domingo, 14 de julho de 2013

Te Contei, não ? - O novo ativista digital

Uma geração moldada pela internet – e insatisfeita com a realidade – descobre o poder de levar suas causas para a rua

Marcela Buscato e Fillipe Mauro

 
O paulista Renan Fernandes, de 22 anos, é um observador atento da conjuntura política e social do país. Participa das discussões no centro acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde cursa o 5a ano. Ele dá aulas voluntariamente no cursinho pré-vestibular para estudantes carentes que funciona na faculdade. No dia 13 de junho, quando 5 mil manifestantes protestavam nas ruas do centro de São Paulo, ele era um deles. "Sou usuário do transporte público e queria ajudar a lutar por uma tarifa mais justa", afirma Fernandes. Ele diz ter sido atingido por uma bala de borracha disparada pelos policiais, afirma que viu uma amiga ser ferida pelos projéteis e outra queimar as mãos, depois de ser atingida por uma bomba de gás lacrimogêneo. Revoltado, organizou um abaixo-assinado na internet para protestar contra a ação violenta da polícia. Em menos de uma hora, o texto ganhou quase 1.000 assinaturas. Hoje, está com quase 6 mil. Se chegar à marca dos 7.500, Fernandes promete entregar o documento ao governador do Estado, Geraldo Alckmin. Fernandes diz que, mesmo que os policiais não sejam punidos, o importante é protestar. "Quero espalhar informação e conscientizar as pessoas", afirma.
Os milhares de manifestantes que ganharam as ruas do Brasil nas últimas semanas são parecidos com Fernandes. São jovens que descobriram na internet uma ferramenta poderosa para lançar e organizar protestos: contra a má qualidade dos serviços públicos, contra a corrupção, contra a violência da polícia e, sobretudo, contra tudo o que eles consideram abaixo de suas elevadas expectativas em relação à situação econômica e social do Brasil. "A situação do país não piorou. Foi a exigência que aumentou", diz o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da Universidade de São Paulo (USP). "A agenda da carência cede lugar à da cobrança."
Os jovens se tornaram mais exigentes por dois motivos. Primeiro, porque aumentou o nível de escolaridade. Eles estão mais instruídos. Segundo dados do Inpe, o instituto de pesquisas do Ministério da Educação, entre os jovens de 18 e 24 anos, aqueles que cursavam o nível superior passaram de 15%, em 2002, para 29,9%, em 2011. Quem estuda mais entende melhor e tende a ser mais crítico. O segundo motivo é a crise econômica. O crescimento brasileiro, que chegou a ser de 7% ao ano, caiu para menos de 1% no ano passado, arrastando com ele a possibilidade de melhoria rápida no padrão de vida dos brasileiros, sobretudo os mais jovens. O país não conseguiu cumprir a expectativa de realização pessoal criada entre os jovens urbanos. O desemprego entre os 18 e os 24 anos foi de 12,4% em maio passado - o triplo da taxa registrada entre trabalhadores mais velhos. "A situação econômica não está dramática. Países na Europa estão em situações muito mais graves. Mas as mudanças, por menores que sejam, mexem com expectativas. Expectativas são importantes", diz Rolf Rauschenbach, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da USP. "Muitas pessoas estão felizes, mas, quando a situação aperta, todo mundo se frustra. Tanto quem tem três carros quanto o pobre, que não tem expectativa de dinamismo para mudar sua vida."
O fenômeno não é exclusivamente brasileiro. As causas da insatisfação juvenil no país são compartilhadas por milhões de jovens em outros lugares do mundo, com consequências semelhantes. Em junho, na Turquia, um protesto contra a destruição de um parque em Istambul virou uma onda de manifestações contra o autoritarismo do governo. Há dois anos, na Espanha, o movimento Indignados promoveu uma série de protestos contra as altas taxas de desemprego no país - e aproveitou para pedir o fim da corrupção e melhorias na educação, saúde, cultura... Reivindicações muito parecidas com as do movimento americano Occupy Wall Street. Em setembro de 2011, jovens acamparam no coração financeiro de Nova York para protestar contra a corrupção, a desigualdade social e a influência das empresas sobre o governo. "As multidões têm hoje instrumentos para se organizar e se reunir quase instantaneamente, pelas redes sociais como o Twitter e o Facebook", afirma o sociólogo espanhol Manuel Castells, autor do livro Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet (que deverá ser lançado em setembro no Brasil). "O novo espaço público, formado pela interseção do universo virtual com o local, gerou um contrapoder: pela primeira vez na história, as forças de mudança reúnem força e condições de encurralar o poder."
