domingo, 7 de julho de 2013

Entrevista - Ronaldinho Gaúcho - A história de sucesso de uma familia negra gaúcha

Apesar de toda a fama, da grande exposição na mídia e do sucesso profissional, Ronaldinho Gaúcho ainda mantém um olhar e um sorriso de menino que ainda tem muitos sonhos pra sonhar.


Nascido em Porto Alegre, em Março de 1980, Ronaldinho Gaúcho pode ser considerado um dos mais ilustres futebolistas brasileiros. Detentor de inúmeros títulos, passou por times consagrados do Brasil e do mundo. Conhecido por seus chutes precisos é destaque atualmente no Clube Atlético Mineiro pelo qual recebeu a "Bola de Ouro" como o melhor jogador do Campeonato Brasileiro de Futebol 2012, mas deixa bem claro que a vitória, em todos os campos, vem desse time chamado família negra brasileira.

Foto: Wenderson Fernandes
Atualmente no Atlético Mineiro, o craque é agora o orgulho e o encantamento da torcida alvinegra de Belo Horizonte.
Ronaldinho Gaúcho, como outras personalidades do futebol brasileiro, nasceu num bairro pobre, na periferia de Porto Alegre: a Restinga. Localizado da zona sul da cidade, no antigo bairro da Ilhota, a cerca de 22 quilômetros do centro da capital, destaca- se pela grande população - três vezes maior do que a pensada inicialmente - e, apesar de todos problemas estruturais que enfrentou, foi através do empenho e luta de sua comunidade que o bairro tornou-se oficial, via lei, em 1990.
Essas são as bases de formação desse reconhecido jogador da atualidade. Bases estas que tem repercussão em sua humildade e no reconhecimento da importância familiar no seu desempenho e sucesso profissional. A exemplo de seu irmão, Assis, que também foi jogador de futebol e hoje é seu empresário, Ronaldinho manteve seu cotidiano familiar, sua proximidade com a mãe e irmãos, preservando e cuidando dos entes queridos que proporcionaram a escolha e desenvolvimento da carreira esportiva.
Foto: Antônio Milena/ABR
Após o gol da Seleção Brasileira, Ronaldinho comemora mostrando que tem samba no pé
Para além da observação cotidiana, é comprovado por diversos estudos o quanto é fundamental o chamado Capital Familiar, para a garantia de melhor desenvolvimento e maiores oportunidades de sucesso profissional e socioeconômico dos indivíduos membros do grupo familiar. No caso da família negra, seu papel é determinante nas estruturações do indivíduo, nos variados âmbitos da personalidade humana.
Quando se trata de famílias negras que já são empobrecidas, excluídas e/ou perversamente colocadas no mercado, a família se destaca na formação de sujeitos que se reconhecem como protagonistas de ações e pensamentos que conduzem a aprendizagem e desenvolvimento mais saudáveis.
Daí pensar o contexto de uma família negra no sul do país. Sua especificidade se funde ao tipo de laço que envolve afetivamente cada uma das famílias negras brasileiras e dão um senso de pertencimento que em nenhum outro espaço social se consegue comparar, tanto no tocante à autoestima, à motivação e manutenção constante da busca dos sonhos.
É nesse mesmo espírito que podemos pensar no papel de referência que o esportista tem para as crianças e adolescentes de comunidades como a de Restinga (RS), Grajaú (SP), Realengo(RJ) ou Redenção do Gurguéia(PI). A esperança de ter sonhos, mesmo que não os de ser jogador de futebol, mas de sonhar e crer em poder fazer um dia isso tudo acontecer.
 
