Sempre me fascinou o tempo, rio que incessantemente nos carrega, nós distraídos
acumulamos bens supérfluos, sedentos de prazeres, carregando culpas inúteis,
tramando laços bons ou destrutivos, buscando muito mais que nossa dignidade.
Quem não quer um cargo melhor, maior salário, mais importância? Quem não há de
preferir harmonia, simplicidade, crescimento pessoal, amores bons?
domingo, 30 de junho de 2013
Crônicas do Dia - Governador, pare! - João Batista Damasceno
Manifestantes não se reúnem para cometer crimes. Apenas exercitam, em espaço público, direito constitucional
O Dia
Rio - Policiais devem ser responsabilizados pela truculência contra quem
exerce direito de reunião e manifestação do pensamento. Mas estão sujeitos à
hierarquia, e seus superiores têm responsabilidade pelo que fazem. O comandante
superior da polícia é o governador e, portanto, responsável, em última
instância, pelas brutalidades. Os danos causados à sociedade não são apenas os
provocados por vândalos, mas também os do aparato repressivo do Estado.
São difusos os descontentamentos da sociedade. As causas são, também, os
gastos com a Fifa e com os cartolas quando falta esparadrapo em hospitais, o
fechamento de escolas, a exclusão do povo dos estádios, as relações com
empreiteiras, as privatizações, a violência contra os índios, a má qualidade do
transporte, as remoções e a política de segurança — que amplia a insegurança nas
regiões desassistidas, promove a especulação imobiliária na Zona Sul e mata
pobres e negros na periferia.
A polícia chefiada pelo governador, cotidianamente truculenta, já teve a
ousadia de matar uma juíza sem que os condenados tenham sido excluídos da
corporação. A prisão abusiva de estudantes em manifestações, por formação de
quadrilha, é responsabilidade de quem prende, mas também de quem ordena. Se as
estatísticas policiais precisam de registros, há ilícito sendo praticado no
âmbito do Executivo: escutas telefônicas, com o uso do Guardião, no âmbito da
Seap, órgão que não tem poder para realizar investigação, ainda que o faça sob
as bênçãos do MP. Trata-se do mesmo órgão que violou direitos de jovens
manifestantes recentemente presos e expôs suas fotos com uniforme do sistema
prisional, quando ainda não acusados de qualquer delito. Formação de quadrilha
pressupõe a reunião permanente para cometer crimes.
Manifestantes não se reúnem para cometer crimes. Apenas exercitam, em espaço
público, direito constitucional.
Não são liberdades que geram as revoltas. São os abusos da classe dominante e
dos gerentes, os governantes.
Doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito. Membro da
Associação Juízes para a Democracia
Crônica do Dia - Rescaldo - José Miguel Wisnik
Teremos que nos acostumar com a dimensão simultaneísta, nada linear nem unânime, dos acontecimentos contemporâneos
Crônica do Dia - A 'Classe mídia' - Arnaldo Bloch
O grupo que marcou o Brasil nas últimas semanas é movido por intuições diversas e desligado de qualquer estrutura formal
sábado, 29 de junho de 2013
Crônica do Dia - Lembrando 68 - Zuenir Ventura
Uma das perguntas que mais ouvi nestes últimos dias foi sobre as semelhanças
e diferenças entre as manifestações de agora e as de 1968. Seria a reedição 45
anos depois de um modelo-matriz ou um fenômeno de massa inteiramente novo? Ou
seria um pouco de cada coisa? Talvez isso.
Te Contei, não ? - Projeto lança debate sobre a digitalização de livros
RIO - “Autores, reclamem seus direitos junto ao Estado ladrão!” As palavras de ordem foram publicadas no blog do ultraconectado escritor francês François Bon. Há algumas semanas, Bon e outros autores do país se lançaram numa cruzada contra a Biblioteca Nacional da França, responsável por um projeto de digitalização de 50 mil obras literárias do século XX publicadas no país. Batizado como Lei das Obras Indisponíveis, tinha como objetivo relançar comercialmente — no formato de ebook — livros esgotados há muito tempo, mas que ainda não caíram em domínio público. Com isso, devolveria à circulação publicações que se encontram fora do radar.
O governo, porém, esqueceu um detalhe: avisar os autores. Como muitos não desejavam um novo formato para suas obras, seguiu-se um debate envolvendo cartas públicas de repúdio, trocas de farpas nas redes sociais e muitas reportagens em tom de denúncia na imprensa francesa. O quadrinista e biógrafo Benoît Peeters, que teve três livros selecionados pelo projeto, acusa o governo de se apropriar indevidamente de suas obras.
— A lei fere os direitos autorais e cria uma total confusão sobre a questão da remuneração — diz, por e-mail, Peeters, que acaba de lançar no Brasil “Derrida” (Civilização Brasileira), biografia sobre o filósofo francês Jacques Derrida.
A proposta da Biblioteca chegou a ser definida como “pirataria oficial” por uma petição recém-lançada na internet. Procurado pelo GLOBO, o coletivo de escritores Droit du Serf, que vem questionando o projeto desde o seu lançamento, manifestou seu descontentamento com o modo de “consulta”. Em vez de publicar uma lista das obras, ou simplesmente contatar os autores para saber sua opinião, a instituição lançou um mecanismo de busca on-line. Quem por acaso quiser se opor à digitalização terá que procurar por seus próprios meios se tem livros selecionados e preencher um longo formulário com pelo menos seis meses de antecedência. Ou seja: cabe ao autor monitorar a lista e desempenhar seu direito de oposição junto à Biblioteca, contradizendo o Artigo 5.2 da Convenção de Berna (relativa à proteção das obras literárias e artísticas), que deixa claro que o exercício dos direitos não deve ser subordinado a qualquer formalidade.
— Digitalizar 50 mil livros em cinco anos levará a uma chegada massiva ao mercado, concorrendo diretamente com a publicação de obras inéditas e fragilizando os autores em atividade e os editores independentes que não dispõem dos catálogos faraônicos dos grupos editoriais — aponta o autor de ficção científica Yal Ayerdhal, membro do coletivo.
Os escritores se dizem excluídos das compensações financeiras. Votada às pressas em 2012, a lei previa um orçamento de até € 60 milhões para indenizar apenas os editores. O problema é que, décadas após suas primeiras publicações, a maioria dos contratos entre autores e editoras caducaram. A queixa, contudo, não é apenas de ordem financeira. Alguns autores e editores preparavam novas edições físicas dos volumes selecionados, revistas e ampliadas, quando foram pegos de surpresa.
Processo ‘humilhante’
Em sua defesa, a Biblioteca afirmou à imprensa francesa que, dado o número de obras selecionadas, seria impossível contatar diretamente os autores. Outro argumento é que basta preencher os formulários para ter seus livros retirados. De fato, uma visita ao site do projeto (relire.bnf.fr) prova que o sistema é prático: ao digitar seu nome no mecanismo de buscas, o autor tem acesso a todas as publicações listadas. Porém, Benoît Peeters conta que a etapa seguinte é “penosa, para não dizer humilhante”.
— Tive que provar que era de fato autor do meu próprio livro, depois enviar uma cópia de documentos de identidade, preencher um formulário incômodo e enviar tudo numa carta autenticada — relata.
No mês passado, o chargista François Cavanna mostrou à revista “Le Nouvel Observateur” sua perplexidade diante dos formulários que teria que preencher para cada um dos seus 12 livros “sequestrados”. Aos 90 anos, ele sofre de Alzheimer. E não tem ideia do que significa a palavra “internet”.
— A princípio, não me oponho à digitalização — diz Peeters. — Mas estamos diante de um problema individualizado: cada autor, cada livro indisponível, corresponde a uma realidade específica.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/projeto-lanca-debate-sobre-digitalizacao-de-livros-8702170#ixzz2Xet4g5qG
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Te Contei, não ? - As quadrilhas que são a cara da riqueza
RIO - Com as bênçãos de Santo Antônio, São Pedro e São João, simplesmente esqueça o vestidinho de chita, os retalhinhos de algodão, os bigodinhos feitos a carvão, o paletó puído e o chapéu de palha. Chegou a hora da fogueira, mas o que reluz agora, num número crescente de festas juninas cariocas, são as pedrarias, os cristais Swarovski e os efeitos em LED. Sim, os arraiás ganharam a cara da riqueza. Não quer dizer que barraquinhas com comidas típicas, bandeirinhas e o sanfoneiro estejam fora do caminho da roça. O que faz toda a diferença atualmente são as novas quadrilhas. Um luxo só. Com coreografias elaboradas, enredos, alegorias, figurinos rebuscados e até destaques, os grupos, formados por até 24 casais, levam a sério a tradição da dança originária da Holanda, popularizada na França, que desembarcou no Brasil, no século XIX, com a Corte de D. João VI. Montar a apresentação chega a custar R$ 200 mil. Esse gigantismo pode ser conferido em torneios que se estendem de maio a agosto. E em julho, pela primeira vez, a final do campeonato brasileiro de quadrilhas será no Rio. Prova de que as festas grandiosas não são mais exclusividade do Nordeste.
Te Contei,não ? - Festas Juninas recuperam a força e se multiplicam
RIO - Na terra do pandeiro e tamborim, quem vai ditar o ritmo até agosto é a sanfona, o triângulo e a zabumba. A cidade que, até um passado recente, andava com a programação minguada de festas de São João, de repente redescobriu as delícias da maçã do amor, do quentão e do pé de moleque... Os forrozeiros não podem se queixar porque o calendário de quermesses, festinhas de rua e megaeventos está mais cheio do que nunca.
Te Contei, não ? - Terra indígena sem índios
BRASÍLIA - Um relatório da Empresa Brasileira de Produção Agropecuária (Embrapa) põe em xeque dados usados pela Funai em estudos para a demarcação de terras indígenas nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, no Paraná. O documento informa que não existem índios em pelo menos quatro áreas indicadas pela Funai como território indígena. A Embrapa também informou à Casa Civil da Presidência que índios vindos do Paraguai estariam ocupando terras no Paraná, em busca de demarcação de território próprio.
Crônica do Dia - Oswald segundo Lobão - José Miguel Wisnik
Antropofagia oswaldiana não é canibalismo, não é nacionalismo. ‘Bárbaro tecnizado’ é roquenrou: aí Lobão acertou
Estive lendo Lobão, “Manifesto do nada na terra do nunca”. Em meio à saraivada de opiniões no autêntico estilo rebelde adolescente tardio, me interesso pelo ímpeto mais ambicioso do livro: desmitificar o pensamento de Oswald de Andrade, num tête-à-tête irreverente e afinal amistoso com o autor do “Manifesto antropófago”. Nas primeiras páginas, Lobão dá uma amostra do seu método crítico. Diz que Oswald sustenta, no seu texto chamado “O antropófago”, que o homem é “um subanimal entre todos os animais”, pois demora vinte anos para amadurecer, enquanto “um elefante já está pronto para a vida adulta aos dois anos de idade”. Lobão entende que Oswald está julgando “o grau de evolução da nossa espécie” como inferior a todas as outras, e tira como consequência disso a ideia de que, para Oswald, “o trabalho é fruto do homem inferior”, pois o desejo mais profundo do homem é o ócio. Conclui que a antropofagia é uma exaltação indiscriminada da preguiça, recaindo no nacionalismo indolente, oportunista e inconsequente. Vincula o pensamento de Oswald ao pior do Brasil, isto é, a identificação autocomplacente e laudatória com a inferioridade assumida.
Como é difícil conter essa cadeia associativa, voltemos ao começo. Oswald não diz que o humano é um ser inferior, mas que é a espécie que nasce desprotegida biologicamente, dotada de um “déficit essencial” que a faz carente de proteção e cuidado através dos anos. Um potrinho se ajeita nas pernas e sai andando pouco depois de nascer, um bebê não. O ser humano nasce como feto, e é esse atraso uma possível razão paradoxal do desenvolvimento, em nós, desse equipamento simbólico suplementar que é a linguagem. Como se pode ver em “A crise da filosofia messiânica”, Oswald não pretende ter inventado essa teoria, cujas fontes neodarwinistas ele mesmo aponta. Num artigo recente no “Estadão”, o biológo Fernando Reinach comentava a mesma tese, amplamente aceita hoje, da neotonia (dizia que deveríamos não apressar a alfabetização das crianças, como está na moda, porque o saber fica mais consolidado quando respeita esse traço constitutivo da espécie, sua demora). Toda a teoria do imaginário e da “etapa do espelho” em Lacan, por sua vez, está baseada na ideia do caráter originariamente prematuro do humano. Giorgio Agamben trata disso em “A ideia da infância”: a singularidade do desenvolvimento mental humano, seu avanço, tem a ver paradoxalmente com o fato de que seu ponto de partida é uma espécie de regressão biológica.
De maneira nada acadêmica, irregular, discutível, fulgurante e muitas vezes antecipatória, Oswald tratou sozinho, no Brasil, dessa e de outras questões que reconhecemos em pensadores que entraram em moda posteriormente (a revolução sexual reichiana, o sentimento órfico de Marcuse, a aldeia global de Macluhan, a descontrução de Derrida, a precedência da dívida sobre o dinheiro nas relações humanas, que se vê no livro recentíssimo de David Graeber). São inquietações estimulantes, nada óbvias, principalmente no contexto em que se deram, e desenvolvidas sem interlocução.
Facilmente ridicularizável pelas relações arriscadas, pela provocação, pelas elipses, pelo humor e pelo desejo utópico que a alimenta, essa filosofia de poeta não têm nada de primária e pede sempre um salto mortal na leitura. É quase natural que seu empuxe provocativo seja diluído por seguidores (que professam a ideia fácil de misturar tudo com tudo, de comer e “vomitar” influências) e pelos contrários, como Lobão, que fazem a mesma coisa, ao criticá-lo. Pois esse é um método frequentemente praticado por articulistas de opinião que se querem polêmicos: tornar primário o objeto de que se fala e no mesmo ato criticar o primarismo daquilo de que se está falando.
Lobão tem o mérito de comentar palavra por palavra do “Manifesto antropófago”, com uma sanha totalizante comparável nisso à da “Macumba antropófaga” de Zé Celso, que é o seu oposto. Acho que ele é sincero. Não falta amor nesse enfrentamento, a seu modo, embora falte humor e o senso dos registros múltiplos do pensamento. Suas perguntas ao texto vão em linha reta do literal mal assimilado para o judicativo, sem contemplação para o contexto, a figuração e o paradoxo.
Antropofagia oswaldiana não é canibalismo, não é nacionalismo, não se opõe à técnica, à crítica e ao rigor. “Bárbaro tecnizado” é roquenrou: aí Lobão acertou.
No final do livro, propõe um simpático abraço cósmico de amigo-irmão e convida o modernista para um papo de botequim (que, aliás, em nenhum momento deixou de ser). Nesse espelhamento, não seria mal tomar para si o conselho que dá a Oswald: “Agora só falta começar a pensar com mais clareza, menos rancor e menos presepada retórica de significado duvidoso”
Antropofagia oswaldiana não é canibalismo, não é nacionalismo. ‘Bárbaro tecnizado’ é roquenrou: aí Lobão acertou
Estive lendo Lobão, “Manifesto do nada na terra do nunca”. Em meio à saraivada de opiniões no autêntico estilo rebelde adolescente tardio, me interesso pelo ímpeto mais ambicioso do livro: desmitificar o pensamento de Oswald de Andrade, num tête-à-tête irreverente e afinal amistoso com o autor do “Manifesto antropófago”. Nas primeiras páginas, Lobão dá uma amostra do seu método crítico. Diz que Oswald sustenta, no seu texto chamado “O antropófago”, que o homem é “um subanimal entre todos os animais”, pois demora vinte anos para amadurecer, enquanto “um elefante já está pronto para a vida adulta aos dois anos de idade”. Lobão entende que Oswald está julgando “o grau de evolução da nossa espécie” como inferior a todas as outras, e tira como consequência disso a ideia de que, para Oswald, “o trabalho é fruto do homem inferior”, pois o desejo mais profundo do homem é o ócio. Conclui que a antropofagia é uma exaltação indiscriminada da preguiça, recaindo no nacionalismo indolente, oportunista e inconsequente. Vincula o pensamento de Oswald ao pior do Brasil, isto é, a identificação autocomplacente e laudatória com a inferioridade assumida.
Como é difícil conter essa cadeia associativa, voltemos ao começo. Oswald não diz que o humano é um ser inferior, mas que é a espécie que nasce desprotegida biologicamente, dotada de um “déficit essencial” que a faz carente de proteção e cuidado através dos anos. Um potrinho se ajeita nas pernas e sai andando pouco depois de nascer, um bebê não. O ser humano nasce como feto, e é esse atraso uma possível razão paradoxal do desenvolvimento, em nós, desse equipamento simbólico suplementar que é a linguagem. Como se pode ver em “A crise da filosofia messiânica”, Oswald não pretende ter inventado essa teoria, cujas fontes neodarwinistas ele mesmo aponta. Num artigo recente no “Estadão”, o biológo Fernando Reinach comentava a mesma tese, amplamente aceita hoje, da neotonia (dizia que deveríamos não apressar a alfabetização das crianças, como está na moda, porque o saber fica mais consolidado quando respeita esse traço constitutivo da espécie, sua demora). Toda a teoria do imaginário e da “etapa do espelho” em Lacan, por sua vez, está baseada na ideia do caráter originariamente prematuro do humano. Giorgio Agamben trata disso em “A ideia da infância”: a singularidade do desenvolvimento mental humano, seu avanço, tem a ver paradoxalmente com o fato de que seu ponto de partida é uma espécie de regressão biológica.
De maneira nada acadêmica, irregular, discutível, fulgurante e muitas vezes antecipatória, Oswald tratou sozinho, no Brasil, dessa e de outras questões que reconhecemos em pensadores que entraram em moda posteriormente (a revolução sexual reichiana, o sentimento órfico de Marcuse, a aldeia global de Macluhan, a descontrução de Derrida, a precedência da dívida sobre o dinheiro nas relações humanas, que se vê no livro recentíssimo de David Graeber). São inquietações estimulantes, nada óbvias, principalmente no contexto em que se deram, e desenvolvidas sem interlocução.
Facilmente ridicularizável pelas relações arriscadas, pela provocação, pelas elipses, pelo humor e pelo desejo utópico que a alimenta, essa filosofia de poeta não têm nada de primária e pede sempre um salto mortal na leitura. É quase natural que seu empuxe provocativo seja diluído por seguidores (que professam a ideia fácil de misturar tudo com tudo, de comer e “vomitar” influências) e pelos contrários, como Lobão, que fazem a mesma coisa, ao criticá-lo. Pois esse é um método frequentemente praticado por articulistas de opinião que se querem polêmicos: tornar primário o objeto de que se fala e no mesmo ato criticar o primarismo daquilo de que se está falando.
Lobão tem o mérito de comentar palavra por palavra do “Manifesto antropófago”, com uma sanha totalizante comparável nisso à da “Macumba antropófaga” de Zé Celso, que é o seu oposto. Acho que ele é sincero. Não falta amor nesse enfrentamento, a seu modo, embora falte humor e o senso dos registros múltiplos do pensamento. Suas perguntas ao texto vão em linha reta do literal mal assimilado para o judicativo, sem contemplação para o contexto, a figuração e o paradoxo.
Antropofagia oswaldiana não é canibalismo, não é nacionalismo, não se opõe à técnica, à crítica e ao rigor. “Bárbaro tecnizado” é roquenrou: aí Lobão acertou.
No final do livro, propõe um simpático abraço cósmico de amigo-irmão e convida o modernista para um papo de botequim (que, aliás, em nenhum momento deixou de ser). Nesse espelhamento, não seria mal tomar para si o conselho que dá a Oswald: “Agora só falta começar a pensar com mais clareza, menos rancor e menos presepada retórica de significado duvidoso”
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/oswald-segundo-lobao-8621996#ixzz2Xemu2myG
Crônica do Dia - Só o índio protesta - Arnaldo Bloch
São eles que catalisam, de maneira difusa, toda indignação pátria que não é resolvida através do lobby
Artigo de Opinião - Mais ou menos educação - Hamilton Werneck
O projeto do governo federal Mais Educação é, em si, boa ideia
Te Contei, não ? - Os muitos signos de Camões
RIO - As circunstâncias que envolvem o nascimento de Luís de Camões permanecem um grande segredo da literatura portuguesa. Como não se sabe a data exata em que o autor de “Os Lusíadas” veio ao mundo, ficou impossível atribuir-lhe um signo. Pensando nisso, o poeta brasiliense Luis Maffei mergulhou num projeto inusitado: para cada uma das constelações do zodíaco, compor um poema com a premissa de que o bardo pertenceria a ela. O resultado são as 12 poesias de “Signos de Camões”, jogo de espelhos que relaciona os mistérios da astrologia e as diversas facetas da obra camoniana. Publicado em fevereiro pela Companhia das Ilhas, de Portugal, o livro será lançado no Brasil pela editora carioca Oficina Raquel, amanhã, às 18h, no Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense.
— A astrologia sempre me interessou, mas sou leigo no assunto — explica Maffei. — Do que mais gosto são as interseções entre os signos, os pontos de contatos... Existe essa ideia de encontro, que tem tudo a ver com a obra de Camões. A beleza das indicações dos mapas astrológicos é mostrar o quanto somos plurais, da mesma forma que Camões foi um poeta muito diverso. Para mim, é uma relação essencial.
Caráter revolucionário
Os poemas dialogam com as características mais óbvias e conhecidas de cada signo. Em Aquário, a constelação da liberdade, Maffei adota versos livres; já em Virgem, conhecida pela organização, arrisca-se nas formalidades da sextina, um dos sistemas estróficos mais exigentes e raros da poesia (o próprio Camões se aventurou apenas uma única vez no formato). Gêmeos, por sua vez, traz uma reflexão sobre o duplo, remetendo à obra de Fernando Pessoa (“O maior dos geminianos”, segundo Maffei). E assim a brincadeira prossegue, com o poeta ora emulando o estilo do seu xará, ora fazendo alusões a temas recorrentes de sua obra.
Logo na abertura, ele busca em Áries a ideia de infância e renovação, estabelecendo um diálogo entre a tradição clássica da poesia portuguesa e a modernidade urbana do Novo Mundo, as grandes navegações e o século XXI. Imagens fortes ressaltam a contemporaneidade de Camões. “Nada temo pois te tenho, e na cidade rejeitada, Babel precária, surda e velha, é onde te vejo e ao mar novo, terra fértil, fronte a criar criança e povoamento”, escreve.
— Na astrologia, revolução é uma palavra-chave para definir o movimento de um astro dentro de um determinado ciclo — lembra Maffei. — E quando escrevo sobre Camões, tento mostrar o caráter revolucionário da sua poesia. Ele é revolucionário pela maneira aberta com que convive com contradições. Por isso, é o mais contemporâneo dos poetas, embora tenha sido muito mal lido, usado para fins políticos até metade do século XX.
A multiplicidade de Camões também está representada na variedade formal dos 12 poemas. Maffei abraça quase todos os sistemas poéticos possíveis, indo do soneto ao verso livre. A obra traz elegias (Câncer), canções (Sagitário), sextinas (Virgem), além de dois sonetos e dois poemas em prosa.
Sagitariano com ascendente em Virgem, Maffei não tem conhecimento profundo de astrologia. Por isso, contou com as dicas da escritora e astróloga profissional Roberta Ferraz, que assina o posfácio da obra. E se ele tivesse que chutar o signo de seu xará?
— Aquário, constelação da revolta — responde. — Por outro lado, Camões tinha uma ideia muito radical de justiça, não apenas justiça política, mas também amorosa. Então eu poderia aceitar muito bem sagitariano. Se bem que ele também tem o lado Escorpião ligado ao mistério, Virgem à reflexão sobre a ordem, Capricórnio ao maternal... Pensando melhor, ele poderia ser de todos os signos. E isso que é bonito.
O livro será lançado amanhã durante o colóquio Um Dia de Camões, que começa às 8h30m, e conta com palestras de especialistas da literatura portuguesa, como Jorge Fernandes da Silveira e Cleonice Berardinelli. O evento celebra o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, feriado nacional em terras lusas, em que se assinala a morte do poeta.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/escritor-brasiliense-homenageia-camoes-em-livro-de-signos-8632676#ixzz2XeAPFGQj
Te Contei, não ? - MS: uma década de disputas por terras
SIDROLÂNDIA (MS) Cenário de seguidos conflitos de terra, a região de Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul, há anos arrasta, sem solução, um problema que coloca em lados opostos índios e fazendeiros. Muitas vezes, os casos de ocupação de fazendas não terminam em reintegração de posse. Há exemplos de propriedades ocupadas há mais de uma década. Com processos que se estendem há anos na Justiça, algumas dessas áreas já se transformaram em aldeias, apesar de os índios não terem a posse definitiva do terreno.
quarta-feira, 26 de junho de 2013
Te Contei, não ? - A Matemática por trás dos protestos
O problema, para quem não gosta dos protestos, é o alto poder de disseminação de ideias das redes sociais
terça-feira, 25 de junho de 2013
Te Contei, não ? - PEC 37 - Dois olhares
A melhor alternativa
Entre as incontáveis mensagens em cartazes e faixas nas históricas manifestações de rua dos últimos dias, algumas trataram da Proposta de Emenda Constitucional nº 37, a PEC-37, redigida para cassar o poder do Ministério Público de fazer investigações criminais. “Abaixo a impunidade, Contra a PEC 37”, protestava uma faixa, por exemplo, em Brasília, terça-feira da semana passada, à frente do Congresso. A relação entre a impunidade e a aprovação da emenda à Constituição fruto do corporativismo policial é indiscutível. Afinal, foi a partir da independência recebida pela Carta de 1988 que o MP pôde ter um papel atuante no combate à corrupção na vida pública. A atuação da Procuradoria-Geral da República no encaminhamento da denúncia e condenação dos mensaleiros é um grande exemplo da importância do MP no Brasil. E há outros.
É compreensível, portanto, que o assunto frequente as manifestações, deflagradas formalmente devido ao aumento de tarifas de ônibus, mas movidas por uma série de insatisfações, algumas difusas, mas outras bastante objetivas, como o baixo nível ético no exercício da política, somado à lentidão e pouca eficácia em geral do Judiciário na punição de criminosos de colarinho branco.
A própria origem da PEC-37 e os apoios que tem recebido no Congresso — entre eles, de alguns petistas interessados em dar o troco ao MP em nome de mensaleiros condenados — reforçam a resistência à emenda. Ela é de autoria do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), não por coincidência um delegado de polícia. Além de petistas, atrai a simpatia de todo político com interesses contrariados pelo Ministério Público.
O melhor desfecho seria a comissão criada pelo presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), para conciliar interesses de policiais e membros do Ministério Público e chegar a algum consenso antes da votação da PEC. Não chegou e, em nome do impasse, Henrique Alves anuncia o adiamento da votação para julho, com o apoio do PT. A oposição identifica no adiamento efeitos da citação da PEC-37 nas manifestações de rua. Votar depois, com as ruas vazias, facilitaria a aprovação. A ver. A única alternativa correta é a rejeição da proposta.
Há debates jurídicos sobre o espaço legal de atuação do MP. No Supremo, um processo de reclamação contra o Ministério Público instaurado a pedido de um político condenado numa investigação de procuradores recebeu voto favorável do relator do caso, ministro Cezar Peluso, já aposentado. Porém, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Ayres Britto, este também aposentado, tiveram opinião contrária, embora os dois primeiros limitassem a ação independente do MP a certos tipos de crimes.
Ministros do STF, portanto, concordam com o poder de investigação do MP, em alguma medida. Outro aspecto é que, se procuradores e promotores não puderem investigar crimes, esta função essencial se tornará monopólio de um braço do Poder Executivo. Ora, esta tem de ser função de Estado, não exclusiva de governos.
Principio equivocado
Odebate sobre a PEC 37 tem sido marcado pelo impasse. O nó se deve a um equívoco de princípio: não se pode retirar de algo — no caso, a Constituição — aquilo que nela não está expresso. Explicando: é um sofisma a argumentação dos representantes do Ministério Público segundo a qual a Carta asseguraria aos promotores o pressuposto de presidir inquéritos, ou seja, de o MP ser condômino de uma atribuição — esta sim garantida por dispositivo constitucional — legal e especificamente consagrada às corporações policiais, qual seja a de exercer o papel de Polícia Judiciária.
O que está em questão, basicamente, é o artigo 144 da Constituição, que dispõe claramente sobre a competência para a instauração de inquéritos. Note-se que, pelo artigo 129 da Carta Magna, compete ao Ministério Público requisitar a instauração do inquérito penal, não instaurá-lo. É elucidativo trazer a relevo entendimento do então ministro do STF Cezar Peluso sobre a questão. Em sessão de junho de 2012, ele destacou que “o MP apenas pode realizar investigações criminais quando a investigação tiver por objeto fatos teoricamente criminosos praticados por membros ou servidores do próprio MP, por autoridades ou agentes policiais e, ainda, por terceiros, quando a autoridade policial, notificada sobre o caso, não tiver instaurado o devido inquérito policia l”. Escora-se, assim, a PEC 37 em sólidos argumentos, seja à vista da Carta maior, seja à luz do arrazoado de um dos mais ilustres integrantes do Poder Judiciário do país.
Veja-se, ainda, a questão por outro ângulo que não o da interpretação legislativa. As funções judiciárias são claramente delimitadas na Constituição, cabendo ao Judiciário o poder de julgar, ao MP o papel de apresentar denúncia e acusação, e à advocacia o de realizar o inalienável direito de defesa. O Ministério Público, portanto, é sempre e indissociavelmente parte dos processos. Como tal, tem interesse implícito nas ações levadas a julgamento. Ora, aceito o alegado princípio da competência do MP de presidir inquéritos criminais, estaria o primado jurídico do país contaminado por uma contradição de graves consequências — a de uma mesma parte apresentar denúncias e produzir provas ao arrepio da atuação da Polícia Judiciária. Não é, com certeza, uma situação jurídica cara a um estado democrático de direito.
Cumpre, portanto, à PEC 37 restabelecer o primado da legalidade, agravado por uma interpretação heterodoxa da Constituição. Ademais, registre-se que ao MP não está reservada, no texto em discussão, a exclusão no andamento de inquéritos criminais. A ele permanece assegurado, como inscrito na Carta, o direito de participar de investigações, solicitar diligências, enfim, atuar ativamente nos inquéritos policiais, desde que requisitado pelas corporações imbuídas do legítimo papel de Polícia Judiciária. Em suma, exclua-se do debate o erro de princípio, e estarão abertas as portas para o desejado consenso sobre tão relevante questão.
Rodrigo Ribeiro é advogado
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/principio-equivocado-8774484#ixzz2XHLsEGaF
Crônica do Dia - Faltam professores
O GLOBO - 24/06
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NONO ANO 2013 / ATIVO,
OITAVO ANO 2013 / ATIVO,
Pais,
Professores,
SÉTIMO ANO 2013 /ATIVO
Crônica do Dia - As minorias - Moacyr Luz
É a insanidade tocando a lira com as nossas veias, nossas tripas enfartadas
Te Contei, não ? - Rebeldia que ultrapassa gerações
Diretor de ‘Anos Rebeldes’, reprisada no ‘Viva’, admite que a minissérie motivou a juventude a protestar por seus direitos
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Artigo de Opinião - Margens rompidas
Passamos do riso para a seriedade da revolta frente ao Estado corrompido, sem nenhuma vergonha das suas falcatruas
domingo, 23 de junho de 2013
sábado, 22 de junho de 2013
Falou & Disse - Frases de Fernando Pessoa
Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?
Fernando Pessoa
As vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.
Fernando Pessoa
Para viajar basta existir.
Fernando Pessoa
Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar com o que eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
transformada a forma para a casar com o que eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Fernando Pessoa
Tenho em mim todos os sonhos do mundo
Fernando Pessoa
Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.
Fernando Pessoa
Haja ou não deuses, deles somos servos.
Fernando Pessoa
Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.
Fernando Pessoa
Tá na Hora do Poeta - Poema do Menino Jesus - Fernando Pessoa
Poema do Menino Jesus
Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
(...)
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
(...)
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
(...)
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?
Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
(...)
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
(...)
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
(...)
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?
Resenhas - Fernando Pessoa
A efeméride do dia 13 de junho marca o nascimento de um dos maiores poetas da literatura universal, o português Fernando Pessoa, que faz, este ano, seu 124º aniversário. Compreendendo de forma singular seu tempo e nacionalidade – afinal, foi ele que escreveu a famosa frase “a minha pátria é a língua portuguesa” –, o poeta submergiu nos conflitos e angústias da modernidade trazendo à tona uma comunicação clara e uma poesia compreensível, embora ainda haja muito a se entender sobre sua persona, ou melhor, suas personas.
Editorial - Ultrapassou os limites
De quinta-feira da semana passada, quando a violenta e despropositada ação da tropa de choque da PM de São Paulo contra um grupo de manifestantes do Movimento Passe Livre (MPL) serviu de centelha para uma adesão maciça às manifestações de rua, até ontem, a mobilização cumpriu um percurso meteórico.
Crônica do Dia - Protesto sim, arrastão nao - Zuenir Ventura
Calcula-se que mais de um milhão de pessoas participaram das últimas
manifestações em todo o país. Destas, é provável que a maioria tenha sido
formada por jovens entre 15 e 35 anos, ou seja, aquela turma que os americanos
chamam (e nós repetimos) de “geração do milênio”, “geração internet” ou “geração
me”, por ser supostamente individualista, narcisista, ansiosa, dependente dos
smartphones e, sobretudo, alienada.
Te Contei,não ? - Uma revolta por 20 réis
Em primeiro de janeiro de 1880, os cariocas inauguraram, por assim dizer, uma nova modalidade de protesto na cidade: a manifestação social. O motivo era bem claro, a cobrança de uma taxa de 20 réis (ou um vintém, a menor moeda que existia na época) sobre um dos principais meios de transporte urbano de então, o bonde puxado a burros. A despeito de reclamações nos dias anteriores, no primeiro dia da vigência do novo imposto, a maioria das empresas simplesmente o repassou para a passagem, atingindo em cheio o bolso dos menos favorecidos.
Te Contei, não ? - Uma revolta por 20 réis
Ocorrida no fim do 1879 e no começo de 1880, no Rio de Janeiro, ela foi motivada pelo imposto de vinte réis sobre todos os passageiros que usavam bondes a mula; segundo o historiador Kenneth Maxwell, ela chocou o regime imperial e o imposto teve que ser retirado, assim como o aumento da tarifa dos ônibus
Crônica do Dia - Estranha primavera - Arnaldo Bloch
— Liderança é o cacete—, protesta uma jovem, com a expressão rútila. Um grito da sociedade fragmentária? Ou de uma sociedade na qual o cacete é o líder?
Artigo de Opinião - Esporte se aprende na escola - André Lazaroni
O Rio respira esporte, com a Copa das Confederações, o Mundial da Fifa e os Jogos Olímpicos
Artigo de Opinião - A manifestação líquida
Seria bom voltarmos a ler Zygmunt Bauman, em 'Vida Líquida'
sexta-feira, 21 de junho de 2013
Tá na Hora do Poeta - Ultimatum - Fernando Pessoa
ULTIMATUM
Fora tu, reles esnobe plebeu
E tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade
E tu, qualquer outro
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles
Todos
Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
E tu, Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir
Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo
Vós, anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhador
Para quererem deixar de trabalhar
Sim, todos vós que representais o mundo
Homens altos
Passai por baixo do meu desprezo
Passai aristocratas de tanga de ouro
Frouxos/ Passai radicais do pouco
Quem acredita neles?
Mandem isso tudo para casa
Descascar batatas simbólicas
Fechem-me isso tudo a chave
E deitem a chave fora
Sufoco de ter só isso a minha volta
Deixem-me respirar
Abram todas as janelas
Abram mais as janelas
Do que todas as janelas que há no mundo
Nenhuma idéia grande
Nenhuma corrente política
Que soe a uma idéia grão
E tu, Brasil...
O mundo quer a inteligência nova
O mundo tem sede de que se crie
Porque aí está a apodrecer a vida
Quando muito é estrume para o futuro
O que aí está não pode durar
Porque não é nada
Eu da raça dos navegadores
Afirmo que não pode durar
Eu da raça dos descobridores
Desprezo o que seja menos
Que descobrir um mundo novo
Proclamo isso bem alto
Braços erguidos
Fitando o Atlântico
E saudando abstractamente o infinito.
E tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade
E tu, qualquer outro
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles
Todos
Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
E tu, Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir
Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo
Vós, anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhador
Para quererem deixar de trabalhar
Sim, todos vós que representais o mundo
Homens altos
Passai por baixo do meu desprezo
Passai aristocratas de tanga de ouro
Frouxos/ Passai radicais do pouco
Quem acredita neles?
Mandem isso tudo para casa
Descascar batatas simbólicas
Fechem-me isso tudo a chave
E deitem a chave fora
Sufoco de ter só isso a minha volta
Deixem-me respirar
Abram todas as janelas
Abram mais as janelas
Do que todas as janelas que há no mundo
Nenhuma idéia grande
Nenhuma corrente política
Que soe a uma idéia grão
E tu, Brasil...
O mundo quer a inteligência nova
O mundo tem sede de que se crie
Porque aí está a apodrecer a vida
Quando muito é estrume para o futuro
O que aí está não pode durar
Porque não é nada
Eu da raça dos navegadores
Afirmo que não pode durar
Eu da raça dos descobridores
Desprezo o que seja menos
Que descobrir um mundo novo
Proclamo isso bem alto
Braços erguidos
Fitando o Atlântico
E saudando abstractamente o infinito.
(Álvaro de Campos, 1917)
Editorial - Desdobramentos da mobilização
Publicado:
Será ingênuo o administrador municipal ou político estadual e federal que considerar o recuo no reajuste das tarifas, decisão inevitável, capaz de esvaziar o movimento que acaba de descobrir o caminho das ruas. Não se consegue ocupá-las indefinidamente. Há uma natural fadiga. Mas, tudo indica, muita coisa na política brasileira não será mais como antes depois da erupção de insatisfações que tomou conta do asfalto, à margem de partidos, sindicatos, organizações ditas sociais, e apesar de todo o poder de cooptação demonstrado pelo governo federal nos últimos 12 anos.
O movimento — horizontalizado, sem muitas lideranças visíveis, alimentado pelas redes sociais — tem grandes desafios depois da primeira vitória. O que fazer agora? Já surgiu a ideia de se dar prioridade ao passe livre. Ora, se o recuo em R$ 0,20 representará um aumento de milhões no subsídio que os cofres estaduais e municipal do estado e cidade de São Paulo, por exemplo, concedem ao transporte, a gratuidade, então, se mostra uma impossibilidade fiscal e aritmética.
Mas o movimento não se esgota no custo do transporte de massa. Vai muito além, e trata de algo mais amplo, decorrente de um estado de coisas criado por um modelo de gestão que sacrifica o contribuinte e não dá à população retorno proporcional aos impostos que cobra. A carga tributária é escorchante e nada que é devolvido ao povo tem o tal "padrão Fifa" reclamado em faixas e cartazes.
Há, ainda, a denúncia, presente nas concentrações e passeatas, do deplorável padrão ético no exercício da política, em que reina o fisiologismo do toma lá dá cá e campeia a impunidade, percepção ainda mais agravada com a ideia, interpretada nas ruas, de que a condenação dos mensaleiros não é "pra valer".
Ligada ao tema, há uma profusão de cartazes contra a “PEC-37”, código cifrado de uma emenda constitucional apresentada para cassar o poder de investigação do Ministério Público, e identificada nas manifestações como sinônimo de impunidade — e com razão. Fica provado que não há tema, por mais hermético que pareça ser, que escape da atenção desse novo mundo digital.
A magnitude das manifestações de ontem, em várias capitais, transcende a comemoração pela vitória na luta das tarifas e reforça o desafio: como transformar em ações concretas a enxurrada de críticas, reivindicações e desabafos mostrados por milhares de pessoas, em todo o país, durante estes dias. Anuncia-se o encaminhamento de um projeto de origem popular para a instituição do passe livre. A iniciativa permite, ao menos, discutir-se de forma objetiva as fontes de custeio para financiar a gratuidade.
Haja outras ações deste tipo ou não, é necessário não se deixar dissipar a energia mobilizada em todas essas manifestações, para o encaminhamento de reformas com vistas à melhoria do quadro político e da administração pública, tudo sempre dentro dos marcos legais.
O movimento — horizontalizado, sem muitas lideranças visíveis, alimentado pelas redes sociais — tem grandes desafios depois da primeira vitória. O que fazer agora? Já surgiu a ideia de se dar prioridade ao passe livre. Ora, se o recuo em R$ 0,20 representará um aumento de milhões no subsídio que os cofres estaduais e municipal do estado e cidade de São Paulo, por exemplo, concedem ao transporte, a gratuidade, então, se mostra uma impossibilidade fiscal e aritmética.
Mas o movimento não se esgota no custo do transporte de massa. Vai muito além, e trata de algo mais amplo, decorrente de um estado de coisas criado por um modelo de gestão que sacrifica o contribuinte e não dá à população retorno proporcional aos impostos que cobra. A carga tributária é escorchante e nada que é devolvido ao povo tem o tal "padrão Fifa" reclamado em faixas e cartazes.
Há, ainda, a denúncia, presente nas concentrações e passeatas, do deplorável padrão ético no exercício da política, em que reina o fisiologismo do toma lá dá cá e campeia a impunidade, percepção ainda mais agravada com a ideia, interpretada nas ruas, de que a condenação dos mensaleiros não é "pra valer".
Ligada ao tema, há uma profusão de cartazes contra a “PEC-37”, código cifrado de uma emenda constitucional apresentada para cassar o poder de investigação do Ministério Público, e identificada nas manifestações como sinônimo de impunidade — e com razão. Fica provado que não há tema, por mais hermético que pareça ser, que escape da atenção desse novo mundo digital.
A magnitude das manifestações de ontem, em várias capitais, transcende a comemoração pela vitória na luta das tarifas e reforça o desafio: como transformar em ações concretas a enxurrada de críticas, reivindicações e desabafos mostrados por milhares de pessoas, em todo o país, durante estes dias. Anuncia-se o encaminhamento de um projeto de origem popular para a instituição do passe livre. A iniciativa permite, ao menos, discutir-se de forma objetiva as fontes de custeio para financiar a gratuidade.
Haja outras ações deste tipo ou não, é necessário não se deixar dissipar a energia mobilizada em todas essas manifestações, para o encaminhamento de reformas com vistas à melhoria do quadro político e da administração pública, tudo sempre dentro dos marcos legais.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/desdobramentos-da-mobilizacao-8759859#ixzz2WuIA4Anu
Crônica do Dia - Mocidade Independente
Nelson Motta, O Globo
Discursando para um auditório lotado de políticos, empresários, lobistas e
funcionários, a presidente Dilma advertiu que “esta mensagem direta das ruas é
de repúdio à corrupção e ao uso indevido do dinheiro público” e foi aplaudida
entusiasticamente pelos presentes, como se ninguém ali tivesse nada a ver com
isso.
A democracia representativa foi desmoralizada pelos políticos, que a usaram
para representar apenas os seus próprios interesses e de seus partidos, e agora
os jovens gritam nas ruas “o povo unido/sem sigla e sem partido”, e são
aplaudidos pela população. Para não ser vencido, o povo unido precisa estar
representado no poder.
O governo e o Congresso não enfrentam uma urgente e fundamental reforma
politica porque os políticos não querem se mostrar como são: incapazes de chegar
a qualquer acordo no interesse do país — porque só sabem defender seus próprios
interesses e de seus partidos, como uma corporação que se apossou do Estado e o
usa em seu beneficio. Por isso os jovens gritam contra os privilégios dos
políticos. E eles fingem que não é com eles.
Hoje as ruas gritam contra os gastos e roubalheiras da Copa do Mundo, que vai
consumir bilhões de reais e o povo vai ver pela televisão, enquanto os velhos
políticos e as novas elites da era Lula estarão lado a lado na tribuna dos
privilegiados.
Contrastando com o Brasil Maravilha que o embriagador marketing oficial
mostra na TV, pago com dinheiro público, o Brasil real está nas ruas.
As antigas militâncias apaixonadas, hoje amestradas e pagas, babam de inveja
diante da TV, velhos partidos tentam pegar carona no movimento e são
escorraçados. A maioria absoluta dos manifestantes despreza os atuais partidos —
mas exige ser representada, ter voz e direitos respeitados. Novas formas de
pressão e de expressão estão nas praças e no ar.
As cenas que vemos são uma representação dramática da insatisfação dos jovens
com o futuro que os espera, se continuarmos representados pelo que o Brasil tem
de pior, de saqueadores de verbas públicas a vândalos predadores.
No momento, quem me representa é meu neto de 17 anos.
Nelson Motta é jornalista.
Crônica do Dia - A falsa cura
Luiz Garcia, O Globo
É uma discussão secular e universal: o homossexualismo é opção de vida ou
doença? A primeira hipótese vem ganhando aceitação, e já há bastante tempo.
Principalmente nos países mais civilizados. No Brasil, pode-se dizer que isso
também acontece. Mais honestamente: começa a acontecer. Principalmente nas
grandes cidades.
Recentemente, por exemplo, o Conselho Federal de Psicologia — e, portando, o
governo — emitiu uma resolução proibindo os profissionais da área de tratarem
homossexuais, na chamada “cura gay”, uma expressão obviamente ofensiva, que
define o homossexualismo como uma doença, e não aquilo que realmente é: uma
opção de vida. Tem os seus tarados, é verdade — exatamente como acontece no
mundo heterossexual.
Outro dia, veio a reação do outro lado: a Comissão de Direitos Humanos da
Câmara aprovou um decreto legislativo em sentido contrário. Era uma iniciativa
do seu presidente, o deputado Marco Feliciano.
A “cura gay” levou paulada de todo lado. A ministra da Secretaria de Direitos
Humano, Maria do Rosário, falou em “absurdo” e “retrocesso”. E o Conselho
Federal de Medicina também criticou, com palavras duras.
Pelo visto, a iniciativa de Feliciano, que ainda tem longo caminho pela
frente, vai morrer na praia. Inclusive porque, como lembrou o deputado Arnaldo
Jody, não cabe ao Legislativo decidir sobre decisões oficiais do Conselho
Federal de Psicologia. O qual tem competência suficiente para saber o que é de
sua competência — e o que não é.
É pena que o Congresso perca tempo com temas que não são de sua competência.
Ou alguém acha que os psicólogos entendem menos de homossexualismo do que os
políticos?
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Crônicas,
discriminação,
NONO ANO 2013 / ATIVO,
OITAVO ANO 2013 / ATIVO,
Preconceito,
SÉTIMO ANO 2013 /ATIVO
Crônica do Dia - Sobre as ruas - Arthut Dapieve
A gente cansou de ouvir que era apática, até meio frígida, que não botava a boca no trombone
“Mas afinal o que querem as ruas?!
— O que nós queremos, Mário Alberto? Nós queremos é poder. Nós queremos poder. Você repara que nós não falamos “votar”, nós não falamos “exercer o direito cívico do voto”, nós não falamos “formar uma base aliada para dar governabilidade”. Nós falamos p-o-d-e-r. E nós não queremos poder apenas de quatro em quatro anos, não. Porque depois da eleição, você vira pro lado e começa a roncar. Só volta a olhar pra nossa cara e dizer que somos gostosas depois de quatro anos. Até lá, você quer é nos ver pelas costas. Nós queremos poder todos juntos de quatro em quatro anos nas urnas, sim, mas nós também queremos poder todo dia. Queremos poder com o estudante, com o professor, com o operário, com a economista, com o trocador de ônibus, o entregador de pizza. Nosso protesto é acima de tudo pelo direito de protestar, sem fingir que se vive sedado em Shangrilá. Cansamos de protestar na internet, só entre nós mesmos, ou você acha que o Serginho e o Duda leem Twitter? Marcamos encontros pelo Face, sem líderes. Não vem argumentar que as manifestações colocam em risco o Estado de Direito tão duramente conquistado. Nós até gostamos de posições tortuosas, mas essa dá um nó na espinha. Nós pensávamos que o estado de direito se caracterizava pelo direito de ir às ruas protestar pacificamente sem tomar bala de borracha no olho e bomba de gás lacrimogêneo no lombo. Uma garota de Belo Horizonte, a Nina Rocha, mandou muito bem em 96 toques: “Os manifestantes estavam incitando a violência é o novo ela estava usando roupa justa e decotada”. Se a gente não puder ir às ruas, Mário Alberto, ainda assim é Estado de Direito? A gente quer o Estado de Direito, o Estado de Esquerdo, o Estado de Cima, o Estado de Baixo, o Estado de Ladinho. A gente cansou de ouvir que era apática, até meio frígida, que não botava a boca no trombone. A gente quer deixar de ser só passiva, quer passar a ser ativa também. Não dá tesão olhar para o Congresso e ainda ver aquele senhor que pinta o bigode... o... como é mesmo o nome dele?
— José Sarney.
— Isso, o Sarney. Mas não é só ele, não. Tem o Maluf, o Garotinho, o Renan, o Jader, o Collor, todo o pessoal do Mensalão, o Azeredo. Eles não nos dizem nada, ficam fazendo troca-troca entre eles, brincando de quem-bota-quem-onde, toma-lá-dá-cá. Então, decidimos apimentar a relação pra chamar a atenção. É por isso que a gente está dando um gelo nos partidos políticos, em todos eles. Porque a gente cansou de ficar só assistindo à bacanal entre autoridades, empreiteiros e donos de empresas de ônibus. Nós queremos tudo de luz acesa e com votação nominal. A gente quer poder na mão do Ministério Público. Quer poder para cobrar educação, saúde e transporte públicos de qualidade, sem tanta roubalheira e incompetência. E não vem com esse discurso careta e conservador de que nós somos de classe média branca, não andamos de ônibus e não podemos protestar por causa de R$ 0,20. Você já ouviu falar em solidariedade social? Tudo bem que você não pratica, mas nós temos essa tara. Sabe os protestos contra os gastos na Copa das Confederações e na Copa do Mundo? Nada contra o futebol, imagina, a gente gosta do esporte e estava precisando mesmo de uns estádios mais confortáveis... Mas o que foi que vocês fizeram com o Engenhão? Agora, superfaturar R$ 1,2 bilhão no Maracanã e entregá-lo quase de mão beijada pra Odebrecht, pro Eike e pra AEG... Estão gozando com a nossa cara. A promessa era que não entraria dinheiro público, não era? Era um papinho do tipo “vou botar só a cabecinha”, né?
— (...)
— Você fica apoplético com os vândalos, a gente sabe, e é uma pena mesmo que manifestações tão bonitas terminem em quebra-quebra. Mas qualquer massa humana tem sua cota de depredadores, pensa num show de axé. Não liga, não, nas ruas esses caras também são uma minoria. É o pessoal sadomasoquista, que gosta de apanhar e de bater. Por isso é que eles curtem máscaras e roupas pretas. A maioria de nós gosta só de gritar, gritar muito, gritar palavras de ordem no ouvidinho, vaiar, fazer escândalo, deixar o suor colar nossas camisetas brancas no corpo, nos mamilos intumescidos de paixão pelo Brasil. Se não, né, vocês não nos ouvem. Nós queremos parar de ser enganadas, traídas, as últimas a saber, pelos jornais. E você às vezes ainda quer impedir que os jornais contem o que estão fazendo com a nossa poupança... Nós reivindicamos tudo, inclusive o direito de fazer trocadilhos infames com poupança, poder e, ai, ditadura. Não, não queremos dar mole para uma ditadura, como teme a velha esquerda e sonha a velha direita. A democracia oferece possibilidades mais interessantes, e quem disse que ela é impotente? Quando a gente vai às ruas, não está testando a democracia, está exercendo plenamente a democracia. É isso que nós queremos, Mário Alberto. E você?
— Eu... Eu aceito a banana.
Meus agradecimentos à garotada, ao pessoal do Porta dos Fundos e à Patroa pela inspiração.
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