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O número de áreas indígenas no país cresceu seis vezes nas últimas três décadas: hoje, abrange 13% do território nacional, quase o dobro do espaço destinado à agricultura, de 7%. Não se tem notícia, no entanto, de que a situação dos silvícolas brasileiros tenha melhorado na mesma proporção. A maioria ainda vive na mais absoluta miséria — a incidência de tuberculose é o triplo da média nacional, a mortalidade infantil é o dobro e, em algumas etnias, 90% dos integrantes dependem de cestas básicas para sobreviver. A Funai, subordinada ao Ministério da Justiça, é o órgão ao qual caberia cuidar do bem-estar dessa população, dedicando-se, por exemplo, a melhorar suas condições de moradia, saneamento básico e produção agrícola. Não é o que tem ocorrido. ‘‘Hoje o único departamento da Funai que funciona é o responsável por novas demarcações, todos os outros estão esquecidos e enfraquecidos”, afirma o antropólogo Edward Luz. Ao substituir o trato da questão indígena por um indigenismo postiço, tão natural no Brasil quanto a luta de classes e o racismo, a Funai acabou por prejudicar o cumprimento daquela que deveria ser a sua tarefa primordial. E ainda contribuiu para acirrar o clima de pé de guerra em que se encontram hoje índios e proprietários de terra em mais de sessenta áreas do país.
Atualmente, a Funai comanda praticamente sozinha todo o processo de demarcação. Só ao final os casos são enviados ao Ministério da Justiça, que nos últimos trinta anos nunca rejeitou um único pedido do órgão — nem mesmo os absurdos. Um exemplo que se encaixa nessa categoria é o reconhecimento da reserva indígena de Mato Preto, no Rio Grande do Sul. Em 2003, índios guaranis que viviam na reserva Cacique Doble, em Santa Catarina, resolveram abandonar o lugar e se mudar para Mato Preto, numa terra que passaram a reivindicar. Em 2005, a antropóloga Flávia Cristina de Melo elaborou um laudo apoiando a reivindicação. E por que os guaranis exigiram uma nova reserva? Embora tenha omitido a resposta em seu laudo, a antropóloga a relatou na tese de doutorado que escreveu sobre a tribo. Os guaranis, disse ela, decidiram morar em outra terra em função de uma “visão” que tiveram depois de um ritual regado a aguasca, uma erva alucinógena. Em seu laudo, Flávia recomenda ainda que a nova reserva tenha 4230 hectares, vinte vezes o pedido inicial, de 232 hectares. Sustenta que essa extensão é importante para que os índios possam viver da “caça de antas e ratões do banhado”, embora praticamente já não existam antas na região há décadas. Ainda assim, a Funai e o Ministério da Justiça reconheceram a área indígena, que só não foi demarcada até agora porque o governo gaúcho contesta o despautério na Justiça. A previsão é que as 300 famílias de agricultores que lá vivem sejam retiradas até o fim do semestre para assentar os 43 indígenas. Por lei, os agricultores não têm direito a um centavo pelas terras perdidas - o estado pode indenizá-los apenas por eventuais benfeitorias realizadas nas propriedades. E aqui surge outra faceta dramática da questão: os principais afetados pelos critérios duvidosos das demarcações feitas pela Funai são, muitas vezes, lavradores tão pobres quanto os índios. No Paraná, onde a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) concluiu em abril um estudo sobre a demarcação de quinze territórios, a maioria dos proprietários que tiveram as terras invadidas era formada por pequenos agricultores. As fotos do estudo mostram apenas casebres nos terrenos. Alguns dos moradores, desprovidos de suas casas, precisaram ir viver com os filhos para não virar sem-teto. O agronegócio é outra vítima do tratamento desigual que o governo vem dando à questão. Um levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estima que cada hectare perdido para terras indígenas representa um prejuízo de 500000 reais para o agronegócio, a maior fonte de divisas do Brasil. Na semana passada, partiu da Casa Civil a mais sensata proposta para começar a desenrolar o nó da questão indígena. A ministra Gleisi Hoffmann decidiu baixar uma portaria determinando que a decisão sobre as demarcações de terra deixe de ser monopólio da Funai e passe a ser analisada também por órgãos como a Embrapa e ministérios como o do Desenvolvimento Agrário, das Cidades e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A Funai e as ONGs não gostaram. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica, convocou os índios para pressionar o governo a recuar, disseminando o falso boato de que a Funai seria fechada e as demarcações, paralisadas. “Os índios ficaram com medo e preocupados. Por isso, assumiram uma atitude mais radical”, diz Jorge das Neves, chefe do posto da Funai em Sidrolândia (MS), onde um índio morreu em confronto com a Polícia Federal durante a desocupação, na semana passada, de uma propriedade invadida. A desocupação havia sido ordenada pela Justiça. O fato de o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, ter chegado a dizer que ela não deveria ter sido realizada reforçou a certeza de que há uma clara divisão no governo sobre o assunto. A demissão da presidente da Funai, Marta Azevedo, na tarde de sexta-feira, é sinal de que o lado mais sensato está vencendo. Com reportagem de André Eler e Fabrício Label Revista Veja |
domingo, 7 de julho de 2013
Te Contei,não ? - Abandonados, usados e, agora, furiosos
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