Os Papas já tiveram o poder de reis. A história da Europa é, em grande parte, a
história desta divisão de poder, e da luta entre os dois absolutismos, o dos
Papas e o dos monarcas. O Geoffrey Barraclough (historiador favorito do Paulo
Francis quando este ainda era de esquerda e escrevia no “Pasquim”) tinha uma
tese segundo a qual a rivalidade de Roma com os reis explicava a superioridade
da Europa sobre as sociedades orientais, que já eram civilizadas quando a Europa
ainda era terra de bárbaros, mas governadas por dinastias antigas, rígidas e
incontestadas, e por isso paradas no tempo.
Na Europa, quem não quisesse se submeter a uma monarquia tinha a opção de se
submeter à Igreja. A troca era de um império teocrático por outro, claro, mas
criou-se o hábito de dissidência e de pensamento dialético, prólogo para o
desenvolvimento científico que viria depois, apesar do obscurantismo da Igreja.
E a opção determinou que a Europa não fosse um império monolítico, e sim uma
coleção de pequenos Estados.
Acima de tudo, o pluralismo reforçou a independência e a importância das
cidades comerciais — Milão, Palermo, Gênova, Veneza, Marselha, Barcelona,
Antuérpia, Southampton, Lisboa, as cidades da liga hanseática (o primeiro ensaio
de um mercado comum europeu) etc. —, cuja competição impulsionaria as
descobertas e a expansão colonial. Tudo isto porque os Papas eram iguais aos
reis, inclusive na pretensão de representarem a vontade de Deus na Terra, com
exclusividade.
Dizem que certa vez Stalin reagiu à notícia de que o Vaticano o teria
reprovado, por alguma razão, com a pergunta desdenhosa: “E quantas divisões tem
o Papa?” Desde que perdeu seu poder que rivalizava com o dos reis, o Papa só tem
a seu dispor a Guarda Suíça, e assim mesmo para fins decorativos. Mas o Vaticano
é o grande exemplo de um Estado cuja potência não se mede com armas — pelo menos
não com armas convencionais.
Atualmente, a julgar pela recepção que ele teve no Brasil, o arsenal do
Vaticano se resume ao sorriso simpático de um homem. A Igreja não tem mais a
relevância política e histórica que teve antigamente e sacrificou muito da sua
autoridade moral com posições retrógradas e escândalos financeiros e sexuais.
Mas a emoção das multidões que ele mobilizou serviria como uma resposta ao
Stalin.
Luis Fernando Veríssimo é escritor.
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