sábado, 6 de julho de 2013

Crônica do Dia - Rebeldias Digitais - Ricardo Arnt

É essencial que as redes sociais permaneçam livres, mesmo pouco articuladas, erráticas ou incongruentes. Mesmo quando a crítica à mobilidade social quebra ônibus e estações do metrô.

A internet é o último front da liberdade de expressão. No seu interior há grupos globalmente articulados, empenhados em defender o trânsito livre de quaisquer informaçõese a autonomia operacional de programadores e de comutadores, bem como grupos poderosos dedicados à sua submissão política e exploração comercial, abrigados em Estados e empresas.
As redes sociais estão além do controle dos governos e das corporações que monopolizaram os canais de comunicação como alicerces de poder. É por isso que os governos têm medo e as empresas cultivam uma relação de amor e ódio com a internet, tentando obter lucros dela, ao mesmo tempo que limitam o seu potencial (controlando, por exemplo, o compartilhamento de arquivos e as redes com fonte aberta). A democracia deve ser reinventada constantemente para se legitimar,
e isso pressupõe liberdade de comunicação.
Quem pensa assim não é o Julian Assange nem um manifestante brasileiro com uma máscara de Guy Fawkes, mas o sociólogo catalão Manuel Castells, amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, professor das universidades da Califórnia e de Paris e quarto cientista social mais citado do mundo, segundo o Science Citation Index. Estudioso das redes sociais, Castells fez recentemente uma conferência em São Paulo, no evento Fronteiras do Pensamento, em que explicou que ainda é cedo para construir uma interpretação sistemática dos movimentos sociais “emocionais” da internet, cuja natureza “experimental” rejeita a instrumentação política e frequentemente define “objetos e representações que pouco têm a ver com a realidade”.
É fácil encontrar redes sociais condenando o escárnio dos ideais democráticos na maior parte do mundo, mas silenciando sobre projetos que definam “uma governança democrática eficaz”. Não se sabe o que se quer; só o que não se quer. Isso não é novidade, o sociólogo que nos perdoe. Há 50 anos a crise das ideologias avança desnorteada, procurando a quadratura do círculo.
Uma coisa, entretanto, é certa. Enquanto a comunicação dominante pressupõe passividade (em alguns casos, passividade vegetativa, como na televisão), a emergência da “autocomunicação digital” é ativa: processa mensagens de muitos para muitos, é decidida autonomamente pelo remetente, conecta-se a incontáveis redes e seleciona o que deseja.
Em um mundo “turvado por aflição econômica e vazio cultural”, em que o contrato social se dissolve e as pessoas se transformam em indivíduos que lutam pela sobrevivência, é nos espaços das redes sociais que estão nascendo as sociedades do século XXI, acredita Castells.
A tecnologia induz a uma mudança no ambiente da comunicação. Passa-se da verticalidade dos emissores todo-poderosos para a horizontalidade das redes multimídia e plataformas de comunicação sem fio. A mudança afeta as normas de construção de significado e, portanto, as relações de poder. Por isso, é essencial que as redes permaneçam livres, mesmo pouco articuladas, erráticas ou incongruentes. Mesmo quando a crítica à mobilidade urbana quebra ônibus e estações de metrô.
 
 
Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta

Nenhum comentário:

Postar um comentário