quarta-feira, 31 de julho de 2013

Crônica do Dia - Muito fofo e paciente

Zuenir Ventura, O Globo

Personalidades - Dominguinhos, 72 anos

O Globo - 24/07/2013
 
Instrumentista que se formou com Luiz Gonzaga deixa enorme legado de gravações e composições

Artigo de Opinião - V de Vadia - Nataraj Trinta

É urgente efetivarmos um Estado verdadeiramente laico

Crônica do dia - O Papa e os jovens

Igreja Católica tem perdido fiéis em todo o mundo

Entrevista - Joaqui Barbosa - Brasil não está preparado para um presidente negro

RIO - Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda há bolsões de intolerância racial não declarados no Brasil. Ele afirma não ser candidato e diz que seu nome tem aparecido com relevância em pesquisas eleitorais por causa de manifestações espontâneas da população. Segundo ele, que se define politicamente como alguém de inclinação social democrata à europeia, o Brasil precisa gastar melhor seus recursos públicos, com inúmeros setores que podem ser racionalizados ou diminuídos.
 

Crônica do Dia - O poder do Papa


Os Papas já tiveram o poder de reis. A história da Europa é, em grande parte, a história desta divisão de poder, e da luta entre os dois absolutismos, o dos Papas e o dos monarcas. O Geoffrey Barraclough (historiador favorito do Paulo Francis quando este ainda era de esquerda e escrevia no “Pasquim”) tinha uma tese segundo a qual a rivalidade de Roma com os reis explicava a superioridade da Europa sobre as sociedades orientais, que já eram civilizadas quando a Europa ainda era terra de bárbaros, mas governadas por dinastias antigas, rígidas e incontestadas, e por isso paradas no tempo.
Na Europa, quem não quisesse se submeter a uma monarquia tinha a opção de se submeter à Igreja. A troca era de um império teocrático por outro, claro, mas criou-se o hábito de dissidência e de pensamento dialético, prólogo para o desenvolvimento científico que viria depois, apesar do obscurantismo da Igreja. E a opção determinou que a Europa não fosse um império monolítico, e sim uma coleção de pequenos Estados.
Acima de tudo, o pluralismo reforçou a independência e a importância das cidades comerciais — Milão, Palermo, Gênova, Veneza, Marselha, Barcelona, Antuérpia, Southampton, Lisboa, as cidades da liga hanseática (o primeiro ensaio de um mercado comum europeu) etc. —, cuja competição impulsionaria as descobertas e a expansão colonial. Tudo isto porque os Papas eram iguais aos reis, inclusive na pretensão de representarem a vontade de Deus na Terra, com exclusividade.
Dizem que certa vez Stalin reagiu à notícia de que o Vaticano o teria reprovado, por alguma razão, com a pergunta desdenhosa: “E quantas divisões tem o Papa?” Desde que perdeu seu poder que rivalizava com o dos reis, o Papa só tem a seu dispor a Guarda Suíça, e assim mesmo para fins decorativos. Mas o Vaticano é o grande exemplo de um Estado cuja potência não se mede com armas — pelo menos não com armas convencionais.
Atualmente, a julgar pela recepção que ele teve no Brasil, o arsenal do Vaticano se resume ao sorriso simpático de um homem. A Igreja não tem mais a relevância política e histórica que teve antigamente e sacrificou muito da sua autoridade moral com posições retrógradas e escândalos financeiros e sexuais. Mas a emoção das multidões que ele mobilizou serviria como uma resposta ao Stalin.
 
Luis Fernando Veríssimo é escritor.

Crônica do Dia - Luta contra o racismo

 Sob o argumento de que teria atirado em legítima defesa, um ex-vigia branco foi absolvido do assassinato do jovem negro Trayvon Martin. Desarmado, o jovem apenas portava uma embalagem de balas e um refrigerante. Manifestações em repúdio à absolvição foram organizadas em mais de 100 cidades dos EUA. "Poderia ter sido meu filho ou eu há 35 anos", declarou o presidente Obama, reconhecendo que "a comunidade afro-americana está olhando esta questão pela ótica de suas experiências e de uma história (de racismo) que não acabou".
É neste contexto que há de ser compreendida a Convenção Interamericana contra o Racismo e a discriminação Racial, adotada pela OEA, em 5 de junho. Por iniciativa do Brasil, a proposta era elaborar um instrumento capaz de enfrentar as formas contemporâneas de racismo e de refletir as peculiaridades da região.
Dentre as tantas inovações da Convenção, a primeira atém-se à ampliação da definição de discriminação racial, que passa a compreender qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada em raça que tenha o propósito ou o efeito de restringir o exercício de direitos, nas esferas pública e privada. Consequentemente, os Estados têm o dever de prevenir, proibir e punir a discriminação racial nos domínios público e privado.
Uma segunda inovação consiste no reconhecimento da discriminação indireta, como aquela medida que - embora não pareça discriminatória - tem um efeito discriminatório quando implementada. A discriminação indireta se verifica quando são tratadas de forma igual pessoas em situação diversa e de forma diversa pessoas em igual situação.
Uma terceira inovação é o especial destaque às formas múltiplas e agravadas de discriminação, a combinar os critérios de raça, gênero e outros. Por exemplo, a discriminação racial afeta homens e mulheres diversamente.
Outra inovação refere-se ao enfrentamento das formas contemporâneas de discriminação racial, enunciando o dever dos Estados de prevenir, eliminar e punir o racismo na internet, a discriminação baseada em informações genéticas, dentre outras manifestações de racismo no século XXI.
O dever dos Estados de adotar ações afirmativas traduz a quinta inovação da Convenção, ao enfatizar a necessidade de medidas especiais e temporárias voltadas a acelerar o processo de construção da igualdade. Aqui a Convenção incorpora a jurisprudência internacional que sustenta serem as ações afirmativas não apenas legítimas, mas necessárias à realização do direito à igualdade. Tais ações permitiriam reduzir e eliminar fatores que perpetuam a discriminação, devendo ser adotadas de forma razoável e proporcional, visando à igualdade substantiva. Devem ser concebidas não apenas sob o prisma retrospectivo - como uma compensação em face de um passado discriminatório -, mas também sob o prisma prospectivo, como um instrumento voltado à transformação social.
Uma sexta inovação concerne ao dever dos Estados de que seus sistemas jurídicos e políticos possam refletir a diversidade social. Constituições latino-americanas explicitamente protegem o valor da diversidade étnico-racial como um valor fundamental de nações pluriétnicas e multirraciais, como é o caso das Constituições de Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela e Equador.
Há aproximadamente 190 milhões de afro-descedentes nas Américas, o que corresponde a 22% da população. Estima-se que há entre 30 e 40 milhões de indígenas na região, o que aponta a 8% da população. Em todos os países, afro-descendentes e povos indígenas estão desproporcionalmente representados e vivem na pobreza e na pobreza extrema. Conclui-se que cerca de 30% da população nas Américas sofre de exclusão social e de um grave padrão discriminatório. A título ilustrativo, no Brasil, os afro-descendentes representam 51% da população, sendo 64% dos pobres e 71% dos que vivem na pobreza extrema; na Bolívia os povos indígenas são 62% da população, sendo que 74% deles vivem na pobreza; na Colômbia, os afro-descendentes são 26% da população, sendo que 76% deles vivem na pobreza extrema; no Peru, os povos indígenas são 45% da população, vivendo nas áreas mais pobres, sem acesso a serviços públicos básicos.
Se a América Latina é caracterizada por sociedades multiétnicas e multirraciais, faz-se imperativo combater a discriminação racial e promover a igualdade, conferindo especial proteção aos povos afro-descendentes e indígenas, como condição essencial à justiça social, ao desenvolvimento sustentável e à própria democracia na região.


