domingo, 14 de julho de 2013

Personalidade - Jimmy Lima - o menino tímido que abalou Brasilia

 

Jimmy Lima, de 17 anos, soube reunir 15 mil manifestantes em quatro dias, assustar o governo e chamar a atenção da presidente. Agora, ele é ouvido. Mas o que tem a dizer?

 
Não é bom que somente alguns poucos continuem querendo pensar por nós, que tentem sempre nos conduzir, que mostrem o caminho a seguir." O pernambucano Felipe Carreiro de Barros rascunhou a tirada filosófica dentro de um ônibus, no Rio de Janeiro, em 1987. Na época, o Brasil saboreava a transição para a democracia, após 21 anos de regime militar. Felipe morreu no ano passado, aos 61 anos. Sua índole contestadora sobreviveu e ressurgiu na mesma família. Em junho, o neto de Felipe deixou o marasmo de sua adolescência para escrever palavras de ordem. Não no papel, como fez seu avô há quase 30 anos. Jimmy Carreiro Lima, de 17 anos, criou uma página numa rede social e espalhou convites. Queria organizar uma manifestação em Brasília, contra tco roubo, a corrupção, o sistema público corrompido". Como em outras das manifestações recentes no país, o mote era vago o bastante para que fosse impossível discordar. Atraiu os que acham absurdo distribuir aos pobres o Bolsa Família e também os que acham absurdo que o governo distribua apenas isso. No dia 17 de junho, irmanadas em seus clamores por vezes excluden-tes, 15 mil pessoas atenderam ao chamado de Jimmy.
As bandeiras estavam prontas, importadas de outras passeatas pelo país. Os pedidos incluíam, além do fim da corrupção, tarifa zero no transporte público, redução do preço do combustível, melhorias na saúde e na educação. Se a vontade de mudar o país é forte, o mesmo não se pode dizer das propostas. Jimmy não sabe explicar os problemas em detalhes, nem dar sugestões de como resolvê-los. Não tem ideia de quanto custariam as soluções - algo fácil de entender, para alguém com 17 anos. Difícil entender é o que Jimmy fará com a influência e a voz que conquistou. Ele diz que cabe aos governantes formular planos para atender às demandas do povo.
Jimmy não chegou a experimentar a política antes de se decepcionar com ela. Escolher um candidato, para ele, é algo que exige estudo e dedicação. "Sem estudar, não votaria", diz. Ele acredita no sistema em que o povo elege seus representantes. Mas diz que não avaliou os candidatos nas últimas eleições nem tirou título de eleitor. Na escola, não era popular nem tinha postura de liderança. Era mais um garoto tímido, de cabelos longos, que usava camisetas de bandas de rock. Por isso, no dia do primeiro protesto, sua mãe, Janaína Carreiro, ficou surpresa com a oratória do filho. Gravou o discurso e publicou no YouTube. Nas imagens, vê-se um Jimmy seguro, que se desmancha em sorrisos à medida que a multidão cresce. Ele diz ter olhado para o céu e se lembrar de uma música da banda Pink Floyd. Queria que todos pudessem ouvir a canção "Time" ("Tempo", na tradução do inglês), que chama a atenção para a passagem do tempo. "O céu é o mesmo, você é que está velho." Com o megafone nas mãos, deu início à passeata.
A história de Jimmy começara a mudar dias antes. Ele acompanhara, pela televisão, os primeiros protestos em São Paulo e a repressão policial. No celular, um smartphone que ganhara da mãe, tentou escrever o que lhe vinha à cabeça. Como não conseguiu acessar a internet, passou para o computador. Lá, despejou seu desejo de mudança. Na mesma madrugada, criou no Facebook a página Marcha do Vinagre. Os manifestantes em São Paulo usaram vinagre na tentativa de reduzir os efeitos do gás lacrimogêneo. Jimmy convidou 1.400 "amigos" e "amigos de amigos" para participar. Em três dias, o convite eletrônico alcançou mais de 200 mil pessoas. No mundo virtual, o garoto já era um astro.
O nome de Jimmy é uma homenagem ao guitarrista Jimmy Page, da banda de rock Led Zeppelin. Ele é o filho mais velho de uma família de classe média. Do casamento da mãe, tem um irmão, Jonathan, de 10 anos, com quem divide o quarto. O caçula, João, de 3 anos, é fruto do atual relacionamento do pai. Até os 15 anos, estudou em colégios particulares. Os pais, ambos professores de inglês, conseguiram bolsa de estudos. No primeiro ano do ensino médio, Jimmy entrou numa nova escola, considerada por seu pai, Roberto Lima, de 52 anos, uma das melhores de Brasília. Jimmy não se adaptou. Considerou a exigência de estudo pesada demais. A mãe, Janaína, de 37 anos, trocou-o de escola. Ela acredita que a mudança para um colégio público permitiu ao filho conhecer outra realidade. Jimmy entrou no grêmio. Visitou algumas escolas no Distrito Federal e encontrou situações precárias. Não conseguiu esquecer uma escola em que as crianças n$o podiam tomar água, porque o encanamento estava enferrujado. Um dos companheiros da Marcha, Wellington Fontenelle, de 18 anos, conheceu Jimmy num projeto escolar que recupera a história do Brasil e seus heróis: Revivendo Êxodos, inspirado na obra Êxodos, do fotógrafo Sebastião Salgado.
Ser jovem, em parte, significa ter mais atitude que conteúdo. Significa também gostar de ser aprovado pelo grupo - e não ter ideia de que basta pouco para grandes grupos saírem do controle. Jimmy diz que pediu para o ato ser pacífico e para que não houvesse vandalismo. Se a manifestação fosse apenas no universo virtual, talvez ele conseguisse controlar os ânimos. Até tentou, na página no Facebook: "Evitem hostilizar policiais e jornalistas, vamos manter tudo pacificamente, correto? Vamos evitar também depredar patrimônio público. Lembrando que é nosso imposto que paga o concerto (sic) daquilo que for estragado".
Na passeata, com 15 mil pessoas na rua, as boas intenções de Jimmy não bastaram. Com a voz acanhada, ele conta que viu vândalos invadir e atear fogo no Palácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores - um símbolo não de corrupção, mas sim do diálogo e da diplomacia pacífica do Brasil ao lidar com outras nações. "Fiquei desesperado. Pensei: £Vão queimar (as obras do Cândido) Portinari"." Diz ter gritado no megafone que não se constrói uma democracia com vandalismo. Sabia que as cenas percorreriam todos os jornais. Que imagem o mundo teria daquela baderna? Com medo de sair machucado, o organizador da passeata foi embora para casa.
Diferentemente da mãe, Jimmy nunca fora às ruas lutar por uma causa. Janaína, filha de Felipe (o avô de Jimmy, mencionado no começo deste texto), cresceu ouvindo que os brasileiros mereciam um país melhor. Em 1989, aos 13 anos, ela fez boca de urna para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 1992, Janaína se uniu aos caras-pintadas pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Mesmo com esse histórico ativista, ela diz que sentiu um arrepio de medo quando recebeu o convite virtual de Jimmy para participar da Marcha. O pai de Jimmy, Roberto, soube da participação do filho no dia da manifestação - pela televisão. Viu o filho num telejornal, chamando as pessoas para ir à rua. "Como pai, por medo de que ele se machucasse, tive vontade de buscá-lo e trazê-lo para casa", diz. "Usando uma alegoria: não quero pagar a revolução com meu filho." Quando contou aos alunos que Jimmy aparecera na televisão, ouviu de muitos estudantes: "Então você é o pai do Jimmy Lima?" Os alunos, Roberto descobriu, eram fãs de Jimmy e tinham confirmado presença na manifestação em Brasília.
Jimmy e seus colegas organizaram outras duas manifestações. O quarto protesto da Marcha está marcado para 11 de julho. Até lá, Jimmy se divide em reuniões, adesões a outras manifestações e encontros com políticos - entre eles o presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros. No bolso da calça, leva uma lista com telefones de parentes, jornalistas, integrantes do governo e até de policiais. Quando chega a qualquer compromisso, avisa a mãe por mensagem de celular e passa o roteiro que seguirá. Seguiu o conselho do padrasto e trocou as camisetas de banda e os tênis sujos por trajes menos informais, para passar credibilidade. Com a força que conseguiu nas redes e o apoio popular, Jimmy alcançou o que muitos tentam em vão. A presidente Dilma Rousseff anunciou que o receberia. Janaína planejava, na quinta-feira passada, ir ao encontro com o filho. Jimmy conseguiu ser ouvido. Mesmo que não saiba, exatamente, o que deveria dizer.
 
Revista Época

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