domingo, 14 de julho de 2013

Entrevista - Salman Khan

O americano Salman Khan é autor de aulas em vídeo que já foram vistas mais de 200 milhões de vezes no YouTube. Matemático e engenheiro, com diplomas da Universidade Harvard e do Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos, ele propõe um modelo de ensino conhecido como flipped classroom (a sala de aula invertida), em que as crianças assistem a vídeos de curta duração em casa e, na escola, ficam livres para debater, tirar dúvidas e resolver problemas. Filho de uma indiana e um bengalês, Khan, de 36 anos, deixou um bom emprego no mercado financeiro para criar a Khan Academy, site que oferece conteúdo gratuito em diversas disciplinas, com foco em exatas. O educador chega nesta quarta-feira (16) ao Brasil, onde sua estratégia tem sido experimentada em dez escolas públicas pela Fundação Lemann de educação e pelos institutos Natura e Península. Nesta tarde, ele se reunirá com a presidente Dilma Rousseff.
 

ÉPOCA – Por que o senhor decidiu dedicar sua vida a mudar a maneira como as pessoas aprendem e estudam?
Salman Khan – Não foi uma decisão. A
educação sempre me intrigou, desde o ensino médio e a faculdade. Tive a oportunidade de fazer algo sobre isso quando uma prima, Nadia, de 12 anos, estava com problemas para aprender matemática. Ela morava em Nova Orleans. Eu, em Boston. Então comecei a ser seu tutor à distância. Funcionou para ela, e passei a trabalhar com seus irmãos mais novos. Comecei a fazer vídeos com exercícios e um amigo recomendou colocá-los no YouTube e compartilhar. Achei que era uma ideia ridícula, mas fiz assim mesmo.
ÉPOCA – O senhor pensou que esses vídeos poderiam interessar a outras pessoas?
Khan – Não, mas comecei a receber mensagens de pessoas que contavam como os vídeos as ajudaram. Tinha prazer em fazer aquilo, e os vídeos decolaram. Em 2009, estava com problemas para focar em meu trabalho (como analista de fundos de investimento). Percebi a oportunidade de criar algo e decidi que seria sem fins lucrativos. Naquele ano, pedi demissão na expectativa de alguém que pudesse apoiar a iniciativa, e acabou dando certo.
ÉPOCA – Suas experiências como estudante influenciaram seu desejo de criar a Khan Academy?
Khan – Sim, isso foi uma das principais razões. Costumava ver amigos, muito inteligentes, com problemas em matemática. Eles estavam aprendendo por meio da memorização de fórmulas, estudando para as provas e esquecendo tudo no dia seguinte. Também percebi no ensino médio que quando estudantes trabalham juntos, uns como tutores dos outros, são capazes de muito mais do que o sistema espera deles. Essas duas ideias estavam na minha cabeça.
ÉPOCA – Em sua opinião, é possível aprender sozinho?
Khan – As maneiras de aprender são complementares. Se estamos numa situação em que apenas eu falo e você apenas escuta, não acho que seja uma forma de interação física válida. Na minha cabeça, o tempo ideal na sala de aula é interagindo, discutindo, construindo coisas. Se estou aprendendo algo pela primeira vez, a última coisa que quero é outro ser humano ali esperando que eu entenda. É algo estressante. O que quero é passar algum tempo com aquilo, repetir, reler, pesquisar e depois começar a formular perguntas. Depois disso estou pronto para ficar frente a frente com outro ser humano de forma produtiva.
ÉPOCA – O senhor acredita que essa maneira autônoma de aprender é útil para qualquer tipo de pessoa?Khan – Acredito que poderia ser útil para qualquer pessoa, mas não necessariamente é a melhor para todas. A escola tradicional tampouco é para todos. Inicialmente, fiz a Khan Academy para ser o que eu queria quando criança. Não esperava que fosse ficar tão popular. Há estudantes de diversas idades, com diferentes desempenhos, meninos e meninas. Há pais e até avós.
ÉPOCA – Quando uma escola decide usar seus vídeos, qual passa a ser o papel do professor?
Khan – O professor ganha mais valor. Nas salas de aula em que estamos trabalhando, os professores recebem muitas informações sobre o que os alunos fizeram em casa, o que eles entenderam ou não. E todo o tempo dos professores em classe é gasto no ensino. Podem dar atenção específica a alguns estudantes, colocar outros para atuar como tutores. Há mais atenção, interação entre os alunos e construção de relação positiva entre eles.
ÉPOCA – As dificuldades para aprender matemática são universais?
Khan – Com certeza. Falo com amigos de várias partes do mundo, e eles relatam a mesma coisa. Acredito que isso ocorra em razão da maneira como a matemática é ensinada. Atualmente, nas escolas, o professor dá algumas aulas sobre equações lineares e depois faz uma prova. Talvez eu tire um C, você um B. O professor dirá que seu B é uma boa nota, mas você não entendeu tudo. Há buracos em seu aprendizado.
ÉPOCA – É possível fazer com que 100% dos estudantes entendam tudo?
Khan – No modo tradicional, é impossível. Com 30 estudantes em classe, como fazer isso? No mundo em que estamos entrando, as pessoas podem adquirir a informação em seu próprio ritmo e gosto. Se a classe é interativa, o professor pode coordenar a sala de forma que os estudantes trabalhem com problemas. Alguns podem avançar rapidamente, outros podem ficar lá atrás. Isso não é uma coisa ruim. Significa que eles estão construindo uma base sólida.
ÉPOCA – Não seria melhor para os jovens se eles saíssem da frente da internet e fossem fazer esportes ou estudar na companhia dos colegas?
Khan – Sim, esse é nosso objetivo. Imagino os alunos usando nosso material on-line por uma hora, uma hora e meia por dia. O resto do dia seria altamente interativo. As crianças poderiam correr por aí, jogar, conversar, criar coisas novas. Acredito que essas ferramentas on-line não fazem com que as crianças fiquem sentadas em frente aos computadores o dia todo, mas as tornam mais interativas e eficientes.
ÉPOCA – Qual foi o papel de Bill Gates na divulgação de suas ideias e de seu projeto?
Khan – Antes de Bill Gates aparecer, a Khan Academy estava crescendo. Quando ele começou a dizer publicamente “Eu uso a Khan Academy com meus filhos”, nos levou para outro nível. As pessoas diziam: “Gates é esperto, pode pagar os melhores tutores do mundo para seus filhos, mas está usando essa coisa grátis na internet”. Foi um importante depoimento. Ele tem nos apoiado financeiramente, mas dizer que usa (os vídeos) com os filhos foi mais poderoso.
ÉPOCA – No Brasil, temos desafios relacionados à falta de computadores e de acesso à internet. Como seu projeto pretende contorná-los?
Khan – Esse problema não será resolvido do dia para a noite. Ainda é uma questão nos Estados Unidos e ainda é no Brasil. O que me deixa otimista é que isso mudará radicalmente nos próximos anos. A venda de celulares, tablets e computadores está crescendo de forma mais rápida que a venda de geladeiras há 50 anos. Acredito que será possível para qualquer pessoa no Brasil, nos próximos cinco anos, ter acesso a esses equipamentos. Na Índia, as pessoas estão usando aparelhos que custam menos de US$ 100. Em cinco anos, custarão US$ 20.
ÉPOCA – O senhor pensa em transformar a Khan Academy em negócio?
Khan – É uma organização sem fins lucrativos. Não sou dono dela, sou um empregado. Estamos comprometidos em oferecer os materiais gratuitamente. Imagino que no futuro talvez façamos algum tipo de credenciamento, não sei. De qualquer forma, tudo o que fazemos está relacionado com a missão de produzir conteúdo de graça.
"Quando Bill Gates disse que usava os vídeos grátis da Khan Academy para ensinar seus filhos, ele nos levou para outro nível. foi um apoio poderoso"  
ÉPOCA – O senhor realizou seu sonho com a Khan Academy?
Khan – Eu me considero a pessoa mais sortuda do planeta. Faço o que acho intelectualmente e emocionalmente satisfatório. A única preocupação que tenho agora é que a gente não cometa nenhum erro, porque temos a oportunidade de fazer a diferença.

REvista Época

Nenhum comentário:

Postar um comentário