A FORÇA QUE FAZ UMA FAMÍLIA NEGRA SUPERAR SEUS OBSTÁCULOS
Para Deise, a irmã de Ronaldinho, o que realmente marcou a vida e definiu o melhor desenvolvimento da família foram os sentimentos que uns nutrem pelos outros. "Falar da minha família... falar de meu irmão é falar de amizade, de amor... Nem sei dizer, mas é um vínculo forte que nos nutre. Um amor muito especial e diferente".
E foi assim que Dona Miguelina, auxiliada por seu filho mais velho, Assis, conseguiu dar conta do sustento dos filhos após a morte de seu marido que era caldeireiro. Trabalhou como auxiliar geral, como autônoma e formou-se como auxiliar de enfermagem. Ronaldinho era o caçula dos três filhos, e passava parte de seu tempo na escolinha do Grêmio e na escola formal.
Assis, o irmão mais velho, compartilhou com a mãe a responsabilidade da família. Como já jogava futebol, pelo mesmo Grêmio, deu o respaldo necessário. Como futebolista, participou do Campeonato Gaúcho de 1988 a 1990 e da Copa do Brasil em 1989. Jogou pelo Sion disputando o Campeonato Suíço em 1996 e 1997, bem como a copa da Suiça. Parou de jogar em 2002 quando assumiu como empresário do irmão Ronaldinho.
Também a irmã, quatro anos mais velha que Ronaldinho, deu o seu suporte para a família. Tanto do ponto de vista material, auxiliando no cuidado da família propriamente dito, quanto no suporte emocional e afetivo tão necessário ao desenvolvimento de todos. Assim foi que morou com Ronaldinho por todos os anos em que este jogou fora.
"Minha mãe vinha e voltava constantemente, mas eu fiquei morando com ele e dando o suporte necessár'io para que ele pudesse se concentrar em sua carreira", conta Deise, que é formada em administração de empresas.
De fato, com o retorno de Ronaldinho para o Brasil, algumas coisas foram mudando. Deise se casou e tem duas filhas; Assis está mais à frente da carreira de Ronaldinho.
Mas o que mais chama a atenção nesta família é a relação de cumplicidade que os leva a se destacar também como uma família empreendedora. Um grupo que se apoia e que busca se aprimorar e investir uns nos outros, e também em si próprios, a exemplo da mãe que buscou o retorno aos estudos para melhoria da condição de vida.
"FALAR DE MEU IRMÃO É FALAR DE AMIZADE, DE AMOR... NEM SEI O QUE DIZER, MAS É UM VÍNCULO FORTE, UM AMOR MUITO ESPECIAL, DIFERENTE" DIZ A IRMÃ DEISE".
 
Bate bola:
Foto: Wenderson Fernandes
De bem com a vida e consigo mesmo, Ronaldinho pode olhar de frente para o futuro
Ronaldinho de Assis Moreira é um jogador que circula com a desenvoltura que só uma extraordinária intuição em campo pode proporcionar. Embora tenha uma herança quase que genética de amor à bola, ele declara que quando começou nem sequer imaginou chegar tão longe. Seus gols atestam, no entanto, um jogador que parece ter nascido profissional, daí seu amplo domínio de dribles que, apesar de extremamente difíceis, parecem nascer dele naturalmente, como uma transpiração. Seja como atacante, armador ou volante, Ronaldinho Gaúcho fascina tanto torcedores quanto adversários e até leigos em futebol com seus dribles, passes e chutes a gol. Pelé chegou a chamá-lo de artista da bola.
Nascido na Restinga, bairro pobre de Porto Alegre, perdeu o pai quando ainda tinha oito anos. Um ano antes, seu pai o levou para a escolinha do Grêmio, clube no qual Ronaldinho ficou até os 21 anos de idade e de onde seu talento começou ecoar para o mundo, encurtando sua passagem pelos times brasileiros e passando a jogar nos clubes europeus.
Duas vezes eleito o melhor jogador do mundo pela FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado), em 2004 e 2005, Ronaldinho brilha pela humildade e naturalidade. Atualmente faz a festa dos atleticanos, levando à loucura a torcida mineira. Com um enredo abrangente, nessa entrevista exclusiva para a RAÇA BRASIL, Ronaldinho evidencia ser contra o racismo e o quanto valoriza sua ancestralidade: o valor da família, da amizade e mostra que a vitória na vida e na profissão tem como alicerce a união familiar.
Você já foi eleito o melhor jogador do mundo; quando começou a sua carreira imaginava chegar tão longe?
Logo que começou não. Sempre me imaginei um jogador profissional, era o meu sonho. Depois, quando me tornei um jogador profissional, fui jogar na Europa e então as portas foram se abrindo e a partir daí comecei a me imaginar sendo o melhor do mundo.
Como e quando surgiu seu interesse pela bola? Seu irmão Assis foi quem te deu a bola e te levou para essa paixão?
O interesse veio por influência do meu pai. Ele me incentivou muito, pois ele já tinha um filho mais velho jogando. Meu pai jogava, meus tios jogavam e meu irmão também já jogava, então para mim é como uma coisa natural da família.
Você tem como empresário seu irmão, Assis, que largou o futebol para apoiar sua carreira. Como é o seu relacionamento familiar?
É maravilhoso para mim ter o privilégio de ter meu irmão como meu pai, meu irmão, meu empresário, meu tudo. A minha irmã que quase sempre morou comigo, a minha mãe que sempre esteve muito próximo. A família sempre foi muito importante para mim, sempre fomos muito unidos.
O seu sucesso proporcionou que você mudasse o rumo da vida de sua mãe e de seus irmãos?
Começou com meu irmão, ele chegou a ser profissional de futebol antes de mim, então abriu as portas e deu uma condição de vida muito boa para a gente. Depois eu tive a sorte de também ser jogador e de dar continuidade àquilo que ele começou.
E sua mãe qual é o papel dela em sua carreira, ela te apoiou... Insistia para você estudar...?
Minha mãe foi fundamental. Sempre me apoiou, por eu perder meu pai muito cedo, além de minha mãe ela foi meu pai e minha melhor amiga. Eu só sou o que sou hoje graças a minha mãe, o meu irmão e a minha irmã, porque todos tiveram uma importância muito grande. A minha mãe por ser o alicerce da minha vida. Depois quando fui morar fora do Brasil, minha irmã que foi morar comigo fez o papel de minha mãe, sempre cuidando de mim e das minhas coisas.
 
