terça-feira, 23 de julho de 2013

Te Contei,não ? - Quinta da Boa Vista

 

Se não tivesse perdido 60,7% de sua área original, a Quinta da Boa Vista abrigaria hoje dois palácios: o que foi residência de dom João VI, dom Pedro I e dom Pedro II a partir de 1808, onde funciona, desde 1892, o Museu Nacional; e a quadra da Estação Primeira de Mangueira, inaugurada em 1973 e batizada de Palácio do Samba, na comunidade que cresceu ali nos primeiros anos da República. Do início do século XIX para cá, a Quinta perdeu cerca de três quintos de seu território e majestade: a região, que chegou a ter 1.033.800 metros quadrados no Império, terminou, no decorrer do período republicano, com 406.680 metros quadrados restritos a São Cristóvão.

Virou parque popular, com o luxo de ser anexo ao maior museu da América do Sul em número de peças (são 20 milhões, de múmias a meteoritos) e ao Jardim Zoológico, mas deixou de ser vista como referência histórica. Do lado de fora ficaram, por exemplo, favelas, a estrada de ferro hoje administrada pela SuperVia e o Maracanã.

 
— Falar da Quinta da Boa Vista é falar da história do país, único da América que teve reinado e império. Com a República, ali foi a primeira sede da Constituinte. Ao longo dos anos, a cidade ganhou um parque que é público, felizmente. Mas, para o público, aquele é apenas um espaço para passeios — lamenta o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti, enumerando as perdas. — A primeira foi a cessão, por dom Pedro I, de um morro perto da Mangueira para a instalação do telégrafo. A segunda foi por ocasião da passagem da linha férrea, já no período de dom Pedro II. A área se estendia até a Rua São Francisco Xavier, passando por onde hoje é o Maracanã. Em 1935, foi inaugurado o Viaduto de São Cristóvão, sobre a linha do trem.
Não parou por aí. Recentemente, a área anexa à que se restringe a Quinta atual também passou a sofrer modificações a fim de receber parte do pacote de urbanização do entorno do Maracanã para a Copa de 2014, gerando polêmica. Ali estão o Centro Hípico do Exército, do início do século XX (antiga Cavalariça da Corte Imperial), e o que restou do Quartel da Cavalaria, de 1896, o primeiro prédio da arquitetura militar do país, demolido para ser “área de suporte” da Copa, como estacionamento, ao lado de uma passarela que está sendo construída para ligar o estádio à Quinta. Esse projeto fica pronto em janeiro de 2014.
— Essa espécie de reintegração é boa, pois parar de tirar pedaços do espaço e abrir acessos à população gera mais informação e cultura. Mas não está sendo feita da forma ideal — avalia o arquiteto Ricarte Linhares Gomes, chefe do escritório técnico do museu.
— Em uma área como a Quinta da Boa Vista não se justifica haver um estacionamento. Há boa oferta de transporte de massa — reclama Nireu, lembrando a importância do local também para o desenho da cidade. — Aquele foi um arquétipo do que deveria ser uma casa de campo e incentivou a geração de belos jardins da cidade. Lá nós tivemos a intervenção dos arquitetos Bittencourt da Silva, que era importante para a cidade, e Araújo Porto Alegre, também professor de belas artes, que deu o ar neoclássico do hoje Museu Nacional. Sem falar dos jardins do paisagista francês Auguste François Maria Glaziou, de 1875.
Segundo o engenheiro da Secretaria municipal de Obras Mauro Bonelli, responsável pela reurbanização do entorno do Maracanã, a passarela será um importante elo entre a Grande Tijuca e a Quinta.
— A previsão é que essa área de suporte seja transformada em um parque depois do evento, que tem sempre a preocupação de deixar um legado para a cidade. É uma área bonita e importante que vai se integrar ao conjunto da Quinta — defende Bonelli, negando que o quartel tenha sido totalmente demolido, mas sem saber dizer qual o destino do que sobrou da construção. — Mantivemos o frontão dele e a primeira escola veterinária. A gente entende que é importante mantê-los. Essa área preservada deixou de ser um quartel para se tornar uma área da comunidade.
Tombada pelo antigo Sphan em maio de 1938, a Quinta nasceu como chácara do comerciante Elias Antônio Lopes. O ano era 1808, e a cidade recebia a Família Real sem ter um palácio para abrigá-la. O Paço Imperial nada mais era do que um puxadinho construído sobre armazéns, um lugar cheio de mosquitos e com cheiro de enxofre. Quando o rei recém-chegado ao Brasil soube que não muito longe dali estava sendo erguida a mais imponente propriedade do Rio, foi lá conhecê-la. E acabou ganhando-a de presente. Como em Portugal não se usava o termo “chácara”, a propriedade acabou virando Quinta. E da Boa Vista por conta do visual que se tinha da Baía de Guanabara.
-— A Quinta cresceu desde que Elias doou a propriedade até a República. Mas não existia qualquer escritura que demarcasse essa área. A primeira foi fechada em 2004, entre prefeitura, governo do estado e governo federal, com base em declarações como as do Museu Nacional (que é da UFRJ, ligada ao Ministério da Educação), do Zoológico (uma fundação da prefeitura) e do Exército (onde está o estande de tiro, hoje cedido à Fiocruz), detalhando há quanto tempo funcionam ali — explica Ricarte.
Ao longo dos anos, dom Pedro II cedeu grande parte do terreno para a instalação do Derby Clube, onde está hoje o Maracanã. Mais tarde, a Santa Casa pediu uma área para fazer uma escola agrícola. Pedro II a cedeu, mas o terreno foi loteado e virou o trecho da Mangueira chamado de Candelária.
— Com a chegada da corte, São Cristóvão começa a se delinear como bairro. Até os anos 40 do século XX, ainda havia casarões de figurões da República, mas viraram cabeças de porco. A área tornou-se mais industrial. A Quinta foi prejudicada por tudo isso — diz Hélio Brasil, arquiteto nascido no bairro. — Pena que esse testemunho de um período histórico tenha se perdido ao longo do tempo.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/menos-majestade-tres-quintos-do-terreno-na-quinta-da-boa-vista-9113022#ixzz2ZtbRr9gX

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