A presidenta tenta dar um novo rumo à sua gestão, enquanto enfrenta o descontentamento da opinião pública, da base aliada e do próprio PT
Izabelle Torres
Na segunda-feira 24, um pequeno grupo de assessores entregou à presidenta Dilma Rousseff um relatório com o resultado de um monitoramento feito durante sete dias sobre nove mil indivíduos ativos nas redes sociais. Os dados mostravam uma situação mais grave do que se poderia imaginar. Segundo o levantamento, cresciam em volume preocupante as manifestações que pediam sua saída do governo, chegando a 21%. Apenas os apelos por melhorias nos serviços públicos, na faixa de 47%, superavam as citações englobadas pelo termo “Fora Dilma”.
ACUADA
Dilma recebeu relatório com base num monitoramento de redes
sociais em que 21% das pessoas pediam sua saída do governo.
O PT cobra reação, mas nem no partido há unidade
Dilma recebeu relatório com base num monitoramento de redes
sociais em que 21% das pessoas pediam sua saída do governo.
O PT cobra reação, mas nem no partido há unidade
Naquele momento, quando os protestos iniciados para revogar a tarifa de ônibus haviam se transformado numa insurreição espalhada pelo País inteiro, estava claro que o governo fora derrotado no sistema nervoso típico das lutas políticas do século XXI, cuja arena é a internet, onde militantes e ativistas, abrigados atrás de nomes que sugerem slogans e gritos de guerra, costumam definir os humores, sensibilidades e caminhos que serão seguidos pela etapa seguinte – nas manifestações de rua. Não era uma situação surpreendente. Vitorioso em 2010 com o auxílio da malha de blogueiros ligados ao PT, que cravaram vitórias naquela campanha presidencial, virando diversas denúncias e acusações a José Serra, então candidato do PSDB ao Planalto, o governo Dilma desmobilizou as redes sociais ligadas ao partido. Enquanto isso, um temido condomínio de blogueiros e ativistas que fazem oposição ao governo, uma parte ligada ao PSDB, manteve-se em posição de alerta e, em pouco tempo, assumiu uma situação de domínio nas disputas políticas da rede.
Mas, se a internet define uma parte da luta política de uma sociedade, e costuma fazer isso de modo relativamente artificial, pois não envolve a totalidade de uma sociedade, na semana passada os problemas de Dilma Rousseff se encontraram no mundo real da política brasileira. Envolveram a internet, a rua, a governabilidade, o Congresso e os ministros. Em um reunião fechada, durante a semana, Rui Falcão, presidente do PT, declarou em tom de advertência: “Já fomos um partido que ganhava na rua e perdia na urna. Depois, viramos um partido que perde na rua e ganha na urna. Se continuarmos desse jeito, vamos acabar perdendo nos dois”, alertou.
CONSELHEIRO MOR
Quem mais deu orientações a Dilma, na última semana,
foi o ministro da Educação, Aloizio Mercadante
Quem mais deu orientações a Dilma, na última semana,
foi o ministro da Educação, Aloizio Mercadante
Os dramas do governo Dilma, nos últimos dias, incluíram vários personagens, a começar pelo ex-presidente Lula. Numa convivência formada por atos frequentes de lealdade política e solidariedade, as relações entre ambos esfriaram na mesma proporção em que a temperatura política do País se aqueceu. No Planalto, ouve-se a queixa de que Lula, tão presente para dar sua opinião em assuntos do governo e dizer aos jornais, com a elegância devida, o que pensava de temas tão variados, inclusive mudanças no ministério, desta vez ficou mais calado do que gostaria o Planalto. Não se ouviu uma palavra de solidariedade, uma declaração efetiva. Quem mais aconselhou Dilma foi o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, que se consolida na Esplanada como principal auxiliar da presidenta.
Coube a um soldado de Lula, o ex-ministro Franklin Martins, a tarefa de formatar o pronunciamento de Dilma Rousseff na noite da sexta-feira, 21 de junho, quando a presidenta foi à TV afirmar seu respeito a luta dos brasileiros e defender os valores da democracia e da Constituição. Num mundo onde a influência do marqueteiro João Santana é muito acentuada, e criticada com freqüência cada vez maior, o pronunciamento foi politizado, preocupado em apontar um rumo político claro. Mas, num país que enfrenta um terremoto, com várias erupções subterrâneas, seus benefícios se mostraram pouco duráveis.
