Cacá Diegues, O Globo
O movimento sem nome ainda não acabou, mas, aconteça o que acontecer, já é um
movimento vitorioso. Desde o dia 6 de junho, as manifestações se sucedem pelo
país afora, com mais ou menos gente. Elas já alcançaram certamente seu apogeu,
mas nem por isso esgotaram seus temas.
Com os jovens do movimento, como escreveu Arthur Dapieve, “a libido voltou à
política”. Exatamente o oposto do que os políticos fizeram com as duas. Para os
de direita, aquilo que chamamos genericamente de povo é sempre ignorante e
incapaz, serve apenas para elegê-los.
Para os de esquerda, o povo é apenas um número em suas análises de classe,
uma multidão. Para uns e outros, ele só existe quando eleitor.
No Ocidente, o pensamento político tem sido uma caricatura do fundamentalismo
iluminista, a ideia de que é possível entender nosso comportamento privado ou
público apenas pelos instrumentos que a razão nos dá.
Consagramos ser possível reduzir a complexidade humana a mecanismos que geram
um futuro inevitável e aí, enquanto esperamos pelo inevitável, o inesperado nos
surpreende.
Precisamos fazer política pensando nas pessoas, e não apenas em cidadãos sem
rostos. A felicidade de cada um deve ser o fim supremo de todos os gestos
públicos, não importa sob que regime — embora só a democracia nos possa dar
plenas condições para essa prática.
Se criticamos o transporte urbano, não é em busca de votos para um partido,
mas porque desejamos que as pessoas, dentro de sua capacidade econômica, viajem
bem, com conforto e paz de espírito.
As moças e rapazes que estão indo às ruas com tanto humor podem ser
comparados a heróis de outras revoluções históricas. A revolução americana, que
consagrou textualmente o direito à busca da felicidade, começou com uma
esperteza lúdica de colonos da Nova Inglaterra, que se disfarçaram de indígenas
para jogar o chá inglês ao mar, em protesto contra os impostos praticados pelo
Império Britânico.
A alegria indignada é a arma mais moderna das revoluções. Em 1964, 68, 84 ou
92, a voz da rua reivindicava a troca da política então vigente por outra. Hoje
ela se manifesta contra a política.
Nossos oradores, em passeatas ou tribunas, eram admirados, conhecíamos as
ideias de cada um deles, seguíamos seus eventuais partidos. Hoje as
manifestações não têm líderes, ninguém faz discurso, cada um se expressa através
do cartaz de cartolina que imaginar. Um deles, que vi na Rio Branco, dizia: “Meu
coração não precisa de partido”.
A democracia representativa está em crise no mundo todo e não podia ser
diferente no Brasil. Mas, como a democracia direta é a mãe do autoritarismo
populista, precisamos encontrar um novo modelo de democracia participativa.
Essas manifestações podem estar indicando um rumo nessa direção, mesmo que
erradamente confundidas com a violência. Ninguém aprova a violência praticada
nelas, repeti-lo é quase uma platitude. Mas é preciso se dar conta da
infiltração que o movimento vem sofrendo de quem não tem nada a ver com ele.
Além de criminosos vulgares, há também os que desejam manipular as
manifestações, direcioná-las para fins que não são os seus. Tenho visto muitos
vídeos na rede que nos mostram a ação e os equipamentos usados por infiltrados
integralistas, neonazistas e skinheads, com suas suásticas, socos ingleses e
manifestos guerreiros.
Esses vídeos também nos revelam o arcaísmo cívico que é a existência de uma
Polícia Militar no Brasil. Como diz Tulio Vianna, no blog da revista “Fórum”,
ela é um contingente de soldados treinados para a guerra e abandonados na
“frente de batalha”, a tratar como inimigos os cidadãos que devem proteger.
Nossa Polícia Militar foi criada por D. João VI para proteger o rei do
populacho da colônia. Se não acabarmos com ela, levaremos, quem sabe, mais um
século para mudar sua ideologia.
Gosto muito de saber que a presidente e os políticos se manifestam sobre e
até concordam com algumas das causas do movimento sem nome. O que é muito
diferente, por exemplo, de Kadafi e Assad, que responderam aos protestos em seus
países provocando uma guerra civil.Ou de um Erdogan arrogante que não aceita
preservar uma praça para atender seu povo.
Embora não creia que os políticos tradicionais sejam capazes de entender
direito o que se passa ou que estejam mesmo dispostos a abandonar seus maus
hábitos, torço para que o diálogo continue e dê certo.
Como torço pela selecão brasileira, nessa e em todas as Copas, em nome da
alegria e do amor ao futebol, que não pode ser sufocado por razões mesquinhas e
malfeitos dos outros.
Construir um estádio como o Mané Garrincha, numa cidade em que a última final
de campeonato teve menos de 2 mil espectadores, é uma insensatez e um
desperdício que nos faz desconfiar de quem o praticou.
Além de desrespeito ao brasileiro exemplar que deu o nome ao estádio. Mas
torcer por um time é um gesto de pertencimento e confraternização, uma coisa da
qual o país precisa muito. Domingo vou vestir minha camisa canarinho com o
número 10 às costas e pongar no bonde que leva a rapaziada pro Maracanã
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