quarta-feira, 24 de julho de 2013

Te Contei, não ? - Cara de paisagem

Maiá Menezes
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Intimidade: a estudante Taine Leite dá ‘selinho’ no poeta. Em duas horas, 52 afagos
Foto: Daniela Dacorso / O Globo
Intimidade: a estudante Taine Leite dá ‘selinho’ no poeta. Em duas horas, 52 afagos Daniela Dacorso / O Globo
RIO - Como o Papa em Roma, Carlos Drummond de Andrade, ou melhor, a sua hoje célebre estátua, tornou-se essencial ao roteiro do turista — mas também à reverência do carioca. Uma tarde de feriado dá uma pequena dimensão do quão pop se tornou o “poeta de bronze”, instalado para sempre no seu habitat de todos os dias, em Copacabana. Afagos, carinhos sem fim, chistes, conversas ao pé do ouvido mostram que algo de humano permaneceu na obra em tamanho natural, trabalho do artista plástico mineiro Léo Santana. Ao lado dela, no banco diante do mar — e escondido de quem passava pela área de lazer por um tapume de obras da prefeitura no calçadão da praia —, 52 fãs, conhecedores ou não de poesia, pela primeira ou pela enésima vez, sentaram para um momento com Drummond no último dia 23. Isso no espaço de duas horas.


— Vi muitas fotos de gente ao lado dele, lindas, no Facebook. Os meus amigos agora dizem que para vir ao Rio a maior prova é tirar foto aqui — exagera a técnica em exportação Monique Santos Oliveira, de 28 anos, de Santos, em São Paulo.
Na galeria dos notórios homenageados pela cidade, o próximo da fila oferecerá aos cariocas e turistas um pouso acolhedor como o de Drummond. Um banco, na orla, lembrará para a posteridade o escritor Millôr Fernandes, numa referência lírica a uma de suas frases-emblema: “O pôr do sol é de quem vê.”
Mais um caminho para enxergar, na paisagem, o que o poeta mineiro eternizou em poesia e que seu escultor, Léo Santana, esculpiu no bronze: “No mar estava escrita uma cidade.”
Nos sites de turismo, a estátua de Drummond já é apontada como o segundo monumento público mais visitado da cidade, atrás apenas do Cristo Redentor.
— Ele não parece pronto para escutar todo mundo? Tem um jeito de quem diz “se achegue” — explica a turista potiguar Angélica Medeiros, de 36 anos, pela primeira vez com Drummond.
A técnica em saúde bucal Cláudia Tavares, de 45 anos, de folga no Rio, vinda de Miracema, no interior do estado, passava a mão no ombro e na cabeça do poeta, que queria visitar “todos os dias”:
— Ele parece que está ali para conversar. A gente sente ele muito perto.
“Sorte” maior tem a estudante carioca Taiene Leite, de 19 anos. No feriado de São Jorge, ela repetiu o “selinho” que dá religiosamente na estátua em suas caminhadas pela orla.
Pois é essa humanidade parte da explicação para outro fenômeno. A despeito do vandalismo reincidente nos óculos do poeta, oito vezes roubados, ele e as 19 estátuas de chão fincadas pelas ruas e praças do Rio têm registros esparsos de pichações, em comparação com os 64 monumentos expostos em pedestais. Mérito do poeta (cuja estátua foi uma única vez pichada, dois dias depois da inauguração), diz a gerente de monumentos da Secretaria de Conservação da cidade, Vera Dias:
— O Drummond trouxe o monumento para perto das pessoas. Despertou o afeto. O dano começou a ser tragédia para o carioca.
Depois dos furtos em série, a estátua, há três anos, passou a ser vigiada por uma câmera da CET-Rio. As imagens contam, entre outros observadores, com a audiência do prefeito Eduardo Paes, que as assiste em seu gabinete. Trinta outras serão instaladas por monumentos de toda ordem, até julho. Os números gerais dão razão a um certo otimismo: em 2012, 150 monumentos passaram por restauro/conservação. Este ano, até agora, 42. Se as projeções se confirmarem, haverá uma queda de cerca de 20% em relação a 2012.
Léo Santana, o escultor, não sabia que vida teria seu Drummond. Convidado por Pedro Drummond, um dos netos do poeta, para fazer a escultura, procurou no banco de imagens guardado pela família, com fotos desde o nascimento até os últimos dias do poeta, a inspiração para o momento eterno. Soube do hábito dele de caminhar pela praia e de se sentar no banco da Atlântica. Diante da fotografia feita por Rogério Reis, encontrou a inspiração. O que fez de diferente foi instalar o poeta mais para o canto do banco, abrindo um espaço para os visitantes de todos os dias.
— Há uma convivência natural ali. Não tem pedestal. Não gosto de fazer esculturas como se fossem deuses. Gosto de gente normal — diz.
Os 150 kg sculpidos em bronze chegaram à casa da família de Drummond nas vésperas da inauguração do monumento, em 2002, vindos do ateliê do artista, em São Sebastião das Águas Claras, a 25 km de Belo Horizonte.
— Chamo Drummond de “meu rei”. É meu abre portas, meu cartão-postal — conta Léo, autor também da escultura de Ary Barroso, em frente ao restaurante La Fiorentina, no Leme.
Nos primeiros seis anos como estátua, segundo a secretaria, nenhuma grande avaria abalou Drummond. Em 2007 surgiu a primeira de uma série. Junto com o vandalismo, veio a onda de ligações indignadas e e-mails de protesto contra os vândalos. Depois da câmera à la Big Brother, houve um ataque aos óculos, no ano passado.
— Antes, esta relação só existia com o Manequinho. Ele (Drummond) costuma ser customizado nas grandes festas, como a Copa do Mundo, a parada Gay. Um grupo de artistas costuma fazer uma tarde de poesias ao lado dele. E frases pela preservação começaram a tomar camisetas. A relação com o monumento mudou — resume Vera.
A trupe de fiscais do patrimônio é eclética. E anônima. Ajuda a evitar prejuízos — só com os oito episódios “oculares” da estátua de Drummond, foram R$ 160 mil. A última empreitada foi para denunciar o sumiço da cadeira de Noel Rosa, a primeira estátua com jeitão humano na cidade, de 1996. No começo do mês, um morador de Vila Isabel telefonou e mandou e-mails para o portal do cidadão da prefeitura. A cadeira não foi encontrada, e um novo orçamento foi providenciado.
No começo do ano, a máscara mortuária do monumento em homenagem a Lamartine Babo, na Tijuca, foi encontrada no chão da praça por um passante, que entregou-a a funcionários da prefeitura. A prefeitura gasta R$ 2,5 milhões por ano com recuperação de peças.
Virar estátua é para um grupo seleto. O pleito mais recente — e mais encaminhado dentro do ir e vir burocrático da prefeitura — é para eternizar Carmen Miranda. O processo depende agora apenas da aprovação do prefeito. As fãs da cantora Emilinha Borba também pressionam por sua musa. A praxe é que as homenagens sejam post-mortem. Mas não é sempre assim. No Engenhão, Jairzinho já está eternizado. O compositor Orlando Silva é outro que ganhou um busto ainda em vida. E Pelé está pronto para “morar”, a partir de maio, no Maracanã, em lugar ainda sob sigilo. Bellini permanecerá lá.
O artista ou personagem notável precisa ter a seu lado um séquito de defensores para ser candidato a eterno. São retirados de forma sumária estátuas feitas à revelia da aprovação do município. O último grito em termos de homenageado é São Jorge, em um sem-número espalhado pela cidade, sem autorização.
A vocação de polo turístico de Drummond fez resvalar dividendos em seus pares estátuas.
— Gente, eu não sabia que tinha um Dorival Caymmi aqui. Vim andando para ver o Drummond e me deparei com ele — admira-se o empresário baiano Flávio Artur, de 26 anos, recém-chegado ao Rio a turismo (momentos antes, brincara com o nariz de Drummond, para em seguida abraçar Caymmi, também celebridade para lentes de cariocas e turistas).
Na esquina das ruas Pacheco Leão e Jardim Botânico, com carência extrema de cenário idílico, um casal de paulistas fazia de Otto Lara Resende um amigo, no último feriado. Em pé, lendo jornal, a imagem do jornalista e escritor fincada para a posteridade sorri.
— Conheço pouco sobre ele, mas parece uma estátua viva — compara o estudante Carlos de Azevedo Dias, de 21 anos.
— Antes (de Drummond), eu ia tirar foto de monumentos e todo mundo me olhava. Hoje, tem dez tirando foto também. As pessoas estão mais afetivas com as estátuas. Se sentem mais próximas. Não é apenas a paisagem que atrai — atesta Vera Dias.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/como-estatua-de-drummond-humanizou-relacao-de-cariocas-turistas-com-monumentos-do-rio-8221970#ixzz2a19ADy9e

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