UNANIMIDADE PERDIDA
Na última semana, João Santana passou a ser criticado
no governo por ter perdido a batalha nas redes sociais
Na última semana, João Santana passou a ser criticado
no governo por ter perdido a batalha nas redes sociais
A convivência entre Dilma e as lideranças do Congresso sempre foi péssima. Ficou mais grave na última semana, depois que o terremoto colocou cada um dos integrantes do Congresso diante do dilema real de todo político em hora de dificuldade, preocupado, acima de tudo, em salvar a própria pele. O vice-presidente Michel Temer (PMDB) disse a colegas de partido que foi surpreendido com a declaração da presidenta de que pretendia convocar um plebiscito para decidir sobre uma constituinte exclusiva para a reforma política e passou a semana inteira de cara amarrada – quando era indispensável que fizesse o possível para exibir um sorriso feliz. Nos bastidores, Temer deu munição para os ataques dos políticos, afiando argumentos. Sem fazer muita cerimônia, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o da Câmara, Henrique Eduardo Alves, aproveitaram uma reunião convocada para encaminhar o plebiscito pelo Congresso para lembrar a presidenta de um detalhe que poucos haviam percebido. Talvez não fosse possível evitar, disseram, que o direito à reeleição fosse incluído no debate da reforma política. Mesmo sem fazer referências diretas, o alvo era óbvio. Como se pretende promover uma reforma capaz de ser aplicada já nas eleições de 2014, o próprio direito de Dilma candidatar-se à reeleição poderia ser colocado em questão.
Em outro gesto, Renan entregou a Dilma uma relação com dez páginas de projetos que, prontos para ir à votação, poderiam servir de resposta às ruas. Ao mostrar o documento, o senador fez questão de sublinhar que, se o Planalto tivesse se empenhado em manter boas relações com o Congresso, talvez a tensão do outro lado da calçada não estivesse tão grande. Desconfiado, cada vez mais, que pode ser entregue à fúria da multidão que passou a mencionar seu nome na lista de quem deveria ser cassado, Renan Calheiros passou a multiplicar gestos de hostilidade ao Planalto e produzir demonstrações de alta produtividade para a plateia. Convocou os senadores para aparecer em plenário ao meio-dia e meia, duas horas antes do habitual. Ao anunciar um projeto de criação de passe livre, deixou o governo na incômoda obrigação de tomar duas providências, antipáticas em qualquer caso. Rejeitar o projeto em nome do controle de gastos. Ou aceitar a ideia e ir atrás do prejuízo num universo de gastos que parecem sem fim por causa da nobre necessidade de atender ao clamor das ruas – e não aos repentes de Renan Calheiros. Mas não foi só. Quando decidiu colocar em votação uma proposta de transformação da corrupção em crime hediondo, Renan fez questão de homenagear a oposição. Colocou em pauta um projeto do senador Pedro Taques (PDT-MS), relatado por Álvaro Dias (PSDB-PR). Num esforço para apresentar uma emenda para agravar a pena de autoridades condenadas como corruptas, o senador Wellington Dias (PT-PI) precisou valer-se de um lance de astúcia. A votação ocorria durante o jogo Brasil x Uruguai, que muitos senadores assistiam em seus gabinetes, longe do plenário. Bastava um parlamentar pedir verificação de quorum, lembrou Wellington, para a deliberação vir abaixo, gerando uma anedota escandalosa num plenário que não necessitava disso naquela semana de tantos riscos. Seu direito de apresentar uma emenda foi garantido.
Aconselhada a conversar e, especialmente, ouvir mais, Dilma Rousseff enfrentou na semana passada uma memória ruim de atitudes e comportamentos. Os petistas ainda se dizem fiéis a seu governo pelo que chamam de “projeto”, mas tem ânimo cada vez menor para identificar-se com a presidenta e defender sua sorte. A bancada de senadores reclama que em dois anos e meio de governo só foi chamada uma vez para ouvir a presidenta e, mesmo assim, um dos senadores ouviu uma bronca constrangedora na frente dos demais, e uma das mulheres presentes foi interrompida no meio da fala.
Entre sindicalistas, a vontade de socorrer a presidenta é idêntica à de lhe fazer pedidos. Num encontro com Lula, ao lado de outros sindicalistas e dirigentes do partido, o presidente da CUT, Wagner Freitas, lembrou que há 36 meses a entidade ganhou o direito de possuir um canal de TV, mas até agora não pode usufruir da conquista – pois o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, não assina a concessão. Wagner pediu ajuda a Lula, que prometeu fazer o possível.
Fotos: DIDA SAMPAIO/AGÊNCIA ESTADO/AE; Renato Araujo / ABr; WILSON PEDROSA / agência estado/ae; Ueslei Marcelino / Reuters
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