quinta-feira, 18 de julho de 2013

Te Contei, não ? - Nós, o povo

Flávio Henrique Lino
 
 

Especialistas fazem paralelos entre crise de representatividade na Revolução Francesa e as manifestações populares deste ano no Brasil
Foto: Agência O Globo
Especialistas fazem paralelos entre crise de representatividade na Revolução Francesa e as manifestações populares deste ano no Brasil Agência O Globo
“O povo assistiu a tudo bestializado”. A descrição de um observador da época de como a população do Rio de Janeiro testemunhou o golpe de Estado de 15 de novembro de 1889 marcou, de forma profética, o regime instalado pelas baionetas que expulsaram do país o velho imperador Pedro II e sua dinastia. Para muitos observadores da vida nacional, o evento registrado nos livros de História como Proclamação da República deu início a uma longa experiência política que jamais se aproximou de instaurar no país a res publica idealizada pelos romanos — um governo que põe o bem-estar comum no centro de suas ações e preocupações, com a participação ativa dos cidadãos. Sem ter sido convidado para a festa de inauguração, o povo foi mantido a uma distância segura nos 124 anos seguintes, enquanto as elites políticas impunham a sua receita de governo — democrático ou não.
As últimas semanas de protestos diários aqui no Brasil, no entanto, abriram novas perspectivas para essa interpretação. De repente, sem anúncio prévio, as multidões entraram de penetra na celebração do poder. Exatamente como fez, 224 anos atrás — comemorados amanhã — o povo que inventou a moderna noção de cidadania, à qual os brasileiros aspiram e pela qual têm saído às ruas. Naquele longínquo 14 de julho de 1789, os parisienses tomaram a Bastilha — prisão real e símbolo do poder absoluto de Luís XVI — dando início a um movimento que mudou o país e o resto da Humanidade. Coincidentemente, os franceses do século XVIII e os brasileiros do XXI não estranhariam totalmente se trocassem de lugar. Os dois países — cada um em sua época e bem guardadas as devidas proporções — compartilham aspectos históricos semelhantes na situação que, na França, levou à ruptura, e no Brasil, a uma situação inédita de pressão popular espontânea sobre os centros de poder.
— Na História, a cidadania não se democratiza, a longo prazo, pela vontade dos que governam, mas sim pela base da sociedade. Quando a experiência das desigualdades e injustiças se torna insuportável e quando o contexto se presta, então a mobilização dos desprovidos se torna o motor não somente do descontentamento, mas também de um futuro possível — disse ao GLOBO, da França, o historiador Guillaume Mazeau, da Universidade Paris-1 Sorbonne e membro do Instituto de História da Revolução Francesa.
O combustível desse motor de descontentamento é fartamente encontrado no noticiário por aqui: serviços públicos precários, educação e saúde públicas sem qualidade, transporte coletivo caro e ineficaz, corrupção em todos os níveis de governo, privilégios abusivos gozados pela classe política — tudo isso embrulhado numa carga tributária das mais altas do planeta, que faz o brasileiro trabalhar de janeiro a maio só para pagar impostos. Tal desconexão entre governantes e governados ficou mais do que clara na pesquisa Barômetro da Corrupção Global 2013, divulgada dias atrás pela Transparência Internacional: 81% dos entrevistados consideraram os partidos políticos corruptos; 72% tiveram a mesma opinião do Congresso, e 50%, do Judiciário. Além disso, 81% disseram acreditar poder fazer algo contra a corrupção.
— O que é novo nessas manifestações foi o excesso, tornou-se viral e explodiu Brasil afora. Também vejo como novidade a possibilidade de articulação da insatisfação: botar tanta gente na rua por um sentimento difuso de contrariedade — diz a historiadora Isabel Lustosa. — Há uma falta de foco dos protestos, mas claramente há uma crise de representação porque as pessoas não se sentem representadas.
“o cidadão finalmente despertou”
A voz difusa das ruas tem mesmo sido alvo de críticas, sobretudo dos que creem que a falta de foco pode fazer o movimento de reivindicações morrer na praia, após as conquistas iniciais. Não é o que pensa, porém, o doutorando de Filosofia Francisco Jozivan Guedes de Lima, da PUC/RS. Mergulhado no estudo de como a opinião pública influencia o Estado, ele vê motivos para otimismo no atual momento do país, após ter afirmado num artigo em 2012 que “a cidadania no Brasil está adormecida”. As manifestações de que participou em Porto Alegre e as discussões no Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia, na universidade gaúcha, ajudaram a delinear uma nova perspectiva:
— Os protestos são um fenômeno novo, que vem de baixo. O futuro está em aberto, e é preciso ser realista porque os políticos vão resistir a mudanças reais. Mas o que importa é que o povo saiu da inércia. O cidadão finalmente despertou.
E, a julgar pela presteza com que o Congresso se apressou a tentar acalmar as ruas, desta vez foram os políticos que a tudo assistiram bestializados


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