Flávia Piovesan / O Globo

Crônica do Dia - Heróis e História - Veríssimo

Velha questão: são os homens providenciais que fazem a História ou é a História que os providencia? Estou pensando no Mandela. Ele sem dúvida fez história, mas o apartheid teria se mantido mesmo sem a resistência dramatizada na sua prisão e no seu sacrifício? Provavelmente não.
Martin Luther King simbolizou a luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos, empolgou e inspirou muita gente, mas a injustiça flagrante da segregação racial estaria condenada mesmo sem seus discursos e seu exemplo.
Frequentei uma high school americana durante três anos e todos os dias, antes de começarem as aulas, botava a mão sobre o coração e prometia lealdade à bandeira aos Estados Unidos da América a à republica que ela representava, com liberdade e justiça para todos, e certamente não era só eu que completava, em silêncio, o juramento: “...exceto para os negros.”
Durante anos a democracia americana conviveu com imagens de discriminação racista, linchamentos e outra violência contra negros no Sul do país. Variava apenas o grau de consciência em cada um da hipocrisia desta convivência cega.
O que Martin Luther King fez foi tornar a consciência universal e a hipocrisia visível, e insuportável. Mas a justiça para todos viria — ou virá, ou tomara que venha, numa América ainda dividida pela questão racial, como mostra a revolta pela absolvição recente do assassino daquele garoto negro na Florida — mesmo sem a sua retórica.
 
Martin Luther King
 
Gandhi liderou o movimento de resistência pacifica que ajudou a liberar a Índia do domínio inglês. Há figuras como Gandhi — mais ou menos pacificas — em quase todas as histórias de liberação do jugo colonialista. Mas, por mais atraente que seja a ideia de heróis emancipadores derrotando impérios, a verdade é que eles serviram uma inevitabilidade histórica, independentemente da sua bravura, do seu discurso ou, como Gandhi, do seu apelo espiritual.
O poder da História de fazer acontecer o necessário, à revelia da iniciativa humana, soa como ortodoxia marxista, eu sei, mas consolemo-nos com a ideia de que a História pode nos ignorar, mas está do nosso lado.
E dito tudo isto é preciso dizer que poucas coisas na vida me emocionaram tanto quanto a aparição do Mandela antes do jogo final da Copa do Mundo na África do Sul, ovacionado pela multidão. Consequente ou não, ali estava um herói.



Luis Fernando Veríssimo é escritor.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Te Contei, não ? - Ódio que cresce à sombra da impunidade

RIO - Num intervalo de sete meses no ano passado, o professor e performer Kleper Reis, de 31 anos, foi vítima de duas agressões físicas motivadas pela homofobia, que o levaram a crises de pânico e o forçaram até a mudar de endereço. Na primeira, três amigos e ele foram espancados por cerca de 20 homens na Lapa. Na segunda, Kleper e seu companheiro deixavam uma festa em Pedra de Guaratiba quando foram abordados por dois homens, um deles com um pedaço de madeira na mão. Eles arrancaram a saia que o professor vestia, aos gritos de que ali homem não andava daquele jeito. Em ambos os casos, os agressores ainda não foram punidos.
Enquanto o projeto de lei 122/06, que criminaliza a homofobia, está emperrado em polêmicas no Congresso Nacional, agressões como a sofrida pelo professor se multiplicam. Ele foi um dos 1.902 usuários (em 4.267 atendimentos) que procuraram um dos quatro Centros de Cidadania LGBT do Programa Rio Sem Homofobia, do governo estadual, no ano passado, a maioria deles (831, ou 39%) por ter sofrido algum tipo de violência homofóbica.
Na agressão que sofreu na Lapa, em abril de 2012, Kleper conta que, ao fugir do espancamento, pediu socorro a guardas municipais para seus amigos, que continuavam apanhando. Mas, afirma ele, os agentes riram e nada fizeram. Machucados, um dos rapazes e ele seguiram para a 5ª DP (Gomes Freire), onde registrara queixa. Já no caso de Pedra de Guaratiba, em novembro passado, moradores identificaram os praticantes da violência. A agressão foi registrada como lesão corporal leve e acabou parando no Juizado Especial Criminal (Jecrim), onde, numa audiência, os acusados receberam um documento com o endereço e o telefone das vítimas. O processo ainda não foi concluído.
— Não acreditei. Com medo, me mudei de casa e, até hoje, não atualizei meu endereço — relata Kleper. — Ainda hoje recebo atendimento psicológico no Centro de Cidadania. Mas, antes, já passava por várias agressões. As verbais, diárias. Houve uma época em que cheguei a acreditar que eu era um problema. Até que entendi que a única forma de me defender era não ficar em silêncio.
Núcleo vai acompanhar casos
Para monitorar casos que estão sendo investigados, Cláudio Nascimento, coordenador do Rio Sem Homofobia, afirma que será criado este ano o Núcleo de Acompanhamento de Crimes Homofóbicos e Violação de Direitos LGBT. Atualmente, diz ele, não há levantamentos de quantos casos são resolvidos. Contudo, ele destaca avanços recentes, como a iniciativa pioneira da Polícia Civil do Rio de, nos registros de ocorrência, apontar a homofobia como motivo presumido de um crime.
Para Nascimento, a medida é útil para ajudar a identificar os casos e orientar políticas. Mas não tem efeito legal, uma vez que, em âmbito nacional, homofobia ainda não é tipificada como crime. O que Nascimento aponta como um dos fatores que dificultam punições mais rigorosas:
— Muitas histórias acabam recebendo um tratamento como se fossem de baixa complexidade. Se a homofobia fosse tratada como crime de ódio, que é inafiançável, seria diferente. Além disso, muitas vezes as pessoas têm atitudes omissas ou negligentes. Vários casos acabam sem prova material nem testemunhal, mesmo quando provavelmente alguém viu o crime.
Mesmo crimes como os contra o patrimônio, diz Nascimento, podem ter motivação homofóbica. Ele lembra o assassinato do empresário Paulo Sérgio Jerônimo da Silva, de 46 anos, mês passado, em Angra dos Reis. Inicialmente, o crime foi tratado como latrocínio (roubo seguido de morte). Mas as 57 facadas com que ele foi morto chamaram a atenção.
— Nós, do Rio Sem Homofobia, fomos até Angra, fizemos o papel de aproximar a comunidade gay e a polícia. E acabou se chegando ao suspeito — diz.
Além da morte de Paulo Sérgio, só este ano já foram notificados aos Centros de Cidadania LGBT outros 12 homicídios relacionados com a homofobia, contra 16 durante todo o ano de 2012. O mais recente foi do jovem Leonardo Teixeira Cardoso, de 28 anos, morador de Mesquita. Ele desapareceu no dia 7 deste mês e, quatro dias depois, seu corpo foi encontrado num terreno baldio, vestindo apenas uma sunga, com um tiro no rosto. O companheiro dele, o estilista Alan Vieira, de 29 anos, conta que os dois tinham saído de uma boate na Zona Norte do Rio e, na volta para Mesquita, após uma pequena discussão no ônibus, Leonardo resolveu descer e esperar o próximo coletivo, na Pavuna. Foi a última vez em que se viram.
— Fiquei esperando que ele viesse no ônibus de trás. Mas ele não apareceu. No dia seguinte, fui à delegacia, mas não pude registrar o desaparecimento, por não ser da família. Por conta própria, fiz um cartaz com a fotografia dele, pedi ajuda nas redes sociais e iniciei uma busca que só terminou no Instituto Médico-Legal de Nova Iguaçu, para onde o corpo foi — conta Alan. — Morávamos juntos há oito meses, fazíamos planos de nos casar num sítio e, no futuro, tentar adotar uma criança. Mas esses sonhos foram interrompidos. Acredito que ele tenha sido vítima de homofobia. Estou sem chão, sem forças. Mas agora vou lutar por justiça, para descobrir quem o matou.
Motorista atirou em travesti
Alan conta que, há três meses, a violência homofóbica já o rondava. Na região em que mora, em meados do ano, uma travesti teve a casa invadida e foi assassinada, juntamente com um cliente. O crime aconteceu semanas depois de, na última Páscoa, a travesti Cindy Bella Boneca, melhor amiga de Alan, sofrer uma tentativa de homicídio. Ela saía de uma boate onde tinha feito um show, quando, de dentro de um Fiat branco, dois homens a convidaram para um programa. Cindy se recusou e levou um tiro de raspão na barriga, disparado pelo motorista.
— Pensei que fosse morrer. Sorte que o tiro desviou na armação de ferro da roupa que eu usava, feita pelo Alan. Depois que saí do hospital, bateu uma imensa tristeza. Na noite seguinte, acordei em pânico, pedindo à minha mãe que não saísse de perto de mim — diz Cindy.
Em 2012, foi justamente a Baixada Fluminense a região com maior número de homicídios que chegaram ao conhecimento do Rio Sem Homofobia. Dos 16 casos, dez foram registrados pelo Centro de Cidadania local, em Duque de Caxias (outros quatro ocorreram na capital e dois, em Nova Friburgo). Também foi o centro da Baixada o que teve o maior percentual de registro de agressões físicas decorrentes de homofobia (31% dos casos), contra 20% na capital e na Região Serrana e 16% em Niterói.
Nova Iguaçu vai ganhar centro
No geral, os gays foram a maioria dos usuários dos centros no ano passado (41%), seguidos por lésbicas (27%), transexuais (11%), heterossexuais (9%), travestis (6%) e bissexuais (3%). No perfil por faixa etária, a maior parte (28%) tinha de 30 a 39 anos; 19%, entre 25 e 29 anos; e 14%, entre 21 e 24 anos. Entre as vítimas de violência homofóbica — 31% a mais do que em 2011 —, 36% a sofreram no ambiente familiar ou em sua residência/condomínio, e 18% em via pública. A violência verbal foi a mais comum (38%), seguida da física (22%).
A região de Nova Iguaçu e Mesquita foi identificada como uma das mais críticas. E, não à toa, será a próxima a receber, ainda este ano, um Centro de Cidadania LGBT. De acordo com Cláudio Nascimento, em 2013 também serão criados centros em Queimados, Macaé e Cabo Frio. E, até o fim do ano que vem, mais cinco deles no estado, totalizando 13.
Em São Gonçalo, a instalação de um centro é uma das reivindicações de Angélica Ivo, mãe do jovem Alexandre Ivo, de 14 anos, brutalmente assassinado em junho de 2010, em mais um caso até hoje sem julgamento dos acusados, Alan Siqueira Freitas, Eric Boa Hora Bedruim e André Luiz Cruz Souza, que respondem em liberdade. Pelo laudo cadavérico, Alexandre foi morto por asfixia mecânica, com lesões no crânio. Naquele dia, ele tinha ido a uma festa onde houve uma briga. Embora o rapaz não tivesse ligação com a confusão, seus amigos, dois deles gays, foram agredidos pelos acusados. Alexandre os acompanhou à delegacia para prestar queixa. Quando o jovem esperava pelo ônibus para voltar para casa, foi atacado. Desde então, Angélica vem lutando pela condenação dos acusados:
— Fomos à cena do crime, reconstituímos o que aconteceu. Tivemos que colher as informações para poder explicitar para o promotor que ele sofreu um crime de ódio.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/homofobia-odio-que-cresce-sombra-da-impunidade-9224591#ixzz2aXeSn200

Contando o Conto - O mistéiro do Sujeito Inexistente

       O mistério do sujeito inexistente 
 
 
   

Crônica do Dia - PLMDDS - Daneil Galera

Desde que me conheço por gente, a religião não significa nada para mim

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Personalidade - Ney Matogrosso

 
 
