O mais novo oponente do governo federal na Amazônia não é de partido ou sindicato nem se organiza atrás de um movimento social. São os índios mundurukus, que somam mais de 13 mil e há séculos ocupam parte do Amazonas, do Pará e de Mato Grosso. Na historiografia, são descritos como guerreiros e por seu costume de cortar e mumificar a cabeça dos inimigos. Por isso, foram primeiro combatidos e depois utilizados pelo colonizador português para garantir a ocupação do interior da Amazônia. Mais tarde, durante os ciclos da borracha, sucumbiram à indústria seringueira e foram obrigados a deixar suas terras no interior para se juntarem aos rios, em particular ao Teles Pires, ao Juruena e ao Tapajós. Hoje, mais de 240 anos após o primeiro contato com os brancos, é por esses rios que eles lutam. Os mundurukus querem ver garantido o direito consagrado na Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho e na Constituição de serem consultados antes do avanço das grandes obras de infraestrutura na Amazônia. Com isso, motivos para a crescente tensão com o poder público não faltam. O último relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, recém-divulgado pelo Conselho Missionário Indigenista (Cimi), esmiúça os episódios de brutalidade que eles vêm sofrendo. Mas o sangue guerreiro dos mundurukus não os deixa recuar.
Uma das maiores preocupações da etnia é com o complexo de pelo menos oito hidrelétricas que devem ser implantadas na bacia do rio Tapajós e em seus afluentes até 2021. “O governo diz que, querendo ou não, o projeto vai ser feito. Isso é um desrespeito à lei”, diz Maria Leusa Kabá, vice-coordenadora da Associação Indígena Pusuru, uma das organizações que representam os mundurukus. Segundo Adelar Cupsinski, advogado do Cimi que assessora os indígenas, as obras previstas inundarão 50 das 118 aldeias deles. “O governo só fala dos benefícios, nunca dos impactos”, completa Leusa. Sua angústia explica a luta aberta que os mundurukus hoje travam com o governo federal, acirrada nos últimos meses a ponto de o Planalto suspender a execução de estudos de viabilidade na região.
Para se fazerem ouvir, os indígenas ocuparam a usina de Belo Monte em duas ocasiões, mantendo a obra paralisada por 17 dias em maio e junho – o maior período que se tem registro. O governo decidiu, então, enviar dois aviões da FAB à região e trazer os cerca de 140 indígenas mobilizados no canteiro de obras para negociar em Brasília. Lá, reuniram-se com Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, e ocuparam o edifício da Funai. Ao retornarem às aldeias, dias depois, expulsaram de suas terras funcionários a serviço da Eletrobras que executavam estudos para a implantação de hidrelétricas. “Eles falam que atrapalhamos os trabalhos deles. A gente fala que eles estão atrapalhando o nosso, a nossa vida”, afirma Cândido Munduruku, presidente da Pusuru.
O grande número de cartas de apoio que eles receberam de outras etnias ao longo dos últimos meses mostra que eles não estão sozinhos nessa guerra, que já chegou ao Ministério Público Federal, onde correm pelo menos três processos em nome dos indígenas: dois tratam das usinas de Teles Pires e São Luiz do Tapajós e exigem que, antes de sua implantação, as comunidades afetadas sejam consultadas. Após duas decisões favoráveis, a Justiça Federal do Pará suspendeu a medida. A terceira investigação tem como alvo o ataque da Polícia Federal à aldeia munduruku de Teles Pires em novembro de 2012 durante a Operação Eldorado, deflagrada para desmantelar redes de garimpo e comércio ilegal de ouro. O índio Adenilson Munduruku foi morto com três tiros durante a ação, que também feriu dezenas de pessoas e causou prejuízo ao patrimônio dos moradores. Em seu depoimento à Procuradoria-Geral da República, Iandra Waro, filha do cacique de Teles Pires, afirma que “os policiais acreditavam que, acabando com o garimpo, os índios aceitariam a barragem”.
“Sabemos que há um grande passivo deixado por essas obras, um passivo social e ambiental. Isso gera desconfiança, uma espécie de mecanismo de defesa nessas populações”, admite Paulo Maldos, secretário de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência. Sem um aceno concreto do governo de que seus pleitos serão levados em consideração, os índios prometem cerrar fileiras. Foi marcada uma reunião de lideranças para o dia 3 de agosto a fim de organizar a resistência. “Eles sabem que, depois de Belo Monte, são os próximos”, resume o procurador da República Felício Pontes.
Revista Isto É
Fotos: Ruy Sposati/Ag. Raízes; Adriano Machado; ED FERREIRA/ESTADãO
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