Sempre me fascinou o tempo, rio que incessantemente nos carrega, nós distraídos
acumulamos bens supérfluos, sedentos de prazeres, carregando culpas inúteis,
tramando laços bons ou destrutivos, buscando muito mais que nossa dignidade.
Quem não quer um cargo melhor, maior salário, mais importância? Quem não há de
preferir harmonia, simplicidade, crescimento pessoal, amores bons?
O tempo na minha infância era feminino, em alemão "Die Zeit". Então sem ninguém ter me dito isso, para mim era uma velha bruxa instalada em todos os relógios daquele que davam os quartos de hora, meia hora, e hora inteira, cujo o tique-taque, enchia a casa nas madrugadas misteriosas.. A velha tricotava o tempo, mantas intermináveis, suas agulhas de metal tiquetaqueando. Minutos, horas, dias. Mas tarde entendi que o tempo se estendia em anos, décadas ,milênios, e comecei a sentir um pouco mais o seu poder. E torcia no meu coração e criança: não pare, não pare, não pare o mundo. Um dia percebi também que eu podia parar e desde então eu o respeitei muito mais, o Tempo, velho bruxo, com o seu tear desmedido, tecelão, ou rio com suas correntezas e redemoinhos, e enseadas mansas- não importa: ele tudo carrega, transforma, e faz com que, como disse Clarice Lispector", de repente tinham se passado vinte anos". Ou quarenta: espantoso poder dizer "isso foi há quarenta anos" e parecer tão natural.
Por outro lado esse mesmo gnomo tece laços entre as pessoas: o tempo dos casais que acumularam rancores e mágoas e aprendem a se odiar; o tempo dos casais que elaboram um amor terno e respeitosos- aqueles casais de dois extremos, de uma sala se entendem só pelo olhar; o tempo que transforma filhos pequenos em homens e mulheres, com seu destino, mas mesmo assim, podem se manter ligados a nós pelos fios dos cuidados e do afeto.; ou se afastam e não nos lembram quando esses fios são cruelmente cortados e a gente pouco pode fazer.
O tempo que tem uma adversária poderosa; a memória, em que tudo estar, enquanto estiver acesa em nós. Os belos momentos, os prantos, os abraços, as paisagens, as frustações, as grandes perdas, e aqueles que perdemos continuam em nós, com o rosto e a idade que tinham quando partiu. E essa dama singular, a memória, nos ajuda em parte a suportar as despedidas: pois ainda sou a menina assombrada pelas curiosidades e inquietações de décadas atrás, minha mãe se enfeita para uma festa , diante de seu toucador com espelho em forma de maia- lua, brotando do chão, enquanto, eu maravilhada, encolhida na cama de casal, observava." Mãe, você vai ser a mais bonita da festa. Mãe, você é a mãe, mais bonita da escola. Mãe, quando eu crescer eu quero ser como você. E mesmo quando o tempo e a doença , consumirem sua energia, alegria, e beleza, e lhe roubaram a memória, me dou conta de que ela, como todas as pessoas, continuam em todos os espelhos do mundo. basta saber olhar. Basta saber lembrar. Alguém me disse, ter visto aquele toucador, com aquele espelho , em alguma casa: que sentimento me invadiu.
O que ficará de nós , nos espelhos atemporais , quando desaguarem as apressadas torrentes do rio do tempo e terminar o trabalho, desse gnomo de agulhas delirantes tecendo nossas vidas? Nunca sabemos. Seremos lançados como garrafas com mensagens: nossas vidas, nossos dias , e obras, e dores, e realizações e decepções, e tudo isso que estamos, a cada minuto, a cada hora, dia, talvez, décadas, construindo sem nos darmos conta desse nosso incessante trabalho. Seremos lançados nisso, cujo verdadeiro nome é Enigma. Eu chamo Oceano. Quem sabe , Esplendor.
Lya Luft
Nenhum comentário:
Postar um comentário