Paulo Nogueira Batista Jr.
Estou neste momento no Brasil para o nascimento do meu quarto neto, Luiz
Felipe. O garotinho nasce num momento conturbado da vida nacional. Eis que por
toda a parte irrompem manifestações iradas. Assisti a tudo, estarrecido, pela
televisão.
Todo mundo foi pego de calça curta — políticos e autoridades, sociólogos e
politólogos, economistas e jornalistas. Como disse Keynes certa vez, “o esperado
nunca acontece; é o inesperado sempre”. Ninguém, que eu saiba, antecipou a
escala das manifestações. Apesar da surpresa geral e unânime, não faltam
explicações, análises, teorias. Aqui estou neste momento improvisando as
minhas.
Na verdade, tenho apenas uma e solitária hipótese: as manifestações de rua no
Brasil, a exemplo de episódios similares em outros países nos anos recentes,
traduzem um colapso da confiança na democracia.
O cidadão comum sente-se cada vez menos representado pelos partidos, pelos
políticos e pelos governos. No Brasil, como em outros países, as manifestações
não são contra determinadas correntes partidárias ou a favor de outras. Se
entendi bem, o brasileiro vai à rua contra “tudo que está aí”.
A desilusão com a democracia representativa é muito disseminada — mesmo em
países com larga tradição democrática e instituições supostamente sólidas e
experimentadas. Quando a desilusão política se combina com dificuldades
econômicas e sociais, explode a insatisfação.
Já cabe perguntar se a palavra democracia não deveria ser sempre aspeada.
“Governo do povo, pelo povo e para o povo”, na célebre definição do maior
presidente dos Estados Unidos, a “democracia” reduz-se cada vez mais a um
conjunto de rituais vazios de conteúdo democrático.
Para que votar? — pergunta o cidadão. E com certa razão. O mercado domesticou
a urna. O eleitor vota, o político se elege, mas o poder econômico dá as cartas
antes, durante e principalmente depois das eleições.
O dinheiro sempre mandou, não há dúvida. Mas, nos tempos recentes, manda como
nunca. A turma da bufunfa é a face oculta, ou nem tanto, dos poderes eleitos.
Estes fazem, não raro, mera figuração. Nos bastidores, o bufunfeiro exerce sua
insidiosa influência.
Uma das razões é o custo gigantesco das campanhas políticas. Sem apoio da
bufunfa, nenhum partido, nenhum candidato é competitivo. Em uma palavra: a
política foi colonizada pelo dinheiro. E a “democracia” se transfigurou em
plutocracia.
Como espantar-se se um número cada vez maior de “eleitores” prefere a ação
direta? Para citar Lincoln uma vez mais, “pode-se enganar alguns o tempo todo,
todos por algum tempo, mas não se pode enganar a todos o tempo todo”.
Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.
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