sexta-feira, 14 de junho de 2013

Crônicas - A técnica do Bruno


Vivo recebendo recados ameaçadores de uma cartomante. É pessoa próxima de um amigo, que me telefona:

– Ela mandou dizer pra você tomar cuidado. Entrará uma pessoa na sua vida que, em dois anos, arrancará tudo o que você tem.

Já pedi, já insisti. Não quero saber das tais mensagens.

A expressão usada, “entrar na vida”, pode se referir a qualquer tipo de relação, desde um vizinho que se mude para a mesma rua a uma relação íntima. Qualquer um vive esbarrando com pessoas perigosas. Interesseiras, invejosas e mal-intencionadas. Faz parte da vida saber quem é quem.
Meu amigo, impulsionado pelo medo, de tempos em tempos não resiste e me avisa.

– Ela está muito preocupada. Há muita inveja e forças negativas em torno de você. E você está frágil porque anda tomando drogas.
– Como assim, não uso drogas!
– Ela teve uma visão de você tomando comprimidos.

Algum poder essa mulher tem, não resta dúvida. Quando esse aviso chegou, eu iniciara um tratamento ortomolecular com uma infinidade de pílulas diárias: complexos vitamínicos, clorofila etc. Mas uma coisa aprendi na vida: o fato de alguém ter intuição, um certo sexto sentido, não quer dizer que seja dono absoluto da verdade. Seu desejo é transformar essa qualidade em investimento. Porque sempre vem a segunda parte do recado.

– Ela diz pra você procurá-la, pra fazer um trabalho pra te livrar das sombras.
 
Vejam bem, não estou falando de pais de santos – existem muitos sérios – ou de qualquer outro tipo de crença, religião ou espiritualismo. Me refiro a um exército de cartomantes, bruxos de todos os tipos dispostos a arrebanhar clientes. As técnicas são muitas. Uma conhecida foi ler a sorte e sentiu um arrepio ao saber:

– Um homem está interessado em você.

Mesmo bem casada, qualquer mulher ficaria satisfeita com a notícia, nem que fosse por vaidade. Minha amiga estava no desvio fazia tempo. Imediatamente quis saber quem era o tal. Tentava identificá-lo entre os conhecidos.

– Como ele é... jovem? Maduro?
– Ainda está nebuloso.
– Conheci um rapaz...
– Louro!
– Castanho.
– Estou vendo nas cartas um castanho-alourado.
– Isso. Ele até sugeriu que me ligaria, mas não ligou.
– É porque há outra mulher no caminho dele.
– É casado?
– Essa outra é uma amiga sua, que tem muita inveja e lança energia negativa sobre você. Vai fazer de tudo pra vocês não se relacionarem.

Foi o suficiente para a paranoia baixar. Rapidamente, ela identificou quatro ou cinco amigas que poderiam ser as invejosas. O rapaz, assim acreditava, era um que conhecera numa festa e trocara telefone com ela – para oferecer serviços de marcenaria VIP.

– Ele pode se aproximar inicialmente por trabalho, mas depois haverá um interesse afetivo, se as más energias forem dispersadas.

Chegaram ao momento fatal:

– O que faço para abrir meus caminhos?

A adivinha balançou a cabeça, pensativa, com parte do rosto iluminado pelas velas de um altar logo atrás.

– Posso fazer um trabalho.
– Quanto é?
– Imagine, não cobro nada. Só o material.

E dá-lhe material, que a cartomante, por gentileza, disse que ela mesma compraria: sete pombas brancas, alguidares, incensos, um arco-íris de velas. Minha amiga iniciou uma rotina de banhos com pétalas de rosas, arruda e alecrim. Tinha alergia a um desses elementos. Ficou com a pele cheia de borbulhas vermelhas. O rapaz telefonou, e ela marcou uma visita, para trocar os armários.

– Está dando certo.
– Você só não pode parar agora. Quanto mais ele se aproximar de você, maiores serão a inveja e as forças negativas.

Toca a buscar encruzilhadas solitárias de terra à meia-noite, com risco de assalto. Ela aprendeu a acender velas no vento, mãos em concha. As despesas com o material subiam. Com o rapaz também. Ele pediu um orçamento exorbitante para trocar o armário. Ela aceitou, encantada pela possibilidade de amor.

Só desistiu quando acendeu velas com o nome dele escrito na parafina em cima da geladeira. Uma delas caiu e gerou um princípio de incêndio. Só aí tomou consciência de que, havia meses, o tal marceneiro vip levara a entrada e nunca mais aparecera. Telefonou, e o celular não era mais o mesmo. Finalmente, pôs toda a culpa na cartomante.

Acredito no mundo espiritual, em intuição, sexto sentido. Sábios não misturam matéria e espírito. Mas há bruxas que querem transformar você em cliente. E, se desdenhadas, ainda podem lançar uns feitiços.
 

Revista Época

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