quarta-feira, 11 de julho de 2012

Te Contei, não ? - O primeiro teatro de Shakespeare


O bairro de Shoreditch, no Leste de Londres, vibra com a diversidade de artistas, o colorido dos grafites nos muros, o agito boêmio de seus moradores e frequentadores.

O perfil da região não é uma onda passageira, sequer moderna. Nos idos de 1580, a área já era
conhecida por sua cena cultural, em particular da atividade teatral. Foi nesse canto da cidade, então barato e conveniente, que um jovem William Shakespeare viu estrear algumas de suas peças, como “Romeu e Julieta” e “Henrique V”, no The Curtain (A Cortina), um teatro construído em 1577 que serviu de sede para sua companhia teatral, The Lord Chamberlain’s Men.

No início deste mês, uma importante descoberta arqueológica fez com que o presente de Shoreditch se encontrasse com o seu passado: paredes de uma das galerias do teatro e um pedaço do pátio feito com ossos de carneiro onde se reunia o público em torno das apresentações da época foram achados intactos, um dos mais bem conservados exemplares para a compreensão dos teatros do período elisabetano, segundo historiadores.

— Essa é uma descoberta fantástica, que nos dá uma visão única dos primeiros anos de Shakespeare — comemorou Chris Thomas, do setor de arqueologia do Museu de Londres e responsável pelas escavações no local.

O que torna o achado tão especial é que os arqueólogos haviam perdido a trilha do The Curtain. Ele é citado na