domingo, 8 de julho de 2012

Crônica do Dia - A raiva faz mal - Walcyr Carrasco


Uma grande atriz ensaiava uma peça. Por delicadeza, não posso dizer seu nome, mas é uma conhecida estrela de teatro e televisão. Às tantas, ela começou a achar que era boicotada. Não havia motivo. Seu nome era a isca para atrair o público. Os produtores satisfaziam qualquer de seus ai-ais. Aos mais íntimos, ela se lamentava:
– O elenco não gosta de mim.
Se entrava no teatro e um grupo se divertia, achava que riam dela. Quando um ator errava o texto de uma réplica, concluía ser proposital. A situação chegou ao clímax quando pediu um cafezinho. Veio morno. Atirou a xícara aos gritos:
– Estão me servindo café frio de propósito!
Deixou a peça. Foi um prejuízo geral. A produção desistiu da montagem. Os outros atores ficaram sem emprego. Ela perdeu o tempo investido. Pior ainda. Sofreu inutilmente.
Você vai pensar que ela é louca. Não é. Continua fazendo sucesso. Foi dominada pela raiva. E, com a raiva, filtrou as atitudes de seus colegas de elenco, até estourar.
Às vezes, também fico uma pilha. Mas tento me controlar. Por exemplo, agora, com a estreia da novela Gabriela, da TV Globo, que escrevo (leia mais na página 143). É um trabalho a que me dediquei muito. É uma dificuldade me controlar. No meu prédio no Rio de Janeiro, é preciso apertar a campainha e esperar o porteiro abrir o portão. Noite dessas, ele demorou alguns minutos. Quase enlouqueci.
– Tem de ser demitido! – pensei.
Quando seu vulto veio do fundo, disse para mim mesmo:
– Será que estou maluco? Ele não tem o direito de ir ao toalete, por exemplo?
Já briguei com muita gente por ninharia. Muitas vezes o profissional só está cumprindo seu trabalho.
Não nego que o sentimento de revolta pode ter razão de ser. Um chefe pode levar o funcionário à loucura. Lembro o editor de uma revista em que trabalhei. Entregava o texto da reportagem. Ele percorria os olhos rapidamente. Dizia:
– Vamos meditar sobre isso.
E saía para jantar. Voltava três horas depois. Esperava, às vezes, até de madrugada. Muitas vezes, quando voltava, mais tarde, dava um bocejo e decidia:
– Vou ler amanhã.
Eu ficava com cara de bobo, exausto, a noite perdida.
Muitas vezes tive vontade de atirar os textos na cara dele. Sair na briga, porque aquilo era humilhação. Uma inútil demonstração de poder, como muitos chefes gostam de fazer.
Tomei atitude melhor. Encontrei outro emprego e pedi demissão. Se me deixasse levar pela raiva, o que teria sido de minha carreira?
O prejuízo que a raiva pode causar é gigantesco.
Impossível deixar de sentir, mas posso administrá-la. Estes dias encontrei um livro que me botou para pensar. Chama-se A vaca no estacionamento, de Leonard Scheff e Susan Edmiston. Sua premissa é a seguinte: “Você está num estacionamento lotado, atrasado para um compromisso. Quando finalmente encontra um lugar para deixar o carro, surge um motorista que descaradamente entra na sua frente e rouba sua vaga. Antes de se deixar dominar pela raiva, pense se, em vez de um carro, fosse uma vaca ocupando sua vaga. Você sentiria tanta raiva dela quanto do motorista?”.
É um modo zen de ver a vida. Útil para quem tem gênio forte como eu. Tive uma coleção de vasos de cristal. Todos foram sendo quebrados pelas minhas empregadas. Cada um por um motivo: “O aspirador enrolou nele”; “A vassoura bateu na mesa”.
O último foi um vaso branco, translúcido, comprado na Itália. Uma obra de arte que gostava de admirar. Apareceu com a borda quebrada.
– Fui lavar e bateu na torneira da pia.
Vi vermelho. Não sobrou nenhum da coleção! Minha vontade era de não sei o quê. Meus olhos soltavam fogo, e a moça até deu dois passos para trás, assustada. Respirei fundo. E me controlei.
Só voltarei a comprar vasos quando tiver um móvel onde possa trancá-los. E tempo para eu mesmo cuidar deles.
Já vi ex-marido detonando a mulher para os amigos e até para a família dela. Pior é quando usam os filhos para expressar sua raiva. A mulher faz a cabeça das crianças contra a nova namorada do papai. O homem usa os filhos para vigiar a mãe. Resolve?
Tanta raiva só ajuda pais de santo que fazem trabalhos em encruzilhadas para separar alguém de alguém a pedido de outro alguém.

E descontar a raiva num objeto, de que serve? O celular não funciona. Atira-se pela janela. O computador dá problema. Leva um murro. É só ridículo.

Diz um ditado tibetano: “Usar a raiva para resolver um problema é como pegar um carvão em brasa para atirar em outra pessoa”.  

Revista Época

Um comentário: