quinta-feira, 12 de julho de 2012

Te Contei, não ? - Placar histórico - 10 X 10 e as cotas venceram


O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu - por unanimidade - que a reserva de vagas em universidades públicas com base no sistema de cotas raciais é constitucional. A luta, agora, segue em duas direções. A primeira é fazer valer, na prática, essa constitucionalidade, uma vez que algumas universidades públicas já declararam que não vão aderir ao sistema de cotas raciais. A segunda - e mais abrangente - é elaborar, em âmbito nacional, uma total reestruturação da Educação no Brasil. O anseio da nação é que o país tenha um ensino de qualidade, principalmente em sua base, para que, em um futuro próximo, todos os cidadãos brasileiros possam concorrer em condições de igualdade a uma vaga na universidade e, por extensão, ao mercado de trabalho

A DERROTA DO RACISMO 
No último dia 26 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) - nossa mais alta Corte -, declarou que são constitucionais e legítimas as políticas de ação afirmativa adotadas para favorecer a inclusão social da população negra. Entre os onze ministros que compõem o STF, dez disseram sim às ações afirmativas (um ministro não participou do julgamento em razão de ter emitido opinião no processo à época em que era Advogado Geral da União). Em raras oportunidades, o STF decide por unanimidade. Desta vez, nenhum juiz posicionou-se contra o voto do relator, o ministro Ricardo Lewandowski. Todos concordaram que no Brasil há racismo, que os negros não têm as mesmas oportunidades e que é responsabilidade do Estado garantir igualdade na prática, não apenas no papel.
A decisão do Supremo coroou um processo iniciado pela militância negra décadas atrás, mas há uma data que merece destaque: 20 de novembro de 1995.

Naquele dia, a "Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida" reuniu cerca de 30 mil pessoas em Brasília, ocasião em que os coordenadores do evento entregaram ao presidente da República um documento pactuado entre as principais organizações e lideranças negras do país, no qual consta: "Não basta, repetimos, a mera abstenção da prática discriminatória: impõem-se medidas e cazes de promoção da igualdade de oportunidade e respeito à diferença. (...) adoção de políticas de promoção da igualdade."
Passados seis anos da "Marcha", os estados do Rio de Janeiro e Bahia - por pressão das entidades negras - deram início à implantação de políticas de ação afirmativa no acesso de jovens negros e brancos pobres à educação superior. Desde então, centenas de universidades e outras instituições de ensino, públicas e privadas, vêm adotando cotas e outras medidas visando assegurar igualdade de oportunidade no acesso ao ensino superior.

E qual o resultado destas políticas, inclusive do Prouni, que também adota cotas a favor de negros? Os alunos cotistas apresentam o mesmo desempenho de seus colegas; as universidades ganharam em criatividade e desempenho e não há registro de incidente mais sério, a não ser velhas manifestações de intolerância que existem desde que os portugueses desembarcaram por aqui.
Não são as cotas, portanto, que dividem o país. O racismo divide o país! As cotas, ao contrário, visam à plena integração e ao fortalecimento da unidade nacional. No cotidiano, há dez documentos públicos nos quais os brasileiros são classificados racialmente desde tempos imemoriais, funcionando muito bem, obrigado. Enquanto a classificação racial servia para discriminar negativamente, todos sabiam perfeitamente quem é negro ou branco no Brasil. No momento em que a classificação racial passou a favorecer a população negra, geneticistas apressaram-se em
publicar "estudos" para "provar" que, no Brasil, é impossível saber quem é branco e quem é negro. Houve até um insigne que gastou dinheiro público para chegar a uma conclusão séria, original e genial: o cantor Neguinho da Beija Flor não seria afrodescendente, mas eurodescendente. A pergunta é: o discriminador examina a carta genética da pessoa antes de agredi-la, humilhá-la?

SÓ PRETO NÃO PODE?

Desde o início do governo Getúlio, em 1931, o Brasil aprovava a primeira lei de cotas de que se tem notícia nas Américas: a Lei da Nacionalização do Trabalho, ainda hoje presente na CLT, que determina que dois terços dos trabalhadores das empresas devem ser brasileiros natos.
Com o surgimento da Justiça do Trabalho, também naquele período, o Direito do Trabalho inaugurava uma modalidade de ação afirmativa que até hoje considera o empregado um hipossuficiente, favorecendo-o na defesa judicial dos seus direitos.


Em 1968, o Congresso instituía cotas nas universidades, por meio da chamada Lei do Boi, cujo artigo primeiro prescrevia: "Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinquenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou lhos destes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou lhos destes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio".
Após a Constituição de 1988, o país adotou cotas para portadores de deficiência no setor público e privado, cotas para mulheres nas candidaturas partidárias e instituiu uma modalidade de ação afirmativa em favor do consumidor: dada a presunção de que fornecedores e consumidores ocupam posições materialmente desiguais, estes últimos são beneficiados com a inversão do ônus da prova em seu favor, de modo que, em certas hipóteses, ao fornecedor cabe provar que ofereceu um produto em condições de ser consumido.
Não é mera casualidade o fato de jamais ter havido qualquer questionamento quanto à adoção de cotas para quaisquer outros segmentos, mas, no momento em que este mesmo princípio jurídico passou a ser invocado para favorecer a população negra, surgiu uma oposição raivosa e com forte influência em setores da mídia.
A decisão do STF significou, também, uma derrota do racismo, especialmente de certos setores da imprensa que, nestes últimos anos, se esmeraram em tentar desqualificar a reivindicação por políticas de ação afirmativa.
Editoriais mentirosos, publicação de supostas pesquisas científicas, matérias facciosas, amordaçamento dos intelectuais negros, projeção de negrólogos (intelectualoides brancos especializados em ganhar caraminguás e espaço na mídia especulando sobre negros), tudo foi tentado para que a opinião pública se posicionasse contra o Movimento Negro.
E não apenas a opinião pública não se sensibilizou com a cantilena, como o Supremo decidiu, por unanimidade, sim, senhores, unanimidade! Ao final, prevaleceu a força moral da reivindicação da população negra e a consciência de que podemos e devemos confiar na Justiça.
A NECESSIDADE DE UMA NOVA AGENDA
Ao declarar, por unanimidade, que as políticas de ação afirmativa são legítimas e constitucionais, o Supremo Tribunal Federal autorizou a adoção de medidas não apenas no acesso à educação superior, como também na educação básica, no acesso ao trabalho, nos serviços de formação profissional, saúde, segurança pública, habitação e assim por diante.
O Movimento Negro e as lideranças que apoiam a causa da igualdade, sejam acadêmicas, políticas e empresariais, têm pela frente a responsabilidade de redefinir as prioridades e continuar trabalhando para que no prazo mais curto possível nosso país não mais necessite de cotas ou leis penais contra o racismo. Mãos à obra!
PS: Sinto-me honrado por ter sido relator do aludido documento da Marcha e também por ter usado a tribuna do Supremo, no último dia 26 de abril, para defender a inclusão social da população negra.
" NÃO SÃO AS COTAS, PORTANTO, QUE DIVIDEM O PAÍS. O RACISMO DIVIDE O PAÍS! AS COTAS, AO CONTRÁRIO, VISAM À PLENA INTEGRAÇÃO E AO FORTALECIMENTO DA UNIDADE NACIONAL. NO COTIDIANO, HÁ DEZ DOCUMENTOS PÚBLICOS NOS QUAIS OS BRASILEIROS SÃO CLASSIFICADOS RACIALMENTE DESDE TEMPOS IMEMORIAIS, FUNCIONANDO MUITO BEM, OBRIGADO "
* Hédio Silva Jr., advogado, mestre e doutor em direito pela PUC-SP, é dirigente do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e diretor acadêmico da Faculdade Zumbi dos Palmares.

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