"A dor da gente não sai no jornal.” Ainda hoje, o verso antigo de Chico Buarque ecoa na imaginação de muito jornalista. Não sem motivo: por mais que se esforce, um repórter não é capaz de trazer para dentro do noticiário o sofrimento vivo de toda gente – especialmente dos mais pobres, como a “Joana de Tal” do samba que tentou a morte “por causa de um tal João”. A imprensa ainda não conseguiu representar o país de verdade. “Gente humilde” só aparece na manchete quando serve para apimentar o submundo cão. Fora isso, tome celebridade sorridente e outras frugalidades.
Sabemos todos que o jornalismo no Brasil precisa melhorar, precisa marcar um encontro com o Brasil, olho no olho. O difícil, ao menos até aqui, tem sido saber a data e o local desse encontro. Foi então que vieram as passeatas de junho e, aí, no meio das passeatas, insinuou-se uma pergunta que também é uma proposta séria: por que não agora?
Se olharmos pelo avesso o verso de Chico Buarque, entenderemos melhor essa pergunta e esse encontro. Sim, a tragédia dos humildes continua não saindo nos jornais, mas muito, muito mesmo do que a imprensa andou publicando de uns tempos para cá foi para as ruas e desfilou junto com a dor dos rebelados. Os milhares de cartazes que marcham sobre o asfalto trazem como palavra de ordem, como reivindicação, o que até outro dia era apenas uma notícia ruim.
Para dar aqui um único exemplo: como os brasileiros souberam da PEC 37 – derrotada na terça-feira numa Câmara dos Deputados aflita para “mostrar serviço” ao povo brasileiro? Simples: os cidadãos entenderam a gravidade dessa emenda constitucional, que pretendia tirar do Ministério Público poderes de investigação, porque o assunto entrou no noticiário. Não há como não reconhecer que, sem o trabalho da imprensa, as passeatas não teriam uma boa (e consistente) lista de reivindicações.
REvista Época
Sabemos todos que o jornalismo no Brasil precisa melhorar, precisa marcar um encontro com o Brasil, olho no olho. O difícil, ao menos até aqui, tem sido saber a data e o local desse encontro. Foi então que vieram as passeatas de junho e, aí, no meio das passeatas, insinuou-se uma pergunta que também é uma proposta séria: por que não agora?
Se olharmos pelo avesso o verso de Chico Buarque, entenderemos melhor essa pergunta e esse encontro. Sim, a tragédia dos humildes continua não saindo nos jornais, mas muito, muito mesmo do que a imprensa andou publicando de uns tempos para cá foi para as ruas e desfilou junto com a dor dos rebelados. Os milhares de cartazes que marcham sobre o asfalto trazem como palavra de ordem, como reivindicação, o que até outro dia era apenas uma notícia ruim.
Para dar aqui um único exemplo: como os brasileiros souberam da PEC 37 – derrotada na terça-feira numa Câmara dos Deputados aflita para “mostrar serviço” ao povo brasileiro? Simples: os cidadãos entenderam a gravidade dessa emenda constitucional, que pretendia tirar do Ministério Público poderes de investigação, porque o assunto entrou no noticiário. Não há como não reconhecer que, sem o trabalho da imprensa, as passeatas não teriam uma boa (e consistente) lista de reivindicações.
É verdade que são as redes sociais – e não os diários, as revistas ou as emissoras de rádio – que convocam os protestos. Mas as investigações jornalísticas que deram origem a cada bandeira, a quase todas as faixas e cartazes, estas apareceram em reportagens da imprensa sobre as bandalheiras praticadas com o dinheiro público. Foi o jornalismo crítico, o jornalismo que soube resistir ao assédio das autoridades que gostariam de domesticá-lo, que forneceu boa parte do repertório dessa imensa revolta popular: os gastos de aloprados deslumbrados com a Copa do Mundo, as mazelas da Saúde, a caixa-preta do sistema de transporte urbano. O levante foi obra de gente bem informada, que agiu em rede e, principalmente, que agiu por sua própria conta, sem precisar de partidos, de sindicatos ou de ONGs. É bom não esquecer: as entidades tradicionais do movimento social (centrais sindicais, as grandes agremiações estudantis, sindicatos rurais) ficaram de fora, ocupadas que estavam em bater palmas para a propaganda do governo. As multidões foram às ruas sem ser tuteladas. Foram às ruas porque têm informação.
Também por aí podemos perceber que a imprensa livre é um componente essencial dos protestos. Existem uns poucos que não entenderam esse fato. São os que saíram por aí quebrando prédios públicos e ateando fogo em carros de emissoras de televisão. Alguns desses pensam que são anarquistas. São apenas fascistas, quando não provocadores pagos por bandidos, interessados em inviabilizar as manifestações. Embora uma dose de violência sempre apareça em grandes mobilizações públicas (trata-se de um dado previsível), as depredações têm sido, nas passeatas de junho, um incidente deplorável – e sua face mais fascista se volta contra as unidades móveis de TV.
Por mais que uma emissora bajule ministros ou promova o sensacionalismo policial, ela não é meramente um símbolo do poder. Ela também representa a liberdade de imprensa, sem a qual não haveria informação sobre coisa nenhuma. A grande maioria dos manifestantes sabe muito bem disso e exibe confiante seus cartazes para as câmeras. Sabe que o mesmo jornalismo que lhe contou sobre os abusos das autoridades constituídas agora conta ao mundo a história de um levante que mudará o país.
A dor do Brasil saiu às ruas sem medo de desbancar o sorriso falso dos políticos. Saiu às ruas graças aos brasileiros de coragem e aos jornalistas que cumprem seu dever. E vem mais por aí. A dor das ruas quer ser alegre, como nos sambas que são feitos com beleza. E a imprensa, a imprensa que conta, quer se encontrar com a dor e a alegria dos brasileiros.
Também por aí podemos perceber que a imprensa livre é um componente essencial dos protestos. Existem uns poucos que não entenderam esse fato. São os que saíram por aí quebrando prédios públicos e ateando fogo em carros de emissoras de televisão. Alguns desses pensam que são anarquistas. São apenas fascistas, quando não provocadores pagos por bandidos, interessados em inviabilizar as manifestações. Embora uma dose de violência sempre apareça em grandes mobilizações públicas (trata-se de um dado previsível), as depredações têm sido, nas passeatas de junho, um incidente deplorável – e sua face mais fascista se volta contra as unidades móveis de TV.
Por mais que uma emissora bajule ministros ou promova o sensacionalismo policial, ela não é meramente um símbolo do poder. Ela também representa a liberdade de imprensa, sem a qual não haveria informação sobre coisa nenhuma. A grande maioria dos manifestantes sabe muito bem disso e exibe confiante seus cartazes para as câmeras. Sabe que o mesmo jornalismo que lhe contou sobre os abusos das autoridades constituídas agora conta ao mundo a história de um levante que mudará o país.
A dor do Brasil saiu às ruas sem medo de desbancar o sorriso falso dos políticos. Saiu às ruas graças aos brasileiros de coragem e aos jornalistas que cumprem seu dever. E vem mais por aí. A dor das ruas quer ser alegre, como nos sambas que são feitos com beleza. E a imprensa, a imprensa que conta, quer se encontrar com a dor e a alegria dos brasileiros.
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