 
RIO - Não há o que Ney de Souza Pereira — o homem — não tenha dito sobre Ney Matogrosso — a obra. Nas duas milhões de páginas que citam o artista, na internet, habitam um sem-número de entrevistas em que ele relembra ter: namorado Cazuza (“Foram três meses de relacionamento com labaredas de dois metros de altura”); cheirado cocaína (“Odiava. Nunca entendi, achava aquilo uma mentira”); namorado mulheres (“É muito mais difícil as pessoas aceitarem que eu transo com mulheres do que com homens”); ido para a cama com 15 pessoas (“Ninguém trepa! Você deita em cima daquele topo, aí vai caindo lá pra baixo”); perdido amigos para a Aids (“Fiquei sem referência, parecia que tinham quebrado todos os espelhos à minha volta”); ter permanecido imune à doença (“Não me peça explicação porque eu não sei dar. Eu tenho certeza que tive contato com o vírus”).
Na música, Ney Matogrosso também teve carreira tão intensa quanto na vida. Nos anos 70, integrou o Secos & Molhados, grupo performático que, junto com os Mutantes, salpicou rock e transgressão na MPB. Em carreira solo, tocou ao lado do violonista Raphael Rabello, do clarinetista Paulo Moura, do pianista Arthur Moreira Lima. Gravou canções com Caetano Veloso, Chico Buarque e Pedro Luís. Com sua voz aguda e feminina de contratenor, cantou Cartola, Tom Jobim, Villa-Lobos. Aos 71 anos de idade, 40 de carreira, 38 discos gravados, prepara-se para mais uma etapa. “Atento aos sinais”, turnê iniciada em março, em São Paulo, desembarca no Rio a partir de sexta-feira, com três shows no Vivo Rio. Em cena, além de interpretar Itamar Assunção, Criolo e Vitor Ramil, o cantor usa mais de uma dezena de figurinos.
Ney Matogrosso já foi comparado a Josephine Baker pela imprensa francesa, descrito como uma mistura de Carmen Miranda, David Bowie e Jack Nicholson pela americana. Já subiu no palco usando penas de pavão, unhas de tigre, chifres de carneiro, cocares, paetês, pérolas e, claro, pele (a própria, praticamente nua). Rita Lee assim descreveu a primeira vez que o viu em ação, ainda na época do Secos & Molhados: “Um ET elegante vestindo um kabuki mucho louco com uma voz assexuada, cantando uma ciranda portuguesa.” Sobre um palco, como bem definiu o nome de sua turnê em 2008, sempre foi inclassificável.
Mas e fora dele? O que Ney Matogrosso — a obra — tem a dizer sobre Ney de Souza Pereira — o homem? Quanto do artista que atravessou o desregramento sexual da década de 70, a oferta infinita de drogas dos anos 80 e a perda dos amigos nos anos 90 sobrevive no senhor solteiro, sereno, que mora com dois gatos, numa cobertura de três andares no Leblon?
— Se não houvesse o Ney Matogrosso, talvez eu me ressentisse de não atuar artisticamente. Eu não estaria completo — responde ele, durante uma das três conversas com a Revista O GLOBO, na última semana. — No começo, eu era muito agressivo no palco. Se não fosse, seriam comigo. Hoje subo nele de uma maneira amorosa.
Nascido em Bela Vista, no Mato Grosso do Sul, Ney é o segundo de cinco filhos de uma família de classe média. Aos 6 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde morou no bairro de Padre Miguel, até voltar ao seu estado natal — dessa vez morando em Campo Grande — cinco anos depois. Fã de Elvis Presley, chegou a ter topete igual ao do músico na adolescência. Mas seu pai, militar da Aeronáutica, impediu-o, desde cedo, de dar vazão ao lado artístico.
— Eu pintava, fazia retratos. Pedi um curso para o meu pai, que disse que não queria filho artista — lembra. — Fiz teatro escondido. Costumo dizer que eu dei sorte de ter nascido filho de militar, porque isso já me colocou como transgressor. Sempre contestei as decisões dele.
A juventude seguiu conturbada. Aos 17 anos, após a primeira e única troca de socos com o pai, resolveu sair de casa. Alistou-se na própria Aeronáutica (que aceitava recrutas com sua idade) e, uma vez aceito, pediu transferência de Campo Grande para a Base Aérea do Galeão, no Rio. Pelos dois anos seguintes, aprenderia a dar tiro (“Era Colt 45, mas nunca me interessou a arma”) e, sobretudo, a tomar as rédeas de si mesmo:
— Eu era muito duro. Na adolescência, tinha vergonha das minhas mãos. Vivia com elas no bolso. Eu também não tirava a camisa, por vergonha. Até que fui para o quartel, tendo que tomar banho com 20 camaradas ao mesmo tempo. Percebi que ninguém ali via o monstro que eu me achava.
Também no quartel, Ney presenciaria, pela primeira vez, uma troca de beijos entre dois homens. Estavam abraçados, sentados sobre uma mureta, durante uma madrugada quente.
— O único exemplo de homossexual que eu tinha visto era o de um travesti em Campo Grande — diz. — Na Aeronáutica, vi que essas coisas rolavam, e que eu não tinha que me transformar. Gosto de ser homem.
Até então, Ney havia tido relações sexuais e namoros com mulheres (perdera a virgindade aos 13 anos, com uma prima distante, na fazenda de seu avô). Decidiu que tentaria com um homem, mas só quando surgisse uma ocasião especial.
— Eu queria que alguém me motivasse a ponto de realizar — explica.
A ocasião surgiu aos 21 anos, quando trabalhava no Hospital de Base de Brasília, fazendo lâminas de exames. Foi, ao mesmo tempo, um alívio e uma decepção:
— Pensei: “É isso? Esse tempo todo sofrendo, penando num vale de lágrimas, para isso?” Não ficou escrito na minha testa, marcado a ferro. Perdi tanto tempo me debatendo por uma coisa que era simples, normal.
A decepção veio logo depois:
— Fui da libertação ao inferno. Eu achava que relação entre homens era de igual para igual. Aprendi que não faz diferença: é o velho ciúme. Depois, por muito tempo, não quis namorar ninguém.
Aos 25 anos, decidido a ser ator, voltou para o Rio. Trabalhou com artesanato, tomou daime, viveu uma vida religiosamente desregrada. Quatro anos depois, por intermédio de sua amiga Luhli (da dupla Luhli e Luciana), professora de canto e compositora, foi apresentado ao jornalista João Ricardo, que buscava um homem de voz aguda para capitanear sua banda, Secos & Molhados. Até então, Ney havia cantado apenas num coral de 60 pessoas em Brasília (onde o maestro elogiara-lhe a voz) ou em boates, de forma amadora. Ele não sabe ler música.
O encontro ocorreu em 1971, em São Paulo. João Ricardo gostou do que viu (um rapaz de 53 quilos que se movimentava no palco como se fosse um animal indomado) e do que ouviu (uma voz de contratenor sem igual em qualquer outra banda brasileira). Dali a dois anos seria lançado o primeiro disco. O Secos & Molhados se tornaria um sucesso instantâneo, vendendo 700 mil cópias. Para preservar o anonimato — um dos únicos bens conquistados nos 31 anos de vida — Ney de Souza Pereira decidiu subir ao palco com a cara escondida atrás de uma forte maquiagem.
— Ouvia falar que artista não tinha vida privada, não andava na rua. Eu tinha 31 anos, não queria perder minha liberdade. Minha inspiração foi a maquiagem usada pelos atores do teatro kabuki — ressalta.
Havia, ainda, uma segunda razão:
— Percebi que, escondendo o rosto, eu sentia uma coragem e uma liberdade física que jamais supus ter. Quando subia ao palco, pensava em personagens. Eu queria ser um inseto. Eu botava uma peruca de crina de cavalo e e me sentia um ser dos Andes. Depois do gostinho, não voltei atrás.
Nascia, ali, o artista Ney Matogrosso.
Aquela formação do Secos & Molhados teve vida curta. Em 1974, Ney desentendeu-se com João Ricardo, que decidira rever os critérios de divisão do dinheiro. Após gravar o segundo disco, abandonou a banda.
— Ele tem essa coragem de ser ele mesmo, de não se submeter. Teve que pagar uma multa colossal — lembra Luhli.
Lançou-se, então, em carreira solo. Do Secos & Molhados, manteve a postura libidinosa e o figurino onírico — que se tornariam, junto com a voz aguda, sua marca registrada.
— Na época da ditadura, os militares tinham metralhadoras, e eu tinha minha libido como arma. É um prazer enorme poder brincar com a libido, poder trocar de roupa no palco, na frente das pessoas. Mas sempre tive a preocupação de não ser vulgar. Isso foi o limitador — diz.
Manteve a estética extravagante até lançar “Pescador de pérolas”, em 1987. O disco, intimista, foi um divisor de águas em sua carreira. Ney se fez acompanhar dos músicos Raphael Rabello, Paulo Moura e Arthur Moreira Lima, respectivamente os grandes nomes do violão, da clarineta e do piano de então:
— Até esse disco, eu só sabia fazer as coisas escandalosamente. Fui me testar, ver se eu era um cantor de verdade ou apenas o que falavam de mim.
A partir dali, voou em céu de brigadeiro. Como músico, ganhou três discos de ouro e outros três de plantina. Como iluminador, dirigiu a luz de shows de Chico Buarque, Nana Caymmi e Nelson Gonçalves. Como ator, estrelou o curta-metragem “Depois de tudo”, de Rafael Saar, e o longa “Luz nas trevas”, de Helena Ignez e Ícaro Martins. Foi retratado no documentário “Olho nu”, de Joel Pizzini, exibido este ano no Festival de Brasília.
Em paralelo, Ney entrou de cabeça numa campanha em prol dos portadores de hanseníase. O convite surgiu ao acaso, quando recebeu uma ligação por engano, endereçada ao ator Ney Latorraca.
— Volta e meia sou chamado de Latorraca na rua. Aceno de volta — diz, resignado.
Dias antes, Latorraca (o original) havia declarado, numa entrevista, que, quando morresse, deixaria a herança para os portadores de hanseníase. Ao ouvir a história pelo telefone, Latorraca (o Matogrosso) se surpreendeu:
— Perguntei: “Mas ainda existe isso no Brasil?” Comecei a dar trela para o assunto.
Esteve com José Serra, ministro da Saúde do governo Fernando Henrique (“Ele foi indiferente. Fiquei chocado. São mais de 40 mil pessoas infectadas por ano”), e com Lula, que instituiu uma pensão indenizatória para os pacientes que foram internados à força em asilos.
— Essa doença tem que ser banalizada, vulgarizada, para que acabe o preconceito, que é gigantesco — afirma. — Abraço e beijo todos. Para pegar a doença, tem que ter um contato regular.
Idealizador de duas caixas de CDs com a obra de Ney Matogrosso, o produtor Rodrigo Faour diz que, além da qualidade musical, Ney tem uma segunda característica menos lembrada: a integridade.
— Nunca conheci uma pessoa do tamanho dele que atenda ao telefone, que não coloque problema onde não tem. Ele me ensinou que você pode curtir, mas não pode acreditar no sucesso.
Quanto à música, teoriza:
— Ele não gosta de cantar o que já deu certo. Um show dele é como se fosse um espetáculo de teatro, um texto que ele prepara para o público. E o ator não quer fazer sempre o mesmo texto.
Insônia, personal trainer e astrologia
Ney tem, desde sempre, dificuldade para dormir. Quando está em turnê, leva fita crepe na mala, que usa para tapar eventuais entradas de luz nas janelas dos hotéis. Já tomou hipnóticos, que descartou, por demasiado fortes. Hoje faz uso de uma pílula de Frontal antes de se deitar.
— Na semana passada fiz um exame do sono em São Paulo. Passei a noite com eletrodos no peito e na cabeça. Fico achando que é vício, da época do Hospital de Base de Brasília.
No Rio, acorda por volta de nove da manhã. Recebe um personal trainer de segunda a sexta-feira, que o ajuda a treinar num sótão adaptado com aparelhos de ginástica. Almoça e janta em casa, pouco sai à rua. Diz ler muito (seu último livro de cabeceira é “Havia gigantes na Terra — Deuses, semideuses e antepassados humanos: a evidência do DNA alienígena”, de Zecharia Sitchin).
— É a teoria de um camarada da Nasa de que os seres da mitologia existiram — explica. — Leio sobre geologia, biologia, astrologia, astronomia. Não gosto de romance.
A decoração de seu apartamento segue uma lógica mais afetiva que estética. Uma poltrona está arranhada pelas unhas dos gatos Nego e Zula. Outra, coberta por uma bandeira de Pernambuco. Na sala, há uma estante com taças. No escritório, alguns livros velhos de botânica e arte. Três toalhas coloridas, com motivos de flores, repousam sobre uma cadeira perto da piscina; há cristais e pedras por toda parte. A maioria dos quadros nas paredes chegou ali presenteada pelos próprios pintores. Assim foi com três obras de Gilvan Nunes; assim foi com um retrato pintado em 1978 pelo goiano Siron Franco.
Televisão, assiste pouco. Música, só quando liga o rádio do carro. Sua festa de 70 anos, em 2012, foi sem som.
— Ele diz que música é trabalho. Queria que as pessoas conversassem — conta o amigo e diretor Joel Pizzini.
Quando vai para o sítio que tem em Saquarema, gosta de escutar o barulho da noite:
— Acendo uma vela e fico ouvindo a noite se instalar. Vai virando uma sinfonia. Já passei quatro horas com o gravador ligado, na mão, só ouvindo, com a sensação de estar dentro de uma coisa viva.
Não tem iPod. Seu aparelho de rádio é antigo e pequeno, com uma única entrada para CD. Vez por outra revisita seus discos.
— Dia desses, parei para ouvir de novo um que gravei com músicas do Cartola. Gostei. Achei os arranjos chiques — avalia.
Não atrela o que canta ao seu estado de espírito:
— Posso fazer um trabalho sobre o amor sem estar apaixonado. E um trabalho alegríssimo, estando triste.
Nunca entrou no Facebook. Soube que existe um perfil falso seu no Twitter, com quatro mil seguidores.
— Fica esse camarada lá falando o que bem entende — reclama.
Ney teve um relacionamento estável de 1980 a 1993, ano da morte de seu parceiro. Chegaram a morar juntos por sete anos. Desde então, teve alguns namoros, que não revela. Mas não se diz solitário:
— Não gosto de tumulto. Recebo e vou à casa de amigos. Mas gosto de ficar sozinho. Sempre estou fazendo alguma coisa, regando as plantas, costurando.
Seu pai morreu quando já tinham feito as pazes.
— Ele foi a figura mais importante da minha vida. Graças a ele sou a pessoa que sou — costuma dizer. — Depois das brigas tivemos conversas. Ele disse como se arrependia da forma que tinha criado os filhos homens. Fui o único filho que beijou ele a vida inteira. Se existe essa questão de carma, nós queimamos o nosso. O amor que passou a existir nos libertou.
Perdeu também sua gata Rita, dois anos atrás, de um problema súbito no pâncreas:
— A Rita dormia comigo, andava atrás de mim pela casa, que nem cachorro. Era o meu amor. Como eu havia perdido muitos amigos, pensei que fosse uma pessoa preparada para a morte — lembra. — Não era. Fiquei apático, não saía para a rua.
Ney se diz um ser noturno, um “vampiro”. Ao cair da tarde, deixa a casa na penumbra e observa o acender de luzes nos apartamentos do Leblon (seu prédio, de 14 andares, é mais alto que os demais do entorno). Diz que a cidade, nesse momento, lembra um presépio.
Continua magro, com 61 quilos. Aparenta menos que os 72 anos que completará em agosto. No seu último check-up, o médico diagnosticou que seu organismo é como o de uma pessoa de 50 anos.
— Não sei que idade eu tenho. Não me sinto um velho na cabeça e na vida — garante.
Usa roupas básicas: uma camiseta, um jeans, uma bota de couro. Chegou a passar produto contra queda capilar — que logo abandonou, por preguiça. Nunca tomou Viagra.
— Tenho medo de tomar. Você tem que conviver com essa coisa de broxar, faz parte da vida. Antigamente eu era entregue ao sexo, se não trepava, não dormia. Nunca me arrependi disso — lembra. — Hoje não diria que estou apaziguado, mas não tenho mais a ansiedade. Não sinto tesão se não tem carinho.
A primeira entrevista de Ney Matogrosso aconteceu 40 anos atrás, quando do estouro repentino do Secos & Molhados. Ficou aflito, até ouvir a pergunta inicial:
— Entrei em pânico. Mas uma coisa dentro de mim disse: “Fala a verdade.” Acredito que tenho o direito de ser a pessoa que eu sou.
É o que tem feito desde então. Numa cena do filme “Olho nu”, ele declara: “Não busco Deus fora. Busco dentro de mim.”
— Gostaria de ser lembrado como uma pessoa que defendeu a liberdade de expressão, de ser, de existir — complementa. — Como alguém que ousou lutar contra a hipocrisia das coisas.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/ney-matogrosso-fala-de-perdas-medos-do-desejo-de-ser-lembrado-pelas-transgressoes-8232819#ixzz2a1Ap8XYs
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Te Contei, não ? - Cara de paisagem

