domingo, 7 de julho de 2013

Te Contei,não ? - Um final atribulado

                    
 
Nelson Mandela deu lições de paz e de tolerância, mas antes mesmo de ele morrer os seus familiares só fazem brigar pela herança e pelo funeral

Na tribo xhosa, do ex-presidente Nelson Mandela, é um tabu discutir a morte de uma pessoa enquanto ela ainda está viva. A regra foi ignorada da pior forma nas últimas três semanas, enquanto Mandela permanecia internado em um hospital em Pretória, na África do Sul, por causa de uma infecção pulmonar persistente. Nesta terceira internação desde o início do ano, acentuaram-se as disputas sobre a divisão de seu patrimônio entre os herdeiros, sobre o lugar onde ele seria enterrado e sobre o uso político de sua imagem. Mandela nunca deu instruções exatas para seu funeral. Apenas indicou o desejo de ter uma cerimônia singela em Qunu, a aldeia para li qual se mudou quando ainda era criança. Ali estavam enterrados três filhos seus. Em 2011, porém, os restos mortais deles foram misteriosamente exumados e transferidos para a aldeia natal de Mandela, Mvezo, onde vive Mandla, de 38 anos, seu neto mais velho. Mandla diz ser o herdeiro da linhagem e o líder dó clã, no que é duramente criticado pelos demais membros da família. Eles o acusam de ter roubado os corpos do pai e dos tios para assegurar que Nelson Mandela seja enterrado na mesma aldeia. O túmulo do avô daria fama ao local e atrairia turistas. Dezessete parentes de Mandela entraram na Justiça contra Mandla e conseguiram, na sexta-feira passada, uma liminar para que os restos mortais retornem a Qunu. Dias antes, havia sido convocada uma reunião familiar para decidir sobre o iminente funeral de Mandela. Mandla saiu antes do fim, e aparentemente nenhuma decisão foi tomada. Uma das alternativas seria colocar o corpo em um museu, para servir de lugar de peregrinação – o que iria contra o que Mandela sempre disse e escreveu sobre sua aversão à tentativa de mitificá-lo.
Outro motivo de disputa na família é o seu patrimônio, avaliado em 15 milhões de dólares. Entre 2003 e 2005, Mandela criou empresas e fundos para administrar sua fortuna, justamente para evitar que provocasse discórdia. Seus filhos e netos, porém, já fizeram várias tentativas de se intrometer nos assuntos financeiros do pai e avô. Em 2005, Mandela assinou um documento oficializando seu desejo de nomear administradores independentes para sua herança. Mesmo assim, duas de suas filhas, Makaziwe Mandela e Zenani Dlamini, secretamente alteraram o documento com a ajuda de um advogado. Em abril de 2013, elas entraram na Justiça para retirar do conselho de dois fundos de investimentos de Mandela o amigo e advogado do pai, George Bizos, que defendeu o ex-líder da luta contra o apartheid em seu julgamento nos anos 60. Bizos diz que as filhas levaram o caso à Justiça só para pôr as mãos no dinheiro do pai.
Já a exploração da imagem de Mandela pela família começou em 2010, quando seus herdeiros lançaram vinhos com o rótulo House of Mandela e uma marca de roupas que leva o nome da autobiografia Longa Caminhada Até a Liberdade. Neste ano, duas netas estrelaram o reality show Betng Mandela, que mostra o estilo de vida extravagante de ambas nas praias da-Cidade do Cabo e nos shoppings de luxo de Johannesburgo. Em um dos episódios, elas choraram em uma visita à cela em que o avô ficou preso, na Ilha Robben.
Nem os tradicionais aliados políticos de Mandela parecem se importar em conceder-lhe um pouco de paz nos momentos finais. Em Pretória, cerca de 1.000 pessoas protestaram contra a visita do presidente americano Barack Obama, que aterrissou no país na sexta-feira passada. Os manifestantes aproveitaram-se da atenção da imprensa internacional, concentrada na cidade à espera de notícias sobre o estado de saúde de Mandela (“jornalistas abutres”, acusou, logo quem, a filha Makaziwe). Entre os que’ protestavam havia sindicalistas, muçulmanos e membros do Partido Comunista Sul- Africano, um tradicional aliado do partido governista Congresso Nacional Africano (CNA), de Mandela. A caminho da África do Sul, o presidente americano disse que quer apenas o bem-estar e o conforto de Mandela e de sua família em uma situação difícil como esta. Desde o primeiro dia de internação, porém, os fatos pareciam conspirar para que Mandela tivesse tudo, menos um fim tranquilo. Quando precisou ser levado de sua casa em Johannesburgo ao hospital em Pretória, a 50 quilômetros de distância, nas primeiras horas da manhã do dia 8 de junho, a ambulância quebrou e ficou quarenta minutos empacada na rodovia até que uma reserva fosse enviada. A temperatura externa era de apenas 6 graus, e Mandela teve uma parada cardíaca, obrigando a equipe médica a uma manobra de ressuscitação, para desespero de sua mulher, Graça Machel. O homem que ajudou a derrubar o regime racista do apartheid e inaugurou a democracia sul-africana merecia mais paz nos seus derradeiros dias
 
Revista Veja

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