É a insanidade tocando a lira com as nossas veias, nossas tripas enfartadas
Rio - Tento servir aos amigos meia-porção de conversa fora, nossos botequins
mais vagabundos, mas o coração lacrimeja pimenta de um prato frio, cru e longe
de ser sashimi, difícil de digerir. Manifestações pacíficas, mas um atlântico de
minoria desafinada, confundindo o enredo do samba, uma melodia chamada
democracia. O fogo se alastrando pelo Paço Imperial e meus olhos procurando a
Livraria Arlequim, quer saber notícias do pequeno auditório no segundo piso, dos
quadros emoldurando nossa memória.
Enquanto escrevo, helicópteros sobrevoam os prédios próximos, janelas
conjugadas. Uma sensação de Bósnia, Vietnã, me contamina feita napalm,
gelificado e pegajoso. Volto à cidade, uma visão tsunami arrastando o Arco dos
Teles. Travessa do Mercado, bares de um fim de tarde carioca, a Livraria Folha
Seca, encharcada. Tudo submerge. Antigamente, Baiacú, flutuando os panamás da
chapelaria no número 47. Torço pra nublar sobre o CCBB, tornar invisível a
caravela ancorada no cais da Baía. Zumbi, o monumento da Presidente Vargas,
queima, mesmo distante de Roma.
É a insanidade tocando a lira com as nossas veias, nossas tripas enfartadas.
Um Nero indomado sobre as grades de Santana, o campo das cotias, dos gatos sem
telhados, sem pai e sem mãe, a caminho da igreja de São Jorge, uma pequena
capela emprestada por São Gonçalo, erguida bem antes do dilúvio humano. São
pedras arremessadas na cara da Madalena carioca, nua de amor, perdida e sem
partido entre a Central e a Candelária de costas pra rua. Quis latir: “
Terreirão, não! A Praça XI agora é praça de guerra”. Com cara de cachorro que
caiu do caminhão de mudança, disperso na Sapucaí.
É o pai, Madureira doente, tentando convencer o filho que aquela torcida
adversária, um mar de gente, é apenas “uma minoria” sem amor à camisa que
esconde o rosto.
O café Ao Vivo, na Rua São José, está morto.
O café Ao Vivo, na Rua São José, está morto.
Amanheço literalmente na Avenida Rio Branco. Som de velório, não há buzinas,
nem freio de ônibus apressado. O jornaleiro se esconde entre as manchetes,
alheio aos pedidos de “me dá o Meia Hora”. Um vento desconhecido sopra as cinzas
de uma noite inesquecível enquanto a bandeira brasileira não tremula, está
trêmula.
Os risos se escondem na paralisia facial. Mesmo assim, entre toques
necessários à crônica e os de recolher, escuto o taxista: “Dizem que, numa
reunião internacional, os políticos brasileiros riram na apresentação de um
suíço, Ministro da Marinha”. “E tem mar na Suíça?”, pergunto. “Sir, nós não
gargalhamos quando vocês anunciaram os seus chefes da Educação, Saúde e
Justiça...” Em tempo: “ Também luto por um país mais justo!” Com alma em
tapumes, apelo ao dicionário: “Minoria, a parte menos numerosa de um corpo
deliberativo”.
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