Maiá Menezes
Publicado:

Intimidade: a estudante Taine Leite dá ‘selinho’ no poeta. Em duas horas, 52 afagos
Foto: Daniela Dacorso / O Globo
Intimidade: a estudante Taine Leite dá ‘selinho’ no poeta. Em duas horas, 52 afagos Daniela Dacorso / O Globo

Te Contei, não ? - O legado de Machado de Assis

        

Te Contei, não ? - O professor do futuro


Na dianteira da evolução digital que move o mundo do conhecimento na internet, o norteamericano Salman Khan propõe uma revolução: ensinar a todos, gratuitamente e em qualquer lugar.

Por Camilo Gomide

Crônicas - Fábulas do desengano - Roberto Pompeu de Toleto

12/05/2013
 

Roberto Pompeu de Toledo: Fábulas do desengano

Nada mais a dizer sobre o que já foi dito (Imagem: Cartão postal russo com ilustração do Grande Inquisidor, de Dostoievsky)
Nada mais a dizer sobre o que já foi dito (Imagem: Cartão postal russo com ilustração do Grande Inquisidor, de Dostoievsky)
Artigo publicado em edição impressa de VEJA
 

Crônica do Dia - Eu ia falar de flores - Lya Luft

Veja - 15/07/2013
 
 Flores
 

Editorial - De volta ao "ame-o ou deixe-o" ?

