sexta-feira, 19 de julho de 2013

Te Contei, não ? - Entre dois tiros

Carlos Helí de Almeida 
Publicado:

Sr. Presidente. Tony Ramos caracterizado: uso de enchimentos em longo processo de transformação
Foto: Terceiro / Divulgação/Walter Carvalho
Sr. Presidente. Tony Ramos caracterizado: uso de enchimentos em longo processo de transformação Terceiro / Divulgação/Walter Carvalho
RIO — Moradores de edifícios próximos ao número 180 da Rua Tonelero, em Copacabana, acompanharam, há duas semanas, a encenação de um episódio que mudou a história do país. Por duas madrugadas seguidas, o entorno do endereço recebeu postes cenográficos e carros antigos para a recriação do atentado ao jornalista e político Carlos Lacerda (1917-1977), ocorrido no dia 5 de agosto de 1954, e estopim da crise que resultou no suicídio do presidente Getúlio Vargas (1882-1954), 19 dias depois.

Caracterizado como Lacerda para o filme “Os últimos dias de Getúlio” — que João Jardim está dirigindo, com fotografia de Walter Carvalho, em locações no Rio, e que deve estrear em 2014 —, o ator Alexandre Borges é paparicado por moradores do prédio um dia habitado pelo maior inimigo político de Vargas. “Costumava acompanhar todos os comícios do Lacerda. Mas você é muito mais bonito do que ele”, dizia uma senhorinha na direção de Borges, no hall de entrada do 180, momentos antes de o ator ser chamado para rodar a cena, na rua.
— Naquele momento da vida, Lacerda era uma cara novo, que tinha um programa de TV, no qual mostrava sua faceta combativa. Ele tinha o dom da palavra, era forte e agressivo, e queria realmente mudar o Brasil naquele momento de redemocratização, no pós-Segunda Guerra — lembra Borges, por trás do bigode e dos óculos de armação escura do jornalista. — Com a morte de Getúlio, tudo muda para o Lacerda, e para o país, da noite para o dia. Responsabilizado pela morte do presidente e perseguido, se vê obrigado a deixar o Brasil.
A sequência recriada na Tonelero, acompanhada pela reportagem do GLOBO e repetida diversas vezes de diferentes pontos de vista, descreve o momento em que Lacerda chega em casa de um comício, acompanhado do filho Sérgio, então com 15 anos, no carro do major da Aeronáutica Rubens Vaz, que fazia sua escolta pessoal. Os três saem do veículo e, no momento em que o político se dá conta de que esqueceu as chaves da portaria e ruma para a garagem do prédio, uma figura sai das sombras do outro lado da rua e dispara tiros contra o grupo — um deles atinge o major, mortalmente, no peito.
As primeiras investigações sobre o incidente levam até o Palácio do Catete, antiga sede do governo brasileiro, e apontam para Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Vargas, conhecido como Anjo Negro, como o mandante do crime. O episódio foi usado pelos militares, insatisfeitos com a distância que o presidente tomara das Forças Armadas, que o apoiaram ao longo de seu primeiro período à frente do governo (1930 a 1945), para engrossar o discurso anti-Vargas. Preocupados com as inclinações populares do presidente — que concedera, em fevereiro daquele ano, um ajuste de 100% ao salário mínimo —, os militares pressionam por sua renúncia. Isolado, Vargas, que no filme de Jardim é vivido por Tony Ramos, se mata com um tiro no peito na madrugada do dia 24 de agosto.
— É uma história trágica, que começa e termina com um tiro, mas que tem um grande coração no meio. Porque Getúlio queria fazer muitas coisas ainda no seu governo, e não suportou a pressão — resume George Moura, que mergulhou em mais de 30 livros sobre a vida e a trajetória política de Vargas, inclusive “Getúlio Vargas, meu pai”, biografia escrita por Alzira, antes de elaborar o roteiro. — Tudo leva a crer que Gregório, impregnado pela longa convivência com o poder, se sentia acima do bem e do mal, e tomou a iniciativa de defender os interesses do presidente, sem comunicá-lo. É um filme sobre a solidão do poder, daí a sua atualidade.
Getúlio Vargas foi um político de trajetória singular. Gaúcho de São Borja, deu baixa no serviço militar com a patente de sargento e foi estudar na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre, atual UFRGS.
Político ardiloso, comandou a Revolução de 30 até chegar ao poder, à força de uma ditadura, em 1937. Deposto em 1945, voltou cinco anos depois pelo voto popular, para terminar o mandato com um “ato heroico, de resistência”, segundo o diretor João Jardim.
— Getúlio é um personagem contraditório. Foi o primeiro presidente que teve preocupação com o lado social, mas também foi um ditador. Criou o Departamento de Imprensa e Propaganda, para se autopromover, mas, ao mesmo tempo, deu início à unificação e à industrialização do país — explica o diretor de “Pro dia nascer feliz”. — A própria Alzira Vargas, filha dele, vivida por Drica Moraes, diz que o pai era um grande nacionalista, um sujeito de um afeto enorme, mas também muito autoritário.
Encarregado de incorporar Vargas em seus derradeiros momentos, Tony Ramos reencontrou um personagem que vai muito além das descrições esquemáticas dos livros de História. O ator, que diariamente passa por um longo processo de transformação física, entre aplicação de maquiagem e o uso de um enchimento inteiriço, que vai dos pés ao pescoço, com a forma do corpo de Vargas, encontrou nuances sobre o presidente até em seu momentos de silêncio.
— A verdade é que a gente só costuma lembrar de Getúlio pelos discursos públicos, marcado pela eloquência. Mas, segundo as pesquisas que fiz, pessoalmente, ele era um homem intenso e discreto, não era dado a grandes arroubos. Gostava muito de falar ao pé do ouvido do interlocutor — descreve Ramos. — Há grandes momentos de silêncio de Getúlio no filme, que nos permitem entrar na alma desse homem.
museu da república fechado
Na semana seguinte à reconstituição do atentado a Carlos Lacerda na Rua Tonelero, a equipe de “Os últimos dias de Getúlio” mudou-se para o Palácio do Catete, que abriga hoje o Museu da República, onde se passa 60% da trama. A produção, orçada em R$ 6 milhões, conseguiu negociar com a direção do espaço uma permissão especial para rodar o filme em todas as suas dependências — menos no icônico quarto de Vargas, palco do suicídio, que, por questões logísticas, será reproduzido em estúdio. Em função dessa ocupação, o museu suspendeu a visitação pública até o final do mês.
— O filme tem a mesma função que o museu, que é preservar a História. Em troca, contribuiremos com reparos no acervo e com a manutenção das instalações do espaço — afirma Carla Camurati, produtora do filme. — Vamos preservá-lo recontando um pouco da história do lugar.
A versão de Jardim e do roteirista George Moura sobre o episódio terá um caráter menos acadêmico:
— O filme tem a estrutura de um thriller político, com três movimentos acontecendo simultaneamente: um presidente tentando provar sua inocência, os inimigos tentando destroná-lo, e as pessoas abaixo dele, autoras disso tudo, tentando escapar. A apoteose é o tiro — explica Moura


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/filmagens-de-longa-sobre-getulio-tomam-as-ruas-da-cidade-8784670#ixzz2ZW2Q2ZLN

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