quinta-feira, 26 de julho de 2012

Te Contei, não ? - Três mulheres na vida de Castro Alves

      


TRÊS MULHERES NA VIDA DE CASTRO ALVES:


Eugênia, Idalina e Leonídia

                                         Newton Quadros Cairo*

“E amamos – Este amor foi um delírio...
Foi ela minha crença, foi meu lírio,
Minha estrela sem véu...”
Dalila, Recife, 1864

* * *

“No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...”
Mocidade e Morte, Recife, 1864

* * *

“O que buscas além dos horizontes?
Por que transpor os píncaros dos montes,
Quando podes achar o amor tão perto?...”

* * *

“Se quiseres ... as flores do silvedo
Verás inda nas tranças da serrana.”
O Hóspede, Curralinho, 1870

Castro Alves, o Poeta da Liberdade, vislumbrou, numa intuição de profeta, a era da igualdade, da justiça e da fraternidade entre os homens. Como um profeta, no poema “O Vidente”, vaticinou: “Eu vejo a terra livre”; “Poeta dos Escravos”, esculpiu com o cinzel flamejante do gênio o drama da escravidão; “Paladino da República”, exclamou que a “praça é do povo como o céu é do condor”; “Cantor da Natureza” descreveu a beleza bucólica das nossas paisagens, onde vicejam “as roxas maravilhas da campina”, o fragor ciclópico da cachoeira de Paulo Afonso e “as ágeis andorinhas” do seu Curralinho.

Segundo Jorge Amado, também foi o “Poeta da Mulher (e das mulheres do Brasil) do seu encanto, do seu quebranto, da sua secreta nostalgia. Do seu perfume e do seu mistério – poeta do amor – a alma popular recebeu e guardou no canto as suas queixas, as suas tristezas e a suas exaltações amorosas”.

O Poeta amou e foi amado por muitas mulheres. Três delas, entretanto, foram suas amadas prediletas: a fascinante Eugênia, a misteriosa Idalina e a doce Leonídia.

Aos 16 anos, deslumbrado, Castro Alves conheceu Eugênia Infante da Câmara. Vira a bela atriz portuguesa no Teatro Santa Isabel na legendária Recife e por ela se apaixonara perdidamente. Era o tempo das animadas noitadas naquele famoso teatro, das ardorosas polêmicas com Tobias Barreto, que namorava a atriz Adelaide Amaral, rival de Eugênia. Castro Alves empolgava a platéia, em sua maioria estudantes da lendária Faculdade de Direito do Recife. Do camarote, com postura apolínea, se dirigia à sua deusa:

Ainda uma vez tu brilhas sobre o palco,
Ainda uma vez eu venho te saudar...
Também o povo vem rolando aplausos
Às tuas plantas mil troféus lançar...

O Poeta amou Eugênia com todo o impulso de seu temperamento arrebatado:

Fiz de meus versos a púrpura escarlate
Por onde ela pisasse em marcha triunfal.

Quando, mais tarde, vieram a separar-se, lhe dedicou o ardente poema “Adeus”, em que se despede de sua amada para sempre:

Eu – já não tenho mais vida!
Tu – já não tens mais amor!
Tu – só vives para os risos,
Eu – só vivo para a dor!

* * * *

Ainda no Recife das revoluções libertárias, o Poeta conheceu em 1865 uma moça linda e humilde que se chamava Idalina, tão simples que nenhum de seus biógrafos jamais conseguiu saber seu sobrenome.

Logo se apaixonaram e passaram a morar juntos numa romântica casinha branca na Rua do Lima, no bairro de Santo Amaro, nos arredores da capital pernambucana. Nessa época, Castro Alves estudava para fazer os exames preparatórios, uma espécie de vestibular, que lhe daria acesso à Faculdade de Direito do Recife, já então famosa em todo o país.

Conforme descreve Jorge Amado no “ABC de Castro Alves”, Idalina “era formosa, de olhos brandos e de suave voz”. Foi na tranquilidade bucólica desse idílio, que o Poeta escreveu “O Século”, declamado para um auditório em delírio, no dia 11 de agosto de 1865, na sessão comemorativa da abertura dos cursos jurídicos, no salão nobre da Faculdade de Direito do Recife. Nesse extraordinário poema, que marcou o verdadeiro início de sua glória exclamou:

O Século é grande... No espaço
Há um drama de treva e luz.

