O governo acertou no diagnóstico, mas prescreveu um remédio para ser tomado a força, o que pode trazer efeito colateral
Não há dúvida de que o diagnóstico do governo está correto. O Brasil precisa, urgentemente, de “Mais Médicos”, como diz o programa lançado pelo Ministério da Saúde. Com 1,8 profissional para cada mil habitantes, o País se situa bem abaixo da média mundial. Só para citar um exemplo polêmico, Cuba, que poderia exportar profissionais para cá, não fosse o preconceito ideológico, tem uma média de 6,4 e uma colocação no Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU, relacionado à saúde, bem superior à brasileira. Além disso, o Brasil precisa de “Mais Médicos” sobretudo em regiões remotas. Enquanto a média de profissionais no Sudeste e no Distrito Federal é superior a 2, ela fica abaixo de 1 no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste.
Um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, também apontou a medicina como a carreira mais promissora no Brasil. É aquela capaz de gerar os maiores ganhos, com uma renda média de R$ 8,4 mil por mês, e a maior facilidade de se encontrar um emprego – o que, hoje, acontece com 97% dos médicos formados.
É a situação típica de um mercado de trabalho aquecido, em que os jovens que se formam podem escolher onde trabalhar. Muitas vezes, entre a selva amazônica ou as periferias das grandes metrópoles e os hospitais privados localizados nos bairros nobres dos centros urbanos, escolhem a segunda opção, ainda que tenham tido a formação subsidiada pelo Estado, nas universidades públicas.
Essa situação cria distorções óbvias. Em Rondônia e em Mato Grosso, os médicos de comunidades locais chegam a ganhar R$ 30 mil por mês. E mesmo no próspero Rio Grande do Sul, prefeitos de cidades menores têm dificuldade para atrair e reter profissionais. Por isso mesmo, gestores municipais do País inteiro têm se mostrado favoráveis à importação de médicos.
A resposta encontrada pelo governo foi a abertura do mercado brasileiro aos profissionais de fora – o que é correto – e o trabalho compulsório no Sistema Único de Saúde de jovens estudantes, durante os dois últimos anos do curso de medicina, com bolsas mensais de R$ 10 mil, o que cria dúvidas sobre a legalidade do chamado “serviço civil obrigatório”, como apontam as entidades médicas.
Ao lançar o programa, o governo mirou as populações mal assistidas, como é seu papel, mas não se colocou no lugar de quem, hoje, pensa em ingressar na carreira médica. O remédio tomado à força, para muitos, pode funcionar como um incentivo ao inverso, trazendo como resultado menos médicos – e não mais. Tomara que seja apenas o bode na sala para que seja possível aplacar a resistência das entidades de classe à necessária importação de profissionais.
Revista Isto É
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