São seriíssimas as acusações do sociólogo Paulo Baía, que afirmou sexta-feira ter sofrido sequestro-relâmpago para fins de intimidação

Crônica do Dia - O que significa orégano

Você eu não sei, mas eu estou preocupadíssimo com a revelação de que os americanos têm monitorado tudo que é dito e escrito no Brasil nos últimos anos. Ouvem nossos telefonemas, leem nossos e-mails e provavelmente examinam o nosso lixo, atrás de indícios da nossa periculosidade.
O que me preocupa é que esta informação, depois de coletada e classificada, é analisada talvez pelas mesmas pessoas que nunca duvidaram que o Saddam Hussein tivesse armas de destruição em massa e nunca estranharam que os sequestradores daqueles aviões que derrubaram as torres, no onze de nove, não se interessassem pelas aulas de aterrissagem nos seus cursos de aviação.
Quer dizer, que garantia nós temos que não se enganarão de novo, e verão ameaças à segurança americana nas nossas comunicações mais inocentes?
Um simples telefonema entre namorados (“desliga você”, “não, desliga você”) pode ser interpretado como parte de um plano para sabotar centrais elétricas. Um pedido para troca de bujão de gás, uma evidente referência cifrada à explosão da Casa Branca.
O fato é que tenho tentado recapitular todos os meus telefonemas e e-mails nos últimos anos, com medo de que um deles, mal interpretado, acabe provocando minha aniquilação por um drone.
Ou então me vejo chegando nos Estados Unidos, sendo barrado por um agente da imigração e levado para uma sala sem janelas, onde sou cercado por outros agentes, provavelmente da CIA, que me pedem explicações sobre um telefonema, obviamente em código, que fiz antes de viajar. Reconheço minha voz na gravação.
 
 
— O que quer dizer “à calabresa”, Mr. Verissimo? — pergunta um dos agentes.
Estou confuso. Não consigo pensar. Calabresa, calabresa...
— Alguma referência à máfia? Uma ligação da organização terrorista, à qual o senhor evidentemente pertence, com a Camorra, visando a um atentado aqui nos Estados Unidos? O senhor veio se encontrar com a máfia americana para acertar os detalhes do complô. É isso, Mr. Verissimo?
— Não, não. Eu...
— Notamos que, mais de uma vez na gravação, o senhor diz “sem orégano, sem orégano”. Deduzimos que há uma divergência dentro do complô entre vocês e a máfia, uns a favor de se usar “orégano” no atentado, outros contra. O que, exatamente, significa “orégano”?
Finalmente, me dou conta.
— Orégano significa orégano. Eu estava pedindo uma...
— Por favor, não faça pouco da nossa inteligência, Mr. Verissimo. Não gastamos milhões de dólares para ouvir que orégano significa orégano.
 
Luis Fernando Veríssimo é escritor.

Artigo de Opinião - Bom - mocismo e oportunismo

O modernismo é iluminista e racionalista, mas taxado, pelo bom-mocismo, de dogmático


O Dia

terça-feira, 23 de julho de 2013

Te Contei, não ? - A paz entre os herdeiros de Vinicius

A paz entre os herdeiros de Vinicius

Os filhos dos nove casamentos do poeta chegam a um acordo familiar e seu centenário será comemorado com livros, CDs e até uma peça musical na Broadway

Ana Weiss

Crônica do Dia - O Futuro está em suas mãos

O Futuro está em suas mãos

Algumas manifestações nas ruas do Brasil, apesar de extremamente contundentes, parecem não ser ouvidas por ninguém

Te Contei, não ? - Por que é tão fácil espionar o Brasil ?

A ausência de um sistema eficiente de defesa cibernética torna o País vulnerável à espionagem internacional, coloca em risco áreas estratégicas e fere o direito à privacidade de governos, indivíduos e empresas

Claudio Dantas Sequeira e Paulo Moreira Leite

Crônica do Dia - Teremos mais ou menos médicos ? -

O governo acertou no diagnóstico, mas prescreveu um remédio para ser tomado a força, o que pode trazer efeito colateral

Te Contei, não ? - Uma cruzada pela medicina básica

Divergências internas podem modificar o projeto do governo, mas a presidenta Dilma não abre mão de levar médicos para as regiões carentes

Izabelle Torres

Te Contei, não ? - Ruína aos pés do Cristo

Rafael Galdo -

Em estilo neocolonial, o casario do Largo do Boticário, do século XIX, está abandonado e as promessas de revitalização ainda não se concretizaram -
Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Em estilo neocolonial, o casario do Largo do Boticário, do século XIX, está abandonado e as promessas de revitalização ainda não se concretizaram - Fabio Rossi / Agência O Globo

Crônica do Dia - Um artigo otimista - Arnaldo Jabor

O mundo está pirado. Essa perplexidade provoca a busca de novos procedimentos, de novas ideologias, de uma análise mais cética diante de velhas certezas

Crônica do Dia - O Poste em curto - circuito

A crise da presidente Dilma Rousseff expõe os limites da teoria do poste.

Crônicas do Dia - Se Sua Santidade soubesse ....

21/07/2013 - 13:00

Te contei, não ? - Cada vez mais alérgicos

Viviane Nogueira

O gerente de contas Wagner Oliveira pensa em operar o nariz depois de sucessivas crises de sinusites
Foto: Leo Martins / Agência O Globo
O gerente de contas Wagner Oliveira pensa em operar o nariz depois de sucessivas crises de sinusites Leo Martins / Agência O Globo


Te Contei,não ? - Quinta da Boa Vista

 