"RONALDINHO GAÚCHO FASCINA TANTO TORCEDORES QUANTO ADVERSÁRIOS E ATÉ LEIGOS EM FUTEBOL COM SEUS DRIBLES, PASSES E CHUTES A GOL. PELÉ CHEGOU A CHAMÁ-LO DE ARTISTA DA BOLA".
Quando é que você percebeu que era uma estrela, e as pessoas vieram te assediar?
Até hoje eu não me vejo como uma estrela. Vejo meu trabalho reconhecido mundialmente, o que é maravilhoso. As pessoas intitulam isso como uma estrela. Eu não gosto de dizer que sou uma estrela. Mas foi a partir do momento que eu fui jogar na Europa e as coisas deram muito certo lá fora que eu vi que em qualquer canto do mundo onde eu passe todo mundo reconhece o que eu fiz no futebol e reconhece meu rosto.
Esse reconhecimento internacional, a fama... Mudou o quê em sua vida?
Eu acho que no meu dia-dia dentro de casa não mudou nada. Já na rua mudou muito, porque tudo que eu faço todo mundo vê, todo mundo sabe. O fato de ser uma pessoa pública muda as coisas, a gente abre mão de coisas no "extra casa", mas dentro de casa as coisas continuam como sempre foram.
Do que você teve que abrir mão em nome do sucesso?
Abrir mão da privacidade de poder andar na rua como todo mundo sem que todos olhem e falem. Perde-se a privacidade. Às vezes me imagino no cinema ou no shopping fazendo as coisas com calma, mas não dá. O que muda realmente é isso.
O fato de muitos dos grandes craques serem de origem pobre e ascendência negra faz de vocês um exemplo para muitos jovens. Você aconselha ter o futebol como profissão?
Sem dúvidas o esporte é uma válvula de escape para quem é pobre, poucos tem outra saída. Ou é o meio da música ou do esporte. Muitas das vezes não têm a chance de frequentar boas escolas e o esporte pode ser a oportunidade de ter uma vida melhor e dar um conforto para a família.
Você nasceu na região do país que mais recebeu imigrantes europeus. O gaúcho é um povo formado por descendentes de alemães, italianos... Como foi a sua formação como um homem negro?
Graças a Deus nunca sofri preconceito por ser negro, ou por ter o tom de pele diferente da deles. Graças a Deus não sofri nenhum tipo de discriminação. Eu vim de um bairro onde havia muitos negros e sempre me dei bem com todos os meus amigos.
Um fato que cresceu ou que ficou mais em evidencia é o racismo no futebol. Você já foi discriminado em campo?
Não diretamente. A partir do momento que fazem com um colega meu eu acabo sentindo. Na época eu jogava no Barcelona e o Eto'o (seu colega do Barcelona, o camaronês Samuel Eto'o),também negro, sofreu com isso. Nunca senti isso diretamente na pele, mas senti como se fosse comigo. Eu sou completamente contra o racismo, venho de um país com uma mistura de raças e culturas muito grande. Então acabei vendo muito mais isso quando fui morar na Europa.
Foto: Wellington Pedro/Imprensa MG
Governador Antônio Anastasia participa da 50ª edição do troféu Guará
Dentro do futebol, você acredita que a pena de racismo no futebol é suficiente, ou deveria ser mais branda ou mais rígida?
Acredito que hoje em dia quase não se vê e quase não se publica devido ao tanto que diminuiu. As medidas têm sido eficientes. Mas se isso continuar, sou a favor que aumentem as punições.
Recentemente entrevistei o Mauricio de Souza, e ele reconheceu que você foi o primeiro personagem negro de seus gibis. Como é para você ser referência também para crianças negras, já que na sua infância eram raros os personagens negros infantis?
Eu me sinto mais que lisonjeado. Sinto-me muito orgulhoso de saber que as crianças negras têm um personagem negro nas historinhas para se inspirarem. Eu fico muito feliz de saber que as crianças olhem e imaginem que se elas se dedicarem podem ser felizes na profissão assim como eu sou.


Revista Raça Brasil

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