domingo, 7 de julho de 2013

Te Contei, não ? - Homem branco quer apito

 

 

 

Com a leniência da Funai, proliferam falsos índios em busca de benefícios sociais e de cotas universitárias.

Leonardo Coutinho

 
Onde há benefícios fornecidos pelo estado — e no Brasil os há, com fartura — sempre existirão aproveitadores e fraudadores. Com os privilégios indígenas, não é diferente. Ter o status oficial de índio significa poder pleitear um bom pedaço de terra para chamar de seu, receber automaticamente cesta básica e o Bolsa Família, ser contemplado com um atendimento médico gratuito melhor do que o da média da população e ter prioridade na disputa por vagas em universidades. Criar uma ONG de defesa da causa indígena também é um grande negócio, porque permite receber repasses milionários do governo e angariar doações no exterior. Não espanta que haja tanto cidadão que nunca viu um tacape na vida querendo o atestado de índio, e tanta ONG dando assessoria na arte de se fingir como tal. O amazonense Paulo José Ribeiro da Silva, por exemplo, quando precisa posar de índio, saca de seu arco e flecha comprado em feira de artesanato expõe o torso avantajado e vai para o meio das folhagens no quintal. Ele se diz um líder da etnia apurinã. Uma investigação da Polícia Federal no Amazonas o desmascarou recentemente. Paulo Apurinã, como o farsário se autodenomina, é habitue de solenidades com ministros de estado e gaba-se de ter agraciado a presidente Dilma Rousseff com um de seus cocares de fantasia de Carnaval durante a inauguração de uma ponte sobre o Rio Negro. Segundo a PF, em 2007 Silva fraudou, em conluio com funcionários da Funai, a emissão do registro administrativo de nascimento indígena (Rani), um documento equivalente à certidão de nascimento. Ele descobriu o caminho das pedras ao estagiar na Funai em Manaus, e gostou tanto do golpe que transformou a própria mãe e os quatro irmãos em índios. A mãe Francisca da Silva Filha, usou o registro para entrar como cotista no curso de turismo da Universidade Estadual do Amazonas. “A gente sempre soube que o Paulo não era índio. Finalmente a polícia deu um fim a essa farsa”, diz (o autêntico) Cláudio Apurinã, líder da etnia. Ele conta que, no ano passado, vários líderes apurinãs tentaram convencer Silva a desistir de se fantasiar de índio, porque isso estava desmoralizando a tribo. Não adiantou. “No Brasil, basta querer ser índio para ser reconhecido”, diz Paulo José Ribeiro da Silva, o falso cacique, num arroubo de sinceridade que soa a confissão, e desafia: “Essa perseguição vai me transformar em senador, pode anotar”.
Segundo o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, o delegado Sérgio Fontes, daria para encher uma aldeia com a quantidade de gente com Rani fraudado, por causa dos critérios frouxos da Funai. Só em Manaus, foram expedidos 1553 Ranis em 2011. Entre 1979 e 1999, a média era de apenas 24 por ano. A folia dos falsos índios ocorre também em outros estados. No Rio Grande do Sul, onze famílias foram reconhecidas como índios charruas em 2007. Acontece que esse povo desapareceu da região no século XIX sem sequer ter tido sua cultura devidamente estudada e registrada. Apesar disso, os supostos charruas dizem usar sua língua, suas danças e suas canções originais. O vice-cacique, Sérgio Senak, é loiro de olhos azuis. Também foram ressuscitadas as etnias borari, no Pará e tupinambá, na Bahia. Tem antropólogo fazendo milagres.
 
 
Revista Veja

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