Te Contei, não ? - Cartas do velho Vina e Chico Buarque

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Correspondência entre os dois poetas e compositores revela a sensibilidade e a labuta necessárias para que a canção atinja seu ponto de precisão
Obras como as de Chico Buarque e Vinícius de Moraes são algumas das maiores riquezas da cultura brasileira; os sentimentos mais profundos, os amores mais arrebatadores ou singelos, a alma do nosso povo, seu cotidiano, suas lutas, dores, alegrias e anseios estão nelas revelados com tanto requinte poético e melódico, e ao mesmo tempo tão acessíveis aos ouvidos comuns, que muitas vezes nos pegamos a nos perguntar sobre como nascem essas canções.
O texto que publicamos hoje, uma correspondência entre Chico Buarque e nosso grande poeta Vinícius de Moraes sobre “Valsinha”, música composta na década de 70 e que até hoje é um dos grandes sucessos da MPB (letra de Chico e música de Vinícius) é bastante revelador sobre o processo minucioso e sensível de escolher e lapidar palavras para que elas alcancem seu objetivo, que norteia a produção dos grandes autores.
As cartas trazem o tom carinhoso e descontraído dos dois amigos, mas é interessante observar, ao mesmo tempo em que defende firmemente seus pontos de vista, a reverência e respeito afetuoso de Chico Buarque ao poeta Vinícius de Moraes, que conheceu, menino ainda, quando o já consagrado poeta freqüentava sua casa em visitas constantes a seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda. Os dois, grandes amigos, construíram ótimas parcerias em canções como “Olha Maria”, “Samba de Orly”, “Gente Humilde” e “Desalento”, entre outras.
De Vinícius de Moraes para Chico Buarque
Mar del Plata, 24 de janeiro de 1971
Chiquérrimo,
Dei uma apertada linda na sua letra, depois que você partiu, porque achei que valia a pena trabalhar mais um pouquinho sobre ela, sobre aqueles hiatos que havia, adicionando duas ou três idéias que tive. Mandei-a em carta a você, mas Toquinho, com a cara mais séria do mundo, me disse que Sérgio [Buarque de Hollanda] morava em Buri, 11, e lá se foi a carta para Buri, 11.
Mas, como você me disse no telefone que não tinha recebido, estou mandando outra para ver se você concorda com as modificações feitas.
Claro que a letra é sua, e eu nada mais fiz que dar uma aparafusada geral. Às vezes o cara de fora vê melhor essas coisas. Enfim, porra, aí vai ela. Dei-lhe o nome de “Valsa hippie”, porque parece-me que tua letra tem esse elemento hippie que dá um encanto todo moderno à valsa, brasileira e antigona. Que é que você acha? O pessoal aqui, no princípio, estranhou um pouco, mas depois se amarrou na idéia.
Escreva logo, dizendo o que você achou.
“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar/ Olhou-a dum jeito mais quente do que comumente costumava olhar/ E não falou mal da poesia como mania sua de falar/ E nem deixou-a só num canto; pra seu grande espanto disse: vamos nos amar…/ Aí ela se recordou do tempo em que saíam para namorar/ E pôs seu vestido dourado cheirando a guardado de tanto esperar/ Depois os dois deram-se os braços como a gente antiga costumava dar/ E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a bailar…/ E logo toda a vizinhança ao som daquela dança foi e despertou/ E veio para a praça escura, e muita gente jura que se iluminou/ E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais/ Que o mundo compreendeu/ E o dia amanheceu em paz”.
De Chico Buarque para Vinícius de Moraes
Caro poeta,
Recebi as duas cartas e fiquei meio embananado. É que eu já estava cantando aquela letra, com hiato e tudo, gostando e me acostumando a ela.
Também porque, como você já sabe, o público tem recebido a valsinha com o maior entusiasmo, pedindo bis e tudo. Sem exagero, ela é o ponto alto do show, junto com o “Apesar de você”. Então dá um certo medo de mudar demais.
Enfim, a música é sua e a discussão continua aberta. Vou tentar defender, por pontos, a minha opinião. Estude o meu caso, exponha-o a Toquinho e Gesse, e se não gostar foda-se, ou fodo-me eu.
“Valsa hippie” é um título forte. É bonito, mas pode parecer forçação de barra, com tudo que há de hippie por aí. “Valsa hippie” ligado à filosofia hippie como você a ligou, é um título perfeito. Mas hippie, para o grande público, já deixou de ser filosofia para ser a moda pra frente de se usar roupa e cabelo. Aí já não tem nada a ver.
Pela mesma razão eu prefiro que o nosso personagem xingue ou, mais delicado, maldiga a vida, em vez de falar mal da poesia. A sua solução é mais bonita e completa, mas eu acho que ela diminui o efeito do que se segue. Esse homem da primeira estrofe é o anti-hippy. Acho mesmo que ele nunca soube o que é poesia. É bancário e está com o saco cheio e está sempre mandando sua mulher à merda. Quer dizer, neste dia ele chegou diferente, não maldisse (ou “xingou” mesmo) a vida tanto e convidou-a pra rodar.
“Convidou-a pra rodar” eu gosto muito, poeta, deixa ficar. Rodar que é dar um passeio e é dançar. Depois eu acho que, se ele já for convidando a coitada para amar, perde-se o suspense do vestido no armário e a tesão da trepada final. “Pra seu grande espanto”, você tem razão, é melhor que “para seu espanto”. Só que eu esqueci que ia por itens. Vamos lá:
* Apesar do Orestes (vestido de dourado é lindo), eu gosto muito do som do vestido decotado. É gostoso de cantar vestido decotado. E para ficar dourado, o vestido fica com o acento tendendo para a primeira sílaba. Não chega a ser um acento, mas é quase. Esse verso é, aliás, o que mais agrada, em geral. E eu também gosto do decotado ligado ao “ousar” que ela não queria por causa do marido chato e quadrado.
Escuta, ô poeta, não leva a mal a minha impertinência, mas você precisava estar aqui para ver como a turma gosta, e o jeito dela gostar dessa valsa, assim à primeira vista. É por isso que estou puxando a sardinha mais para o lado da minha letra, que é mais simplória, do que pelas suas modificações que, enriquecendo os versos, talvez dificultem um pouco a compreensão imediata. E essa valsinha tem um apelo popular que nós não suspeitávamos.
* Ainda baseado no argumento acima, prefiro o “abraçar” ao “bailar”. Em suma, eu não mexeria na segunda estrofe.
* A terceira é a que mais me preocupa. Você está certo quanto ao “o mundo” em vez de “a gente”. Ah, voltando à estrofe anterior, gostei do último verso onde você diz “e cheios de ternura e graça” em vez de “e foram-se cheios de graça”. Agora, estou pensando em retomar uma idéia anterior, quando eu pensava em colocá-los em estado de graça. Aproveitando a sua ternura, poderíamos fazer “Em estado de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar”. Só tem o probleminha da junção “em-estado”, o “em-e” numa sílaba só. Que é o mesmo problema do ”começaram-a”. Mas você mesmo disse que o probleminha desaparece dependendo da maneira de se cantar. E eu tenho cantado “começaram a se abraçar” sem maiores danos. Enfim, veja aí o que você acha de tudo isso, desculpe a encheção de saco e responda urgente.
* Há um outro problema: o pessoal do MPB-4 está querendo gravar essa valsa na marra. Eu disse que depende de sua autorização e eles estão aqui esperando. Eu também gostaria de gravar, se o senhor me permitisse, por que deu bolo com o “Apesar de você”, tenho sido perturbado e o disco deixou de ser prensado. Mas deu para tirar um sarro. É claro que não vendeu tanto quanto a “Tonga”, mas a “Banda” vendeu mais que o disco do Toquinho solando “Primavera”.
Dê um abraço na Gesse, um beijo no Toquinho e peça à Silvana para mandar notícias sobre shows etc. Vou escrever a letra como me parece melhor. Veja aí e, se for o caso, enfie-a no ralo da banheira ou noutro buraco que você tiver à mão.
“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar/ Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar/ E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar/ E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar/ Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar/ Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar/ Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar/ E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar/ E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou/ E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou/ E foram tantos beijos loucos/ Tantos gritos roucos como não se ouvia mais/ Que o mundo compreendeu/ E o dia amanheceu/ Em paz.”
 
 
Fonte Hora do Povo