Não sei como, não sei quando, não sei por quê, fui incluída, à minha revelia, em um site de relacionamentos. Faz um mês que meu e-mail é invadido por desconhecidos interessados em estabelecer contato comigo. Eles mandam foto, informam a idade e ainda sugerem outros pretendentes, que poderiam engordar a minha lista de likes.
Na primeira vez que dei com a mensagem na tela, corri para as letras miúdas a fim de cancelar a inscrição. Procedi como indicado, mas apareceu um boxe exigindo a senha.
Eu não tinha a menor ideia do número da senha, eu não me lembro de ter cadastrado uma senha. Jamais, em hipótese alguma, eu me engajaria em um site de relacionamentos.
Sou sociofóbica, nasci em meados do século passado e suspeito da massa de anônimos que povoam o ciberespaço.
Cliquei em “Esqueceu sua senha?”, e esperei pela nova, a ser enviada. Demorou, demorou, e nunca chegou. Repeti o procedimento, e nada. Já a lista de Orlandos 40, Robertos 52, Álvaros 38, Pedros 47 e Paulos 56 só fazia aumentar.
Dei um reply para a entidade fantasma — cuja central de atendimento deve ser no México, na Rússia ou em Porto Rico —, exigindo a retirada do meu nome de circulação.
Não há número de telefone disponível, nem ser humano que dê atenção ao meu trauma, não há vacina para a praga.
A cada contato, o cérebro eletrônico me lê como usuária assídua e redobra a seleção de machos. Quem controla esse abuso? É o Procon?
É como as companhias telefônicas, que gostam de ligar no sábado de manhã, com pacotes de promoção e pesquisas de opinião. Elas agem como se fossem donas da sua linha, e não o contrário. As moças do telemarketing escutam horrores, coitadas. A última que me ligou escutou.
— Não é com você! — eu repetia — É com a sua empresa!
Solidária e solícita, a menina respondeu:
— Eu vou estar anotando a sua reclamação.
Parei no e-mail. Eu amo e-mail. Você escreve quando pode e recebe quando é conveniente. É uma troca pessoal e intransferível, serve de documento e ainda obriga o cidadão a escrever alguma língua direito, com sujeito, verbo e predicado.
Que vasculhem minhas cartas, espionem, gravem, anotem com quem conversei, mas que façam isso pelas costas, sem o meu consentimento. Usei o Twitter uma vez e saí batido, impressionada com o número de estranhos que passaram a me tratar como íntima.
Não achei prudente a exposição voluntária.
Não achei prudente a exposição voluntária.
A internet foi, e é, o estopim das manifestações de massa que explodiram mundo afora. Como sou antiga e uso meu computador como máquina de escrever e correio, só soube do acontecido depois que aconteceu. Meu filho de 13, não, esse conhecia as cinco causas do Anonymous (os manifestantes mascarados), sabia da vaia coletiva, filmada da janela de um edifício depois do pronunciamento oficial da Presidência, e da assustadora ação da polícia na Lapa.
Peco pelo conservadorismo, leio jornal impresso e me informo pela Globo News. Ainda assim, ignorante, solitária e ultrapassada, troco toda a consciência pela glória da minha privacidade. Não nasci para o Facebook, o Instagram e o LinkedIn.
Estacionei no caráter enciclopédico, epistolar, matusalênico das novas tecnologias.
Fernanda Torres
REvista Veja
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