domingo, 14 de julho de 2013

Te Contei, não ? - O poder nas nuvens

No mundo real, os protestos continuam, mas, no Olimpo da política, a língua que se fala é outra e os jatinhos da FAB têm passe livre faz tempo
Otávio Cabral e Leslie Leitão





 Depois de um surto de produtividade, provocado menos pelo senso de dever do que pelo susto pregado pelas ruas, o governo federal e o Congresso deram mostras na semana passada de ter voltado ao seu estado habitual - do qual pouca coisa boa promete sair. Logo depois de assistirem a 1 milhão de brasileiros em protestos contra a má qualidade dos serviços públicos e a corrupção, parlamentares apressaram-se em aprovar da noite para o dia projetos que já deveriam ter votado há muito tempo e governantes correram para reduzir tarifas que até a véspera diziam ser irreduzíveis. Tamanha presteza teve vida curta. No governo federal, a presidente Dilma Rousseff e seus principais ministros não fizeram nada além de concentrar esforços na tentativa de emplacar um projeto de interesse do PT que o governo quis vender como uma "resposta" ao clamor dos manifestantes, o plebiscito, da reforma política. No Legislativo, o presidente da Câmara e o do Senado - além de um ministro e um governador - foram flagrados fazendo uso recreativo de jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB) com a desfaçatez de quem nunca levou nenhum protesto a sério, embora tenha se esforçado para fazer crer o contrário. Os episódios evidenciam a distância a separar os desejos da sociedade do mundo dos políticos - uma espécie de Olimpo com passe livre para jatinhos, cujos habitantes não enxergam além de suas fronteiras, não ouvem a ninguém que não seus pares e passam os dias discutindo questões que têm por único objetivo garantir sua permanência no reino - como o plebiscito da reforma política. Arremedo da já fracassada proposta anterior de convocar uma Constituinte exclusiva para o tema, ele terminou a semana agonizante.
Contribuíram para sua morte precoce o oportunismo contido na proposta vantajosa sobretudo para o PT e seus candidatos - e a precipitação com que ela foi apresentada. Na segunda-feira passada. Dilma comandou uma reunião com 37 de seus 39 ministros para dar respostas à crise. A única saída levantada foi enviar ao Congresso cinco temas que deveriam ser discutidos em uma consulta popular: financiamento de campanhas, coligações partidárias, modelo de votação para o Legislativo, fim da suplência de senadores e do voto secreto no Parlamento. A estratégia era aprovar a convocação do plebiscito em dois meses, para que ele fosse feito até outubro e as novas regras já valessem para as eleições de 2014. Deu tudo errado. A reação dos aliados foi violenta, e Dilma, acuada, teve de voltar atrás mais uma vez. A intenção do plebiscito foi mantida, mas não mais para este ano. Em seu lugar. VEJA propõe nesta edição dez questões que podem estar na urna caso a próxima consulta tenha por objetivo tratar dos interesses da população (veja o quadro ao lado). Na questão sobre a pertinência do uso de jatinhos da FAB por políticos, a categoria, ao menos, já deu sua resposta. Só entre 2012 e 2013, os aviões da FAB levantaram voo mais de 5 000 vezes para transportar autoridades. As viagens têm um custo estimado de 25 milhões de reais por ano para o Erário. O dinheiro daria para comprar 106 ambulâncias ou construir 62 unidades básicas de saúde. Com a palavra, o contribuinte.
Um usuário contumaz desse meio de transporte, com 28 voos realizados entre Brasília e Natal só neste ano, é o presidente da Câmara. Na semana passada. Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) foi flagrado pela Folha de S.Paulo estendendo a benesse a oito parentes e amigos de Natal, transportados a seu mando num jatinho para o Rio de Janeiro, a fim de assistirem à vitória do Brasil na Copa das Confederações. Depois de admitir o "equívoco", o deputado propôs encerrar a questão mediante a devolução aos cofres públicos de 9700 reais. O valor, equivalente ao que gastariam seus convidados em voos comerciais, é 6% do que o deputado deveria pagar caso fizesse a conta certa - com base no aluguel de um jato para o mesmo trajeto. Colegas de partido de Henrique Alves, o ministro Garibaldi Alves (Previdência) e o presidente do Senado. Renan Calheiros, também se serviram de jatos da FAB para espairecer. Garibaldi, primo de Henrique Alves, usou o avião para ir ao mesmo jogo da Copa das Confederações a que a turma do deputado compareceu em peso. Na sexta-feira à noite, o ministro declarou que irá ressarcir o dinheiro. Já Renan, que foi de avião da FAB ao casamento da filha de um colega em Trancoso, na Bahia, inicialmente havia dito que nada devolveria. "É um transporte de representação, de chefe de poder", declarou. Na sexta-feira, mudou de ideia e prometeu devolver 32000 reais aos cofres públicos. Deve ter tomado emprestada a calculadora de Henrique Alves.
Longe de ser uma prerrogativa do Legislativo, o uso e abuso da coisa pública é algo de que entendem perfeitamente governantes como, por exemplo, Sérgio Cabral (PMDB), do Rio de Janeiro. Ele costuma passar os fins de semana em sua casa em Mangaratiba com a mulher, os dois filhos, duas babás e Juquinha, o cachorrinho de estimação. O meio de transporte da turma é o helicóptero oficial do governo - um Agusta AW109 Grand New, que Cabral mandou comprar por 15 milhões de reais em 2011, depois de voar em um igualzinho, de propriedade de Eike Batista. Às sextas, o Agusta leva para Mangaratiba todo mundo, menos Cabral, e retorna ao heliporto do governo. No sábado, leva apenas Cabral e volta. No domingo, faz duas viagens: a primeira traz a família Cabral e a segunda, as empregadas - no que é chamado pelos pilotos de "voo das babás". "Já levamos para Mangaratiba cabeleireira, médico, prancha de surfe, amigos dos filhos. Uma babá veio ao Rio pegar uma roupa que a primeira-dama tinha esquecido. Uma empregada veio fazer compras no mercado. É o helicóptero da alegria", diz um piloto. Durante a semana. Cabral usa o helicóptero todos os dias para ir trabalhar, ainda que seja de apenas 10 quilômetros a distância entre seu apartamento e o Palácio Guanabara - e de 7 a que separa o palácio do heliporto. O voo tem duração de três minutos. No mercado, o aluguel de um helicóptero desse tipo custa 9500 reais a hora. Os gastos de Cabral com o equipamento ficam em cerca de 312000 reais por mês, ou 3,8 milhões por ano. Em nota, sua assessoria informou que Cabral "usa o helicóptero do governo sempre que necessário para otimizar o seu tempo e cumprir todos os seus compromissos".
Na quinta-feira, a rua do governador voador foi ocupada por 400 manifestantes que empunhavam cartazes de "Fora, Cabral". Naquele mesmo dia, VEJA testemunhou o helicóptero decolar mais uma vez para o palácio, como ele faz diariamente. Se Cabral viu o protesto, portanto, não entendeu sua mensagem. E assim caminham os políticos - ou melhor, voam.

