quarta-feira, 10 de julho de 2013

Crônica do Dia - A manifestante - Artur Xexeo

Tenho uma amiga que não perde uma passeata. Bem, não sei se ainda é minha amiga. Nos últimos dias, tenho tentado não dizer nada que possa magoá-la e fazer com que rompa nosso relacionamento. Manifestantes, como todo mundo sabe, são muito suscetíveis. Estou tentando aprender a não tocar em assuntos que possam ser mal interpretados por minha amiga e acabem fazendo com que ela acredite que sou contra as atuais manifestações que vêm tomando conta do Brasil. Não vou a manifestações. Mas isso não quer dizer que não as apoie. O duro é convencer minha amiga disso. Descobri, por exemplo, que ninguém pode dizer a um manifestante que, na quinta-feira passada, o movimento reuniu 300 mil pessoas no Centro do Rio.





— Isso é um absurdo. Eu estava lá. Não eram 300 mil.
— E quantos eram, amiga?
— Um milhão!
— Mas cientistas da Coppe calcularam em 300 mil.
— E vocês da mídia ficam repetindo isso...
Um cálculo da Coppe não significa nada diante de uma multidão.
— Como é que você sabe que era um milhão de pessoas?
— Eu estava lá!
— Mas você contou?
— Eu senti!
Não há como rebater argumentos de uma manifestante. Ainda mais eu, que sou incapaz de calcular até quantas pessoas cabem num teatro lotado de 200 lugares. Resumindo: nunca mais me refiro ao número de participantes de uma passeata contra isso tudo que está aí. É briga na certa.
Também tirei dos meus assuntos com a manifestante a observação de que nem todo mundo que vai a passeatas tem consciência do protesto. Tem gente que vai lá pensando que está numa micareta. Enquanto os que o circundam gritam "Saúde no padrão Fifa" ou "Contra a PEC 37" ou ainda "Pega esses 20 centavos e enfia no SUS", o manifestante-micareteiro só tem uma palavra de ordem: "Cadê a Ivete?" Enquanto os vândalos cobrem o rosto com uma camiseta, eles tiram a camiseta para exibir o torso. Talvez os vândalos usem as camisetas deles para se esconder. É uma micareta em que a Ivete nunca aparece. O micareteiro vai da Candelária à Prefeitura atrás de um trio elétrico imaginário e, entre uma paquera e outra, leva um susto quando recebe um gás de pimenta na cara.
Outro assunto proibido com manifestantes é a crítica de que o movimento não tem foco, que abraça causas em demasia.
— É claro que temos foco. Estamos lutando contra a corrupção, por uma melhor Educação, contra o Feliciano, pelo passe livre, contra o voto obrigatório, contra a demora da Justiça para resolver o problema dos aposentados da Varig, por um hospital mais digno na novela "Amor à vida"...
Aproveitei que a manifestante tomou fôlego e comentei:
— Focão, amiga!
Ela não fala comigo há dois dias. Não sei se minha observação a magoou. Mas já decidi que, se nos reencontrarmos, não falo mais em falta de foco. Não comentarei mais também as cenas de violência que costumam encerrar as passeatas.
— É um movimento pacífico.
— Eu sei, mas está servindo como escudo para os baderneiros.
— Nós caminhamos quatro horas pacificamente. Os vândalos são uma minoria, e vocês da mídia só mostram o vandalismo.
"Vocês da mídia" outra vez. Não sei quando comecei a ser identificado como "vocês da mídia". Não gosto. Ma saí em defesa dos telejornais.
— Acompanhei toda a passeata pela televisão. Foram mesmo quatro horas de passeata pacífica. Pergunta pra Leilane Nueubarth. Ela estava emocionada. Mas as imagens depois disso eram impressionantes. Eles tentaram invadir a Prefeitura, acabaram com o Terreirão do Samba, saquearam lojas, derrubaram sinais de trânsito...
— E vocês da mídia só mostraram isso.
— Não é verdade. Nós da mídia mostramos tudo.
Desisti de brigar contra a expressão. Sou da mídia, assumo.
— Quando cheguei em casa, só vi violência na televisão.
— É que na hora que mostraram a paz, você estava lá pacificando...
Interrompi a frase porque minha amiga se retirou. Não sei se estava atrasada para nova passeata ou se meus comentários a desagradavam. Mais uma vez, não quero parecer contrário ao movimento, mas será que ainda cabe uma faixa no meio da multidão? "Por uma semana sem ninguém falar em passeata." Aí eu passo a ser um manifestante.


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