RIO - Num intervalo de sete meses no ano passado, o professor e performer Kleper Reis, de 31 anos, foi vítima de duas agressões físicas motivadas pela homofobia, que o levaram a crises de pânico e o forçaram até a mudar de endereço. Na primeira, três amigos e ele foram espancados por cerca de 20 homens na Lapa. Na segunda, Kleper e seu companheiro deixavam uma festa em Pedra de Guaratiba quando foram abordados por dois homens, um deles com um pedaço de madeira na mão. Eles arrancaram a saia que o professor vestia, aos gritos de que ali homem não andava daquele jeito. Em ambos os casos, os agressores ainda não foram punidos.
Enquanto o projeto de lei 122/06, que criminaliza a homofobia, está emperrado em polêmicas no Congresso Nacional, agressões como a sofrida pelo professor se multiplicam. Ele foi um dos 1.902 usuários (em 4.267 atendimentos) que procuraram um dos quatro Centros de Cidadania LGBT do Programa Rio Sem Homofobia, do governo estadual, no ano passado, a maioria deles (831, ou 39%) por ter sofrido algum tipo de violência homofóbica.
Na agressão que sofreu na Lapa, em abril de 2012, Kleper conta que, ao fugir do espancamento, pediu socorro a guardas municipais para seus amigos, que continuavam apanhando. Mas, afirma ele, os agentes riram e nada fizeram. Machucados, um dos rapazes e ele seguiram para a 5ª DP (Gomes Freire), onde registrara queixa. Já no caso de Pedra de Guaratiba, em novembro passado, moradores identificaram os praticantes da violência. A agressão foi registrada como lesão corporal leve e acabou parando no Juizado Especial Criminal (Jecrim), onde, numa audiência, os acusados receberam um documento com o endereço e o telefone das vítimas. O processo ainda não foi concluído.
— Não acreditei. Com medo, me mudei de casa e, até hoje, não atualizei meu endereço — relata Kleper. — Ainda hoje recebo atendimento psicológico no Centro de Cidadania. Mas, antes, já passava por várias agressões. As verbais, diárias. Houve uma época em que cheguei a acreditar que eu era um problema. Até que entendi que a única forma de me defender era não ficar em silêncio.
Núcleo vai acompanhar casos
Para monitorar casos que estão sendo investigados, Cláudio Nascimento, coordenador do Rio Sem Homofobia, afirma que será criado este ano o Núcleo de Acompanhamento de Crimes Homofóbicos e Violação de Direitos LGBT. Atualmente, diz ele, não há levantamentos de quantos casos são resolvidos. Contudo, ele destaca avanços recentes, como a iniciativa pioneira da Polícia Civil do Rio de, nos registros de ocorrência, apontar a homofobia como motivo presumido de um crime.
Para Nascimento, a medida é útil para ajudar a identificar os casos e orientar políticas. Mas não tem efeito legal, uma vez que, em âmbito nacional, homofobia ainda não é tipificada como crime. O que Nascimento aponta como um dos fatores que dificultam punições mais rigorosas:
— Muitas histórias acabam recebendo um tratamento como se fossem de baixa complexidade. Se a homofobia fosse tratada como crime de ódio, que é inafiançável, seria diferente. Além disso, muitas vezes as pessoas têm atitudes omissas ou negligentes. Vários casos acabam sem prova material nem testemunhal, mesmo quando provavelmente alguém viu o crime.
Mesmo crimes como os contra o patrimônio, diz Nascimento, podem ter motivação homofóbica. Ele lembra o assassinato do empresário Paulo Sérgio Jerônimo da Silva, de 46 anos, mês passado, em Angra dos Reis. Inicialmente, o crime foi tratado como latrocínio (roubo seguido de morte). Mas as 57 facadas com que ele foi morto chamaram a atenção.
— Nós, do Rio Sem Homofobia, fomos até Angra, fizemos o papel de aproximar a comunidade gay e a polícia. E acabou se chegando ao suspeito — diz.
Além da morte de Paulo Sérgio, só este ano já foram notificados aos Centros de Cidadania LGBT outros 12 homicídios relacionados com a homofobia, contra 16 durante todo o ano de 2012. O mais recente foi do jovem Leonardo Teixeira Cardoso, de 28 anos, morador de Mesquita. Ele desapareceu no dia 7 deste mês e, quatro dias depois, seu corpo foi encontrado num terreno baldio, vestindo apenas uma sunga, com um tiro no rosto. O companheiro dele, o estilista Alan Vieira, de 29 anos, conta que os dois tinham saído de uma boate na Zona Norte do Rio e, na volta para Mesquita, após uma pequena discussão no ônibus, Leonardo resolveu descer e esperar o próximo coletivo, na Pavuna. Foi a última vez em que se viram.
