso.
A truculência da polícia argumentou com balas de borracha. A violência policial tem como outra face da sua moeda podre o vandalismo, minoritário e boçal. Ambas atentam contra a democracia. A violência da polícia é responsabilidade do Estado. A dos vândalos — eufemismo para perigosos pescadores de águas turvas — é responsabilidade do Estado e do movimento de protesto, a quem cabe isolá-los, condená-los, demarcando-se de quem nada tem a ver com seu espírito amplo e luminoso, que não rima com incendiar uma das joias da arquitetura mundial, o Palácio Itamaraty. Gente encapuzada, bestas-feras que agridem o patrimônio público, deve ser investigada e punida. De onde quer que venha, violência nunca mais há de ser outro legado do movimento.
O movimento que está nas ruas não é pré-político como já foi dito, mas pós-política. É contemporâneo de novas formas de comunicação e ação pública. Habita o mundo complexo da interlocução imediata entre jovens e adultos de uma classe média que vem se expandindo, suficientemente informada para criticar a má qualidade dos serviços públicos, consciente de que a corrupção conta a história desse desastre. Corrupção nunca mais, legado maior da voz das ruas.
Inútil interpretar o movimento com os instrumentos da velha política, esvaziando-o de seu ineditismo. Viciados nos seus próprios métodos, os políticos, Maquiavéis de quinta categoria, perguntam-se a quem aproveita, temendo-se uns aos outros, penetras na festa em que são mal vindos. Incapazes de enxergar fora de seu mundo autista que há vida lá fora, não percebem que essa massa que canta o Hino Nacional, cujo mal-estar atingiu um ponto crítico, não está a serviço de ninguém senão de si mesma, de sua justificada aspiração ao bem viver.
A agenda fala por si: saúde, educação e transporte, serviços essenciais ao bem-estar. Bom governo, transparente, honesto e eficiente. E a liberdade de cada um viver a sua própria vida. Na linha de frente da manifestação de Brasília, um arco-íris desafiava o céu trevoso dos fundamentalistas.
Quanto aos governantes serão doravante julgados pela resposta que forem capazes de dar a esta incontornável agenda da sociedade. Rios de gente invadem as grandes cidades e seus afluentes se multiplicam. Em que mar irão desaguar, impossível saber.
Rios de gente invadem as cidades. Transborda o descontentamento. Não foi súbito nem inexplicável. Há muito tempo jovens lotavam as avenidas virtuais por onde passam as redes sociais protestando contra a humilhação a que estávamos submetidos.
Quantos assinaram a Lei da Ficha Limpa, o que de melhor se fez como ação cidadã nesses últimos anos? Aprovada, Renan Calheiros foi eleito pelos seus pares presidente do Congresso. E gargalhou.
Quantos festejamos o resultado do julgamento do mensalão em que o Ministério Público teve um papel fundador? Um obscuro deputado do PT pariu um monstrengo, a PEC 37, tentando paralisar o MP enquanto a execução das sentenças vai sendo posta em risco por chicanas jurídicas que desmoralizam a Justiça.
Quantos pedimos a saída imediata do infelicíssimo Feliciano, cuja incurável doença do ódio quer curar o amor alheio, na contramão da sociedade que avança no sentido das liberdades, propulsada sobretudo pelos jovens que delas não vão abrir mão? Feliciano preside a Comissão de Direitos Humanos, cada vez mais cinicamente agressivo graças à inércia e à cumplicidade de todos os partidos.
Cresceu a percepção de que a Casa em que deveriam se refletir nossos interesses se transformara em um depósito do lixo da corrupção. Somados, somos quantos milhões? Quantos milhões de roubados, de traídos?
O que está acontecendo é novo por sua amplitude e pela rapidez da mobilização. Mas o desgosto e a indignação são antigos. A juventude supostamente apática, desmiolada, desinteressada do país, sem história, está aí, fazendo a sua e a nossa história Se a fagulha foram vinte centavos, convenhamos que menos que isso estava valendo a dignidade da população.
Um abismo separa a sociedade brasileira de seus representantes deixando no ar o inadiável repensar do sistema político que perverte a democracia representativa, que já não representa ninguém como dizem, com razão, os cartazes nas ruas. E, ao dizê-lo, longe de atacar a democracia, os manifestantes a estão revitalizando em sua expressão contemporânea. Esse o primeiro legado do movimento.
O escárnio passou da conta. Quanto mais zombavam de nós e frustravam nossas esperanças, mais o protesto virtual ganhava corpo. Veio às ruas, em carne e osso.
A truculência da polícia argumentou com balas de borracha. A violência policial tem como outra face da sua moeda podre o vandalismo, minoritário e boçal. Ambas atentam contra a democracia. A violência da polícia é responsabilidade do Estado. A dos vândalos — eufemismo para perigosos pescadores de águas turvas — é responsabilidade do Estado e do movimento de protesto, a quem cabe isolá-los, condená-los, demarcando-se de quem nada tem a ver com seu espírito amplo e luminoso, que não rima com incendiar uma das joias da arquitetura mundial, o Palácio Itamaraty. Gente encapuzada, bestas-feras que agridem o patrimônio público, deve ser investigada e punida. De onde quer que venha, violência nunca mais há de ser outro legado do movimento.
O movimento que está nas ruas não é pré-político como já foi dito, mas pós-política. É contemporâneo de novas formas de comunicação e ação pública. Habita o mundo complexo da interlocução imediata entre jovens e adultos de uma classe média que vem se expandindo, suficientemente informada para criticar a má qualidade dos serviços públicos, consciente de que a corrupção conta a história desse desastre. Corrupção nunca mais, legado maior da voz das ruas.
Inútil interpretar o movimento com os instrumentos da velha política, esvaziando-o de seu ineditismo. Viciados nos seus próprios métodos, os políticos, Maquiavéis de quinta categoria, perguntam-se a quem aproveita, temendo-se uns aos outros, penetras na festa em que são mal vindos. Incapazes de enxergar fora de seu mundo autista que há vida lá fora, não percebem que essa massa que canta o Hino Nacional, cujo mal-estar atingiu um ponto crítico, não está a serviço de ninguém senão de si mesma, de sua justificada aspiração ao bem viver.
A agenda fala por si: saúde, educação e transporte, serviços essenciais ao bem-estar. Bom governo, transparente, honesto e eficiente. E a liberdade de cada um viver a sua própria vida. Na linha de frente da manifestação de Brasília, um arco-íris desafiava o céu trevoso dos fundamentalistas.
Quanto aos governantes serão doravante julgados pela resposta que forem capazes de dar a esta incontornável agenda da sociedade. Rios de gente invadem as grandes cidades e seus afluentes se multiplicam. Em que mar irão desaguar, impossível saber.
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