A força contestadora da juventude - no Brasil, na Turquia, nos Estados Unidos, na Espanha - é historicamente a força motriz de um processo de saudável renovação social. "Os jovens estão em busca de independência Brasil, na Turquia, nos Estados Unidos, na Espanha - é historicamente a força motriz de um processo de saudável renovação social. "Os jovens estão em busca de independência e esbarram nos limites da família, das instituições, da sociedade. É natural que tentem derrubá-los", diz a educadora Ana Karina Brenner, pesquisadora do Observatório Jovem do Rio de Janeiro, da Universidade Federal Fluminense. O que muda de geração em geração são as barreiras a enfrentar - e a forma de superá-las. Nos anos 1960 e 1970, os jovens entendiam que tinham de abdicar de seus desejos individuais para lutar pelo bem comum. Na França, em 1968, pararam o país exigindo liberdades sexuais e transformações políticas. Foram às ruas nos Estados Unidos para exigir o fim da Guerra do Vietnã. No Brasil, organizaram-se clandestinamente e marcharam para derrubar a ditadura militar. Nos anos 1980, num mundo marcado pela competição entre capitalismo e socialismo, os sonhos da juventude se tornaram mais materialistas. Os jovens queriam exercer suas competências e ascender economicamente. Nos Estados Unidos, ficaram conhecidos como yuppies. No Brasil, queriam o direito de votar para presidente e mobilizaram a sociedade numa das maiores campanhas já realizadas no país, as Diretas Já.
A partir de 1989, quando nasceu boa parte dos jovens que agora está nas ruas, as lutas políticas se amainaram. A queda do Muro de Berlim decretou a derrota simbólica do socialismo, ao mesmo tempo que a democracia era restabelecida no Brasil pela primeira eleição direta para presidente da República desde 1960. De lá para cá, o país tem vivido um longo ciclo de normalização política e econômica, que coincidiu com o surgimento da internet. A rede chegou para mudar radicalmente a forma como vivemos e nos relacionamos. A geração surgida dessas novas circunstâncias parece acreditar ser possível lutar pelo bem comum sem abrir mão de suas ambições individuais. "Por ter crescido num ambiente de estabilidade política e econômica, esse jovem está imbuído de um espírito público de melhorias", afirma Drica Guzzi, coordenadora de projetos da Escola do Futuro da USP e autora do livro Web e participação - A democracia no século XXI (Editora Senac-SP). "Como ele tem muita informação pela internet, sente-se responsável por lutar por mudanças."
Alfabetizados num mundo regido pela rapidez da internet, conectados globalmente, esses jovens mudaram a forma de fazer política e de engajar-se em causas sociais. Disseminam, pelo Twitter, dicas de como se portar numa passeata. Convocam, pelo Facebook, voluntários para participar de projetos sociais. Arrecadam verba para promover ações, por meio de sites que usam o princípio da boa e velha "vaquinha5 - hoje chamada de crowdfunding, ou financiamento pela multidão. "A tecnologia deu voz aos jovens de uma maneira sem precedentes", diz o cientista social Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sócio-Políticos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. "Eles têm ferramentas para se colocar como protagonistas e provocar mi-crorrevoluções. Associadas, elas causam grandes mudanças."
O universitário brasiliense Lucas Brito, de 22 anos, usou o alcance das redes sociais para organizar uma manifestação contra a aprovação do projeto de lei que autorizava o tratamento médico da homossexualidade. A ideia surgiu entre Brito e seus colegas da Assembleia Nacional de Estudantes - Livre. Eles postaram uma convocação no Facebook. Em apenas quatro dias, dizem ter conseguido reunir 9 mil jovens diante do Congresso Nacional para protestar com beijos contra a "cura gay". Graças à manifestação, conseguiram entregar uma carta ao presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves. "É impensável mobilizar milhares de pessoas sem o Facebook", diz Brito. Por causa da pressão dessa e de outras manifestações, o deputado responsável pelo projeto, João Campos (PSDB-GO), pediu que ele fosse arquivado na semana passada.
Brito e os jovens que aparecem nesta reportagem fazem parte da primeira geração de nativos digitais brasileiros. "Eles são regidos por uma nova maneira de pensar e agir, influenciada pela tecnologia", afirma o publicitário Rony Rodrigues, presidente da Box 1824, empresa de pesquisa especializada em tendências de consumo e comportamento jovem. "São pragmáticos, donos de uma personalidade flexível, pronta para se conectar com interesses diferentes a cada ocasião. Pensam numa linguagem sucinta e chamativa." Sua agência reuniu as principais características dos nativos digitais num levantamento com 200 jovens entre 18 e 24 anos, realizado entre os meses de abril e maio em seis capitais brasileiras.
A facilidade para disseminar campanhas pelas redes sociais também é motivo e preocupação. Em meio a tantas informações e apelos, será que os jovens conseguem se aprofundar nas discussões? O perigo é acabar encampando causas sem entender os reais interesses por trás do movimento. Uma campanha falsa, cria-a pelo psicólogo dinamarquês Anders Colding-J0rgensen, da Universidade de Copenhague, mostra a propensão para o engajamento ao alcance de um clique. Ele montou uma comunidade virtual contra a destruição de uma fonte histórica, planejada pela prefeitura de Copenhague. Era uma mentira. O marco da cidade nunca esteve ameaçado. Em poucos dias, 27 mil simpatizantes haviam aderido à comunidade de Jorgensen. Ele achou por bem dar um fim à experiência e aproveitou para perguntar por que as pessoas se envolveram sem ao menos confirmar as informações. "Muitos disseram não querer ficar de fora, porque havia mais gente participando. Além disso, clicar não custava nada. Essa é uma combinação persuasiva", diz Jorgensen.
Ainda é cedo para saber se esse vazio do engajamento digital prevalecerá. Um dos levantamentos mais extensos já feitos sobre o assunto sugere perspectivas otimistas. A equipe liderada pelo educador americano Joseph Kahne, diretor do grupo de pesquisa em engajamento cívico do Mills College, analisou a participação virtual e real de 3 mil jovens americanos entre 15 e 25 anos. Os resultados sugerem que, entre aqueles que participavam de alguma atividade política ou social nas redes sociais, 96% também tomavam parte em formas tradicionais de engajamento, vinculadas a instituições. O ativismo digital é uma maneira complementar de trabalhar por mudanças", diz Kahne.
A carioca Beatriz Ehlers, de 12 anos, começou cedo no ativismo digital. No ano passado, encabeçou um abaixo-assinado virtual para pedir à prefeitura do Rio de Janeiro que não demolisse a escola municipal Friedenreich, onde estudava. O prédio, na Zona Norte, fica dentro do complexo do Maracanã, em reforma para a Copa do Mundo de 2014. Segundo o projeto original, a escola deveria dar lugar à construção de quadras poliesportivas. Com o abaixo-assinado de Beatriz, a prefeitura adiou a demolição da escola até o final deste ano, enquanto constrói um novo prédio, no bairro da Tijuca. "A grande vitória foi mostrar aos alunos que conseguimos influenciar as decisões", diz Beatriz. Seu abaixo-assinado já tem mais de 18 mil nomes, graças ao sistema de assinaturas digitais da organização que ajudou Beatriz em sua iniciativa, o Meu Rio. O movimento usa a internet para organizar os cariocas na gestão da cidade. "Ajudamos a repercutir mobilizações para que as pessoas obtenham respostas do Poder Público", diz Alessandra Orofino, de 24 anos, uma das fundadoras. "Sem a internet, seria muito difícil organizar ações desse tipo."
 
Revista Época

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