Castro Alves vivia feliz com sua Idalina nesse ninho de amor, sem se importar com os comentários que esse amor livre provocava na sociedade de sua época. Mais tarde em 1870, no Curralinho, recordaria esse tempo em “Aves de Arribação”:

Quem eram? Donde vinham? – pouco importa
Quem fossem da casinha os habitantes.
– São noivos: – as mulheres murmuravam!
– E os pássaros diziam: – são amantes!

* * *

Que é feito do viver daqueles tempos?
Onde estão da casinha os habitantes?...
... A Primavera, que arrebata as asas...
Levou-lhe os passarinhos e os amantes!...

* * * *

Leonídia Fraga, a brejeira serrana do Curralinho, foi o primeiro amor de Cecéu.

Diz Jorge Amado, em sua apaixonada biografia do Poeta, que a doce Leonídia “deu-lhe seus risos na infância, seus lábios na adolescência, seus seios quando ele quis, no final, reclinar a cabeça febril”.

Leonídia e seu Poeta viveram felizes no envolvente cenário que emoldura o aprazível Curralinho, rodeado de serras azuis.

Em 1870, no casarão de seus familiares, escreveu o poema “Fé, Esperança e Caridade”, com a epígrafe “eram três anjos – e uma só mulher”, dedicado à sua Leonídia.

Na primeira estrofe, relembra o saudoso tempo de criança, ao lado de sua namorada:

Quando a infância corria alegre, à toa,
Como a primeira flor que na lagoa,
Sobre o cristal das águas se revê,
Em minha infância refletiu-se a tua...

Retornou o Poeta em 1865 ao seu sertão adorado, ao “paraíso dos Castros”, como dizia seu pai Dr. Antônio José Alves, para passar as férias e rever a musa do Curralinho, então com 16 anos:

Depois eu te revi... na fronte branca,
Radiava entre pérolas mais franca,
A altiva c’oroa que a beleza trança...

Pela derradeira vez, no período de fevereiro a julho de 1870, Castro Alves volta aos “sítios do berço”, em busca de melhoras para a saúde combalida e para matar as saudades de sua “Flor do Sertão”:

Hoje é o terceiro marco dessa história
Calcinado aos relâmpagos da glória...

E nela encontra o lenitivo para o seu sofrimento:

Por ti em rosas mudam-se os martírios!
Há nos teus seios o maciez dos lírios...

Nesse mesmo ano, o penúltimo, antes de viajar para a eternidade, dedicou para sua Déia (como lhe chamava carinhosamente) o poema “O Hóspede”, obra-prima da poesia lírica brasileira.

Percebeu Leonídia que seu Poeta já trilhava as veredas que conduziam ao vale da morte. Sabia que, mais do que nunca, precisava ele de seus carinhos e da “tenda sutil dos seus cabelos”. Temia a formosa serrana que seu ídolo partisse para sempre, como “as brisas que passam doudas, leves e não tornam atrás a ver as flores”, como está na epígrafe do poema. Implora Leonídia, no comovente diálogo, provavelmente à sombra do tamarindeiro, em frente do Casarão:
 
Não partas, não! Aqui todos te querem!
Minha aves amigas te conhecem.

E lhe faz uma tentadora promessa:

Se quiseres as flores do silvedo
Verás inda nas tranças do serrana.

No final de sua existência, breve e luminosa, recordaria o Poeta seus amores no poema “Os Anjos da Meia-Noite”, escrito na Fazenda Santa Isabel, em Itaberaba, de propriedade do irmão de Leonídia, em agosto de 1870. Desfilaram na sua imaginação as cariocas Lalinha Figueiras e Cândida Garcez, a paulista Sinhá Lopes dos Anjos, a musa de “O Laço de Fita”, as irmãs israelitas Ester, Mary e Simy, a quem dedicou “Hebréia”, a italiana, de Florença, Agnese Trinco Murri, a musa dos últimos amores, além de suas idolatradas Eugênia, Idalina e Leonídia:

Mulheres que eu amei!
Anjos louros do céu! Virgens serenas!
Madonas, Querubins ou Madalenas!
Surgi! Aparecei!

* Newton Quadros Cairo, castroalvense, pertence à Academia de Cultura da Bahia e à Academia de Letras e Artes de Castro Alves. É Professor Adjunto, aposentado, da UFBA.

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