segunda-feira, 30 de julho de 2012

Te Contei,não ? - Entre amigos e orixás, Amado, CAymmi e Carybé

 
RIO - Um romancista, um artista plástico e um compositor popular. A uni-los, uma grande amizade, o amor pela Bahia e a fé nos orixás. No Axé de Opô-Afonjá, candomblé de Mãe Ondina, os três foram feitos obás de Xangô, Jorge Amado e Carybé primeiro, Dorival Caymmi depois. Os três orgulhavam-se das honras com que foram distinguidos em Salvador, símbolos da forte presença da cultura afro-brasileira em suas obras, os romances de Amado, a pintura de Carybé e as canções de Caymmi. Com um detalhe: cada um passeando pela arte do outro, Caymmi na pintura de Carybé, Carybé na literatura de Amado, Amado na música de Caymmi
Amado e Carybé se conheceram primeiro. Hector Julio Páride Bernabó, argentino de nascimento, adotou o apelido de Carybé supondo ser o nome de um peixe amazônico (anos depois Rubem Braga esclareceria que caribé é sinônimo de “mingau ralo”). Seu encontro com Amado deu-se quando ele ilustrou “Jubiabá”, romance de 1935 — o mesmo que seduzira um outro grande amigo estrangeiro, o fotógrafo francês Pierre Verger (1902-1996), que adotaria o nome Fatumbi. Carybé viajara pelo mundo antes de se fixar no Brasil, mais precisamente na Bahia miscigenada, dos cultos afros e das histórias sobre o mar. Como nos romances de Amado e em seus quadros, murais, desenhos e ilustrações. Seria fiel a tudo isso até morrer, aos 86 anos, em 1997.
O escritor e o artista plástico se associariam em vários outros trabalhos, além de capas e vinhetas dos romances de Amado. Este dedicou àquele o livro “O capeta Carybé”, em que define o amigo como “...feito de enganos, confusões, histórias absurdas, aparentes contradições e, ao mesmo tempo, a própria simplicidade”. A quatro mãos, os dois escreveram “Bahia, boa terra Bahia”. Sozinho, depois de 30 anos de pesquisas, Carybé lançou em 1981 a “Iconografia dos deuses africanos do Candomblé da Bahia”. E, novamente juntos, a sagração como Obá Olorum, Amado, e Obá Onoxocun, Carybé.
Segundo a neta e biógrafa Stella Caymmi, nem o avô, nem Jorge Amado se lembravam de quem os apresentou. Mas foi em 1938, pouco após a chegada do compositor ao Rio, numa caminhada do Belas Artes ao Nice, dois cafés que fizeram história na vida boêmia do Rio. Jorge era o redator-chefe de “Dom Casmurro” e “Diretrizes”, que tinham como colaboradores intelectuais de esquerda amigos do escritor. Entre eles, o futuro governador da Guanabara Carlos Lacerda.
Ambos ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), Amado e Lacerda muito influenciaram Caymmi, que, no entanto, jamais se filiou ao partido. No máximo, concordou em acompanhar o amigo escritor em seus comícios e passeatas de candidato a deputado federal e em musicar letra dele para a campanha de Luiz Carlos Prestes ao Senado, em 1945: “Vamos votar em Prestes/ Votar no Partido Comunista/ Para todos terem terra/ E o pão de cada dia/ Para o povo, liberdade/ Para o Brasil, democracia.”
Àquela altura, Amado e Lacerda já estavam em lados opostos havia tempo, desde 1939, quando Lacerda rompeu com o PCB. Nunca mais se repetiria o encontro lítero-musical que os três tiveram no sítio de Lacerda, em 1938. A improvável parceria dos três, música de Caymmi para letra dividida entre Amado (“O teu corpo nos meus braços/ Nossos passos pela estrada...”) e Lacerda (“A chuva apaga a marca dos teus passos/ No caminho abandonado...”), resultou na canção “Beijos pela noite”, só gravada em 1994 por Danilo e Simone Caymmi.
A parceria entre Jorge Amado e Caymmi não ficaria naquela primeira experiência. Têm letra de Amado as canções “Modinha para Teresa Batista” e “Canto de Obá”. Sem contar a clássica “É doce morrer no mar”, que Caymmi fez numa reunião na casa do coronel João Amado de Faria. Inspirada em versos do romance “Mar morto”, com outros acrescentados pelo próprio Jorge Amado, a canção nasceu: “É doce morrer no mar/ Nas ondas verdes do mar...”, que Caymmi gravou em 1941.
Os dois jamais deixariam de estar juntos. Nas palavras de Amado: “Os orixás da Bahia possuem seus favoritos, para eles reservam o dom da criação e a grandeza. Assim aconteceu com o moço Dorival Caymmi. Os orixás cumularam de talento e dignidade esse filho da grande mistura de raças que nas terras brasileiras se processou e se processa, criando uma cultura e uma civilização mestiças que são a nossa contribuição ao tesouro do humanismo.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário