Novo relatório mostra que nove entre dez alunos saem do ensino médio sem saber o básico da disciplina. Saiba o que as escolas estão fazendo para reverter esse quadro
Por Laura Daudén
Os mapas e desenhos nas paredes, as mochilas coloridas pelo chão e o ruído inquieto na sala de aula enganam quem acredita que o colégio estadual Dr. Luis Arrobas Martins, localizado no bairro paulistano de Vila Cruzeiro, é apenas mais um na problemática rede pública de ensino do País. As crianças que estão sentadas em suas fileiras tiveram um dos melhores desempenhos em matemática do Estado de São Paulo na última Prova Brasil – 84% dos alunos do quinto ano possuem conhecimento adequado para a série, diante da média nacional de 36%. O intenso trabalho iniciado pela equipe do colégio em 2007, quando se detectou a partir das avaliações externas o baixo desempenho dos alunos nessa disciplina, levou-o ao topo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da cidade de São Paulo, com uma nota média de 7,3. Essa experiência positiva mostra que ainda é possível solucionar a difícil equação revelada pelo movimento Todos Pela Educação (TPE) na semana passada, com a divulgação dos resultados de 2012 da Prova ABC: de cada três alunos do terceiro ano do ensino fundamental, apenas um possui os conhecimentos adequados para a série. A defasagem se prolonga e acentua até o final do ciclo escolar. Segundo o relatório “De olho nas metas”, publicado a cada dois anos pela organização com base em dados oficiais, de cada dez alunos que terminam o ensino médio no Brasil, nove não possuem conhecimentos de matemática compatíveis com a idade (leia quadro).
MÉTODO
Alunos da terceira série da escola estadual Dr. Luis Arrobas Martins (SP):
conteúdo dividido estrategicamente e avaliações semanais
Alunos da terceira série da escola estadual Dr. Luis Arrobas Martins (SP):
conteúdo dividido estrategicamente e avaliações semanais
Grande parte da dificuldade deriva da própria natureza da disciplina. Segundo Kátia Smole, coordenadora do grupo Mathema de pesquisa e formação no ensino de matemática, nessa ciência predomina uma linguagem específica, que está muito vinculada ao ambiente escolar. “Quando o aluno deixa a sala de aula, ele não vivencia a matemática tão profundamente quanto a língua portuguesa”, diz. Isso piora, afirma ela, com o passar dos anos, já que os conceitos ficam mais abstratos e distantes da realidade do estudante. Essa opinião é compartilhada por Marcus Vinicius Maltempi, professor do programa de pós-graduação em educação matemática da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Essa ciência é construída a partir da realidade empírica, mas vai derivando em abstrações até um ponto em que conectar o conhecimento com a realidade se torna muito difícil.”
Uma das fórmulas do colégio Luis Arrobas para contornar esses problemas foi sistematizar a metodologia e dividir o conteúdo de maneira estratégica, já que não há no País um currículo unificado para o ensino da matemática. As aulas foram organizadas em quatro eixos – números e operações, tratamento da informação, espaço e forma e grandezas e medidas – e uma avaliação semanal passou a dar às professoras uma noção atualizada do grau de entendimento dos alunos. “Isso mostra que temos um compromisso com o resultado da aprendizagem, o que já faz uma grande diferença”, afirma a diretora Carolina Jerônimo. Segundo Priscila Cruz, diretora executiva do “Todos Pela Educação”, essa abordagem é uma constante entre as escolas que se destacam nas avaliações externas. “É preciso que o professor tenha um diagnóstico constante do ponto em que o aluno está”, afirma.
ESTRATÉGIA
O Colégio Dom Bosco, em Americana, criou a aula de resolução
de problemas para melhorar o desempenho dos alunos.
Um dos professores é Diego Valero (acima)
O Colégio Dom Bosco, em Americana, criou a aula de resolução
de problemas para melhorar o desempenho dos alunos.
Um dos professores é Diego Valero (acima)
As professoras do Luis Arrobas chamam a atenção para outro desafio: a continuidade do trabalho. “A dificuldade está na estrutura do sistema educacional. No sexto ano, o aluno deixa o professor polivalente, que compreende a educação como um processo continuado, e vai para o professor especialista”, diz Carolina. Essa ruptura explica em parte por que o desempenho cai tanto entre os mais velhos, como mostrou o “De Olho nas Metas”. “O aluno chega ao nono ano com os mesmos conhecimentos que trouxe do quinto. E, em muitos casos, não só fica estagnado, como regride”, diz Kátia Smole.
O colégio particular Dom Bosco, localizado no município paulista de Americana, conseguiu subverter essa tendência criando uma disciplina nova: a aula de resolução de problemas, que é aplicada aos alunos do nono ano do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio. O professor Diego Valero explica que a primeira aula da semana funciona como uma oficina, na qual os alunos são divididos em grupos para discutir a resolução de quatro problemas. A segunda enfoca o compartilhamento dos resultados e as estratégias de resolução. “Para resolver problemas, o aluno precisa desenvolver habilidades de leitura e interpretação de texto, organizar as informações qualitativas e quantitativas, propor e aplicar modelos matemáticos, além de avaliar os resultados obtidos”, explica Valero. A iniciativa já deu resultados práticos. Segundo as avaliações externas feitas pela Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), 25% dos alunos do nono ano e do ensino médio têm nível avançado. Há três anos, quando a disciplina foi implementada, essa taxa era de apenas 7%.
A resolução de problemas vem sendo defendida como saída para o baixo rendimento em matemática por Conrad Wolfram, diretor da Wolfram Research e da Conrad Alpha, empresa que desenvolveu o aplicativo Siri da Apple. Ele fundou a Computer Based Math, uma organização que negocia a completa reforma dos currículos de matemática no mundo. Para Wolfram, quem conseguir formar alunos realmente capazes nessa área melhorará seus índices econômicos e sociais. “É como dizer a uma pessoa que vai aprender a dirigir que ela precisa saber como consertar um motor – é isso o que estamos fazendo ao enfocar o ensino nas técnicas de cálculo”, disse à ISTOÉ. “A ideia por trás do Computer Based Math é que, se o computador pode se ocupar da mecânica, os alunos podem se concentrar em problemas reais, que realmente são importantes em suas vidas.”
Revista Isto É
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