Casa da Flor, tombada pelo Inepac em 1986 e considerada exemplar raro da arquitetura espontânea, foi restaurada em 2001
De longe, parece mais um dos casebres pobres e sem cor que existem no bairro Parque do Estoril, em São Pedro da Aldeia. Só de perto é que a beleza delicada da Casa da Flor se revela aos olhos do visitante. Construída com materiais catados nas ruas e no lixo, a casinha de apenas três cômodos (sala, quarto e depósito) foi montada pouco a pouco por Gabriel Joaquim dos Santos, que passou 63 anos carregando restos de obras, cacos de louças, conchas, azulejos, calotas de carro, tampas de ralo e toda sorte de objetos quebrados. Nas mãos de Gabriel — um dos 12 filhos de uma índia e um ex-escravo — o que era entulho virou um lar.
A casa, no entanto, ganhou este ano um “adereço” por outras mãos: toras de madeiras foram encaixadas na construção, que fica sobre um pequeno morro, numa tentativa da prefeitura local de impedir que ela deslize, destruindo o bem que é um dos maiores patrimônios históricos da região. Tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) em 1986, e considerada exemplar raro da arquitetura espontânea, ela foi restaurada em 2001.
— Na época, conseguimos patrocínio para refazer parte do telhado e colar adornos que caíram. Agora, a casa precisa também de obras de drenagem no terreno — diz a pesquisadora Amélia Zaluar, uma diretora da ONG Instituto Cultural Casa da Flor, fundada após a morte do artista em 1985, e autora do livro “A Casa da Flor - Tudo caquinho transformado em beleza”.
A casinha remete à obra do artista espanhol Antonio Gaudí. Para esculpir as paredes, muros, móveis e painéis que adornam os lados de dentro e de fora de seu pequeno lar, Gabriel usou uma base de cimento e pedras, onde ia encaixando tudo que achava: desde lâmpadas queimadas e alças de bules de porcelana quebradas a pinguins de geladeira descartados. Na fachada e em alguns pontos da casa, veem-se registros de datas, frases religiosas e, em muitos cantinhos, o nome do autor, tudo escrito numa letra infantil.
— Ele só aprendeu a ler e escrever aos 36 anos, mas tinha uma sabedoria impressionante. Ao morrer, deixou sete cartilhas, onde registrou casos e histórias de parentes, moradores da região e até acontecimentos do Brasil e do mundo — conta Zaluar, que tem mais de 500 fotos e oito horas de entrevistas com o autor, de quem ficou amiga em 1978.
Magro e pequeno, Gabriel fez uma casa para suas medidas, com portas estreitas e teto baixo. Com exceção da cama e de algumas cadeiras, os móveis foram feitos em pedra e decorados pelo autor. Entre eles, uma estante, batizada de “altar dos livros”. Junto à porta de acesso ao quarto, duas fotos ganharam destaque: uma de Gabriel, aos 20 anos, e outra do presidente Getúlio Vargas, a quem ele adorava.
A Casa da Flor foi a realização de um sonho. Literalmente. Gabriel ganhou a terra do pai e começou a erguer um cômodo em 1912. Numa noite, 11 anos depois, sonhou com um dos painéis. Sem dinheiro, decidiu enfeitar com lixo.
— Andava carregando pedras e dizia que estava fazendo arte — lembra-se Valdevir dos Santos, de 71 anos, sobrinho neto de Gabriel, contratado como zelador do local pela prefeitura.
A obra é aberta à visitação (ingressos a R$ 2). Para chegar lá, é preciso atenção, pois há poucas — e precárias — placas indicando a direção
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