— Fiquei esperando que ele viesse no ônibus de trás. Mas ele não apareceu. No dia seguinte, fui à delegacia, mas não pude registrar o desaparecimento, por não ser da família. Por conta própria, fiz um cartaz com a fotografia dele, pedi ajuda nas redes sociais e iniciei uma busca que só terminou no Instituto Médico-Legal de Nova Iguaçu, para onde o corpo foi — conta Alan. — Morávamos juntos há oito meses, fazíamos planos de nos casar num sítio e, no futuro, tentar adotar uma criança. Mas esses sonhos foram interrompidos. Acredito que ele tenha sido vítima de homofobia. Estou sem chão, sem forças. Mas agora vou lutar por justiça, para descobrir quem o matou.
Motorista atirou em travesti
Alan conta que, há três meses, a violência homofóbica já o rondava. Na região em que mora, em meados do ano, uma travesti teve a casa invadida e foi assassinada, juntamente com um cliente. O crime aconteceu semanas depois de, na última Páscoa, a travesti Cindy Bella Boneca, melhor amiga de Alan, sofrer uma tentativa de homicídio. Ela saía de uma boate onde tinha feito um show, quando, de dentro de um Fiat branco, dois homens a convidaram para um programa. Cindy se recusou e levou um tiro de raspão na barriga, disparado pelo motorista.
— Pensei que fosse morrer. Sorte que o tiro desviou na armação de ferro da roupa que eu usava, feita pelo Alan. Depois que saí do hospital, bateu uma imensa tristeza. Na noite seguinte, acordei em pânico, pedindo à minha mãe que não saísse de perto de mim — diz Cindy.
Em 2012, foi justamente a Baixada Fluminense a região com maior número de homicídios que chegaram ao conhecimento do Rio Sem Homofobia. Dos 16 casos, dez foram registrados pelo Centro de Cidadania local, em Duque de Caxias (outros quatro ocorreram na capital e dois, em Nova Friburgo). Também foi o centro da Baixada o que teve o maior percentual de registro de agressões físicas decorrentes de homofobia (31% dos casos), contra 20% na capital e na Região Serrana e 16% em Niterói.
Nova Iguaçu vai ganhar centro
No geral, os gays foram a maioria dos usuários dos centros no ano passado (41%), seguidos por lésbicas (27%), transexuais (11%), heterossexuais (9%), travestis (6%) e bissexuais (3%). No perfil por faixa etária, a maior parte (28%) tinha de 30 a 39 anos; 19%, entre 25 e 29 anos; e 14%, entre 21 e 24 anos. Entre as vítimas de violência homofóbica — 31% a mais do que em 2011 —, 36% a sofreram no ambiente familiar ou em sua residência/condomínio, e 18% em via pública. A violência verbal foi a mais comum (38%), seguida da física (22%).
A região de Nova Iguaçu e Mesquita foi identificada como uma das mais críticas. E, não à toa, será a próxima a receber, ainda este ano, um Centro de Cidadania LGBT. De acordo com Cláudio Nascimento, em 2013 também serão criados centros em Queimados, Macaé e Cabo Frio. E, até o fim do ano que vem, mais cinco deles no estado, totalizando 13.
Em São Gonçalo, a instalação de um centro é uma das reivindicações de Angélica Ivo, mãe do jovem Alexandre Ivo, de 14 anos, brutalmente assassinado em junho de 2010, em mais um caso até hoje sem julgamento dos acusados, Alan Siqueira Freitas, Eric Boa Hora Bedruim e André Luiz Cruz Souza, que respondem em liberdade. Pelo laudo cadavérico, Alexandre foi morto por asfixia mecânica, com lesões no crânio. Naquele dia, ele tinha ido a uma festa onde houve uma briga. Embora o rapaz não tivesse ligação com a confusão, seus amigos, dois deles gays, foram agredidos pelos acusados. Alexandre os acompanhou à delegacia para prestar queixa. Quando o jovem esperava pelo ônibus para voltar para casa, foi atacado. Desde então, Angélica vem lutando pela condenação dos acusados:
— Fomos à cena do crime, reconstituímos o que aconteceu. Tivemos que colher as informações para poder explicitar para o promotor que ele sofreu um crime de ódio.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/homofobia-odio-que-cresce-sombra-da-impunidade-9224591#ixzz2aXeSn200
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