segunda-feira, 8 de julho de 2013

Te Contei,não ? - Folclore

 
 
 
 

Daniel Evangelho Gonçalves
Graduado pela URFJ/Histótia

A discussão sobre folclore no meio académico se inicia na primeira metade do século XIX, deriva desde as bases da formação dos Estados Nacionais tardios como Itália e Alemanha. Para procurar formar um sentimento de identidade nacional, esses países foram buscar as raízes no folclore, nas bases da própria população, que era algo comum a todas as cidades, Estados ou feudos. Seguindo o estilo do movimento artistico-intelectual da época, o Romantismo, a base a ser procurada eram as histórias e cantigas tradicionais entoadas em todas as Cidades-Estados (cidades mais importantes de uma região, continham o poder politico e econônico, influenciando as demais) , pois provinham de uma origem comum, era portanto um elo perante o quadro de guerras e disputas politicas.
Deu-se início, então, a formação de coletânias de histórias tradicionais, devidamente publicadas e distribuídas em todos os povoados, fazendo-os notar semelhanças entre si, como as histórias infantis, os cantos e danças, criando assim um sentimento nacional.
O termo "folclore" nasceu em Londres (Inglaterra) no ano de 1856, quando William Thoms escreveu um artigo para a revista "The Atheneum" criando um termo folk - lore. Na tradução literal possui o seguinte significado: folk: saber tradicional e fantasioso; lore: povo de uma comunidade específica. Saber este manifestado através de contos, lendas, estórias, refrões, ditos populares, usos, crenças, cerimônias tradicionais, trajes e costumes.
Antes mesmo da criação do termo Folclore já havia uma intensa discussão acadêmica, já que surgiu a Etnografia na década de 1840, que nada mais é do que escrever sobre o povo. Porque isto se tornou um problema? Pois há duas formas de se falar sobre “povo”: quanto população e quanto classe social. Enquanto uns estudavam as ligações do povo, outros notavam as diferenças entre os hábitos deste povo.
Os Etnógrafos estudavam apenas as camadas populares e os Antropólogos todas as camadas, mas os costumes das classes altas de uma época remota não poderiam ser classificados como folclore? Não eram eles também pertencentes a um “povo” em geral? Somente em 1950 há uma reunião para discutir isso. Então, porque estudar o folclore? O que é o folclore? A partir desses questionamentos, o folclore passa a ser o estudo das tradições. Primeiro, ele surge para justificar as heranças políticas da Europa, depois surge para justificar as heranças culturais de um povo.
Jorge Dias, um intelectual português, decide que já estava mais do que na hora de juntar as duas coisas e acabar com essa disputa intelectual. Por isso, ele organiza e publica em uma enciclopédia, um trabalho dizendo que ambos os intelectuais (Etnógrafos e Antropólogos) falavam do mesmo assunto, portanto devia-se encerrar a discussão, mas para isso era necessário conceituar as devidas diferenças. Daí surgem classificações para se qualificar os devidos trabalhos, como:
Antropologia Cultural Descritiva ou Etnográfica – manifestações do homem: música, poesia, hábitos em geral, que eram descritas nos mínimos detalhes.
Antropologia Cultural Comparativa ou Etnologia – Estudo comparativo das coisas, nem tudo pode ser classificado como chapéu, pois em cada sociedade o chapéu pode ter um significado, mas todos podem ser qualificados como cobertura de cabeça.
Antropologia Cultural Interpretativa – Interpreta as classificações dadas pela designação anterior: Porque se cobre a cabeça? Status, conforto, razões sociais, etc. Como as coberturas de cabeça militares, que mudam ao longo do tempo, se adaptando aos povos e tipos de guerra, ou seja, galochas não são o mesmo em toda parte do mundo, até o nome pode querer dizer várias coisas.
Antropologia Cultural Explicativa – Definia os objetos e costumes de acordo com a serventia. Por exemplo, escola significava equipamento para prestar serviços à educação.
Esses estudos e comparações eram feitos pelos intelectuais da época. No entanto, uma coisa era o que eles decidiam, outra coisa era o que a prática determinava. Por exemplo, quando uma lei era decidida em Paris, ela deveria ser aplicada em todo o seu território, inclusive nas colônias. No entanto,  as leis sofriam adaptações, o que se fazia na capital não podia ser exatamente o mesmo que se fazia no interior, devido aos fatores climáticos, aos hábitos e costumes. Mas se não se pode reproduzir fielmente as práticas devido as alterações necessárias, se deixa de fazer folclore? Ele deixa de ser verdadeiro? Para que então estudar o folclore?
Não. Na verdade, se dança ou se toca modas folclóricas, que reproduzem o dia a dia de um povo, em uma determinada época, porque as pessoas se sentem bem ao ouvir ou a bailar essas músicas, elas se sentem bem ao retratar, ou a tentar reproduzir, algo de uma determinada época, pode ser uma música, uma dança ou até mesmo uma comida. O folclore é sentido, as pessoas o reproduzem pois se sentem bem em fazer aquilo, pois essa cultura está inserida em seu povo, nos seus antecessores.
No entanto, para se fazer folclore, para reproduzir hábitos e costumes de um povo, em uma determinada época, é preciso de muito estudo. Pois, só assim, é possível reproduzir de forma fiel esses hábitos. Mesmo que o local onde serão reproduzidos esses hábitos não seja propício e, para isso tenham que ser feitas algumas alterações, não tem problema, pois alterações são comuns e necessárias. A cultura não é algo permanente, ela esta sempre mudando. Ao entrar em contato com outros povos e costumes há um sincretismo cultural, ou seja uma mistura natural.
Estudando o folclore a fundo se chega as questões mais primárias. Por que se ia ao Baile? Por que se dançava e cantava? Simplesmente porque os encontros sociais aconteciam lá! As “tias chatas” ficavam distantes enquanto se dançava, se podia trocar olhares e gestos mais íntimos. Cada moda era específica para uma ação social. Até a música e os instrumentos variavam de povo para povo, variando também o gosto musical. Os instrumentos eram feitos de acordo com a matéria-prima disponível no local, se era criada uma viola com muitas cordas era porque se queria chegar a uma sonoridade desejada, mas isto só era possível se houvesse a madeira necessária disponível.
É mais fácil passar a dança e a melodia do que a letra, isto é inerente: “há uns que se divertem com os pés e outros com a cabeça”. Tanto que poucas rimas eram fixas, se adaptavam novas quadras em cada baile, como é feito pelos mestres até hoje, as variações nas letras são comuns, e por vezes necessárias, portanto não é um problema grave não saber exatamente como se cantava cada moda, até porque elas mudavam!
O fato é que hoje não se pode reproduzir os hábitos costumeiros de 100 anos atrás, pois o que hoje é folclore, lá era o dia-a-dia, não se come a mesma comida, não se veste da mesma forma, não se acorda e trabalha no mesmo horário, não se fazem contatos sociais do mesmo jeito. Por isso, é natural que esses hábitos sejam interpretados de diferentes formas. A partir dessa concepção, surge o termo: Projeção Folclórica.
Projeção Folclorica é a tentativa de reproduzir, mesmo que não seja 100 % igual, nas pessoas que estão ao meu redor, os ensinamentos que foram passados por nossos antecessores. Tenta-se projetar o passado. Tudo é verdadeiro, mas também falso, não se pode chegar a uma verdade absoluta, por mais que se tente, mas o correto é procurar estudar ao máximo, para se aproximar cientificamente o quanto for possível da realidade de outrora. Por isso, é tão importante, ao se estar num grupo folclórico, tentar perceber que tipo de Antropologia cultural se almeja reproduzir para classificar o próprio grupo, se tornando o mais fiel possível. A seriedade que temos que ter, enquanto um grupo folclórico, é que estamos reproduzindo o que aprendemos sobre um determinado lugar.
Por exemplo: A viola da Terra da Terceira, não é mais feita nos Açores, agora é produzida no continente, mas de acordo com os relatos e ensinamentos do passado ela era produzida inicialmente naquele local, por isso faz parte de uma projeção folclórica.  Outro exemplo claro é com relação as músicas que dançamos. Se bailamos uma moda da Ilha Terceira, como a Chamarita da Terceira, temos que dizer que estamos dançando essa música, que segundo o grupo das 12 Ribeiras, que nos apresentou a moda, é uma música bailada dessa forma naquela época.
Deve-se estudar a essência para se poder “brincar” com o folclore, já que este não é só composto por músicas e danças, são roupas, comidas, festas, missas, tradições em geral. Não é somente roupas e regras, antigamente se dançava por diversão, para se poder namorar a menina da rua, e deve-se tentar passar essa alegria, essa naturalidade, mesmo estando tão longe no tempo e na essência.
Portanto há dois principais tipos de grupos folclóricos: os Etnógrafos, que procuram copiar e reproduzir o mais fielmente possível, não abrindo espaços para mudanças. E os que fazem projeções folclóricas que procuram reproduzir, mas sem tanta preocupação aqueles costumes.
O folclore, quando não é uma projeção, não precisa de roupas típicas para ser apresentado. Quando isso ocorre, o folclore não está sendo projetado, está sendo apenas representado. Esse tipo de folclore não pode ser chamado de etnográfico. Por isso, o importante é que cada grupo saiba o que está fazendo e o que está passando para os outros. É preciso ter ética para explicarmos aos outros o que estamos a fazer, ou melhor, a transmitir. Temos que ter consciência do que fazemos.
Porque o folclore açoriano puxa para as cordas? Tem a ver com a alma, ao imigrar se leva a cabeça, e nela músicas, danças e tradições, que devem ser partilhadas com os outros. “O português é como o caranguejo, vai até onde vai a maré alta”, ou seja ele fica na costa, o português considerava o mar a sua casa, a sua terra firme, a terra propriamente dita, apenas como a sua maneira de viver, o seu ganha-pão, sua sobrevivência, o chão que se pisa é a água e o desconhecido, é a terra.
O português era o dono do mar, que significa morte, devido ao seu desconhecido, mas para o ele se tornou vida. Os portugueses são “povos”que resultam das ocupações ao longo do tempo. Quando projetamos ao mundo essa maneira de ser, entendemos melhor os outros povos. O folclore nada mais é do que uma dessas percepções sobre o mundo. A nossa maneira de fazer folclore é oriunda deste povo tão rico e vasto que tem o mar e mundo todo como sua “casa”.


Bibliografia:

Comissão Nacional do Folclore. Carta do Folclore Brasileiro. Capítulo I - Conceito. Salvador, 1995
Benjamin, Roberto. Folclore no Terceiro Milênio. IV Seminário de Ações Integradas em Folclore. Comissão Maranhense de Folclore. Boletim n. 21 / Dezembro 2001
Joaquim, José. Os primeiros grupos folcloricos e seus animadores. 2000
GONÇALVES, Daniel Evangelho. O que é folclore? E quais são as suas origens? Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 5, Nº23, Rio, 2010 [ISSN 1981-3384]

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