A estudante universitária Gabriela Lacerda conta como se tornou símbolo da violência gratuita da Polícia Militar de São Paulo
Laura Daudén
Na noite da quinta-feira 13, a tropa de choque da Polícia Militar não se intimidou diante das câmeras que filmavam e fotografavam o quinto grande protesto em São Paulo. Apesar da profusão de imagens e histórias de violação que emergiram naquela noite, uma cena conseguiu reunir, sozinha, o sentimento de assombro e vulnerabilidade diante da truculência da PM: é a que mostra a estudante universitária Gabriela Lacerda, 24 anos, e seu namorado, Raul Longhini, 20 anos, sendo covardemente agredidos por um policial em um bar da avenida Paulista, que horas antes havia sido palco de enfrentamento entre policiais e manifestantes. A imagem foi estampada na capa da última edição de ISTOÉ, exatamente por simbolizar tudo o que o brasileiro não quer: a volta da repressão.
A estudante universitária de rádio e tevê que nasceu em Macapá, no Amapá, e se mudou para São Paulo há três anos tenta, agora, transformar seu drama em justiça. “Temos uma chance de dar uma lição no Estado, de mostrar que ele tem de nos respeitar, assim como nós a ele. Não vou deixar assim”, diz. No dia seguinte à agressão, ela e Raul registraram boletim de ocorrência e receberam orientações dos advogados que prestam assistência jurídica ao Movimento Passe Livre. “Eu processarei o Estado porque as agressões também aconteceram contra muitas outras pessoas que não têm as provas necessárias para identificar seus agressores. E eu tenho.” O policial que aparece nas imagens agredindo o casal não teve o nome revelado pela corporação e não portava a identificação obrigatória no uniforme. Questionada, a Polícia Militar limitou-se a afirmar que as denúncias de abuso serão apuradas pela Corregedoria. Nada disseram sobre o fato de o policial não estar identificado, prática que só é usada em combate ao crime organizado, para preservar o agente do Estado. Não há motivos para essa ação quando a missão é acompanhar legítimos movimentos sociais.
Enquanto a justiça não vem, Gabriela elucida o que viu e sentiu naquela noite. Era a primeira vez que ela se juntava ao coro do MPL. “Eu utilizo o transporte público todos os dias e o aumento ia doer no meu bolso”, diz. “Fui de coração aberto, sem motivo para brigar com ninguém. Fui para gritar um pouco, para ver se eles olham para a gente.” Ela conta que estava com o namorado e com um grupo de amigos quando a manifestação foi violentamente barrada pela Tropa de Choque. “A praça Roosevelt, no centro, parecia um campo de guerra. Os policiais soltavam bombas em uma quantidade desnecessária e disparavam balas de borracha na direção do rosto, a uma distância curtíssima. Eu presenciei tudo.” Depois da batalha na altura da rua Maria Antônia, ela e o grupo seguiram para a avenida 9 de Julho até alcançarem a rua Rocha, na Bela Vista, onde ela mora. Ali aconteceu a primeira abordagem. “Havia quatro viaturas da Força Tática. Eles mandaram a gente parar e nos revistaram. Xingaram como se fôssemos vândalos.” O grupo então decidiu seguir para a Paulista. Depois de mais uma abordagem da PM, dessa vez em frente ao Masp, eles decidiram parar no bar Charme da Paulista. A manifestação havia terminado e a avenida já estava liberada quando os policiais chegaram. Ao grito de “vergonha” dado por alguém, começou o ataque. “Derrubaram os copos das mesas com os cassetetes e mandaram que todos saíssem. Meu namorado foi lá fora reclamar da truculência e pedir calma. O PM começou a bater”, diz. Durante a agressão, Raul tropeçou em uma grade de ferro que havia sido derrubada pelos próprios policiais e Gabriela, que já havia sido agredida e ofendida por uma policial que não aparece na imagem, caiu junto com ele. “O policial continuou batendo enquanto estávamos no chão.” E só parou depois de perceber que estava cercado por veículos de comunicação, que captaram tudo.
Fotos: Pedro Dias / Ag. Istoé; Diego Zanchetta/Estadão
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