O VERDADEIRO PLEBISCITO
Dez perguntas que deveriam ser respondidas em uma consulta popular baseada no Brasil real

1 Os brasileiros trabalham cinco meses do ano só para pagar impostos e agora o governo quer que paguemos também todas as campanhas eleitorais dos políticos.
Você concorda?
A campanha eleitoral no Brasil é uma das mais caras do mundo. Nas eleições de 2012, os partidos gastaram em média 34 reais para cada voto conquistado. No Reino Unido, o custo total é um décimo disso: cerca de 4 reais por voto
() Sim ()Não

Se bem gasto, o dinheiro dos impostos seria mais do que suficiente para prover de educação, saúde e segurança os brasileiros. No entanto, a população tem de pagar uma segunda vez por escolas privadas, médicos e segurança. Você concorda?
Se não fossem a corrupção e a má gestão, o governo teria 509 bilhões de reais a mais para investir. Esse dinheiro seria suficiente para dobrar o investimento público anual em educação ou criar 2,4 milhões de leitos hospitalares
()Sim () Não

3 Você concorda em proibir o uso de jatinhos da FAB por políticos economizado, investir na melhoria do transporte coletivo urbano e na saúde?
Só no transporte de políticos e autoridades os aviões da FAB levantaram voo mais de 5000 vezes entre 2012 e 2013, ao custo de 25 milhões de reais por ano - o que daria para comprar 106 ambulâncias
()sim () não

4 Aos 16 anos, um(a) brasileiro(a) já pode votar e se casar. Caso ele(a) cometa crimes bárbaros, deve ser julgado(a) como se fosse uma criança?
O número de menores criminosos triplicou na última década. A punição máxima, mesmo para barbaridades como estupro e latrocínio, é de apenas três anos - ainda que o crime tenha sido cometido aos 17 anos, 11 meses e 29 dias
()sim ()não

5 Você concorda que Brasília deveria abandonar a galáxia distante onde está e voltar para o Brasil?
Juscelino Kubitschek gostava da imagem de Brasília, sua criação, como uma garça branca pousada no coração geográfico do Brasil. Brasília está hoje mais para disco voador do que para garça. Os passageiros do mundo oficial parecem viver a anos-luz da realidade. Seria ótimo teletransportálos de volta para o Brasil dos pagadores de impostos e obrigá-los a legislar, como fizeram depois das manifestações, para resolver problemas reais
() sim () não

6 Você concorda que deveria acabar a alegação de "réu primário", uma vez que isso beneficia quem mata pela primeira vez, mesmo que de maneira cruel e sem chance de defesa para a vítima?
A cada hora, seis pessoas são assassinadas no Brasil. O assassino que matou pela primeira vez pode deixar a prisão após cumprir somente um sexto da pena. Ou seja, pode estar de volta às ruas apenas um ano depois de seu crime
()sim () não

7 Você aceita ceder aos caciques dos partidos políticos seu direito de escolher o candidato em quem votar?
Na prática, é isso que ocorrerá caso vença a proposta de voto em lista fechada contida no projeto de reforma política do PT. Segundo ele, o eleitor só pode votar no partido, que é quem define os candidatos que vão para o Legislativo
()sim () não

Você concorda que deveriam ser fechadas as embaixadas brasileiras na Coréia do Norte, Cuba, Azerbaijão, Mali, Timor Leste, Guiné Equatorial, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, Botsuana, Nepal, Barbados e em outros países sem a menor expressão, e o dinheiro gasto com elas investido nos hospitais públicos no Brasil?
O número de embaixadas aumentou 53% na última década, de 91 para 139, quase todas em países irrelevantes. O orçamento do Itamaraty quadruplicou, de 544 milhões para 2,2 bilhões de reais
()SIM () NÃO

9 Você concorda que quem recebe dinheiro do governo federal poderia ter o direito de se declarar impedido de votar por óbvio conflito de interesses?
Os mais de 13 milhões de famílias que recebem até 306 reais por mês de Bolsa Família, o maior programa assistencial do governo federal, poderão levar o benefício em conta na hora de votar
()SIM () NÃO

10 O governo tem 39 ministérios e nenhum deles resolveu sequer um problema relevante do Brasil. Você fecharia a maioria deles?
O Brasil é um dos países com mais ministérios - perde para o Sri Lanka, que tem 71, e para a índia, com 51. Países com governo mais eficiente têm menos pastas, como os Estados Unidos (quinze)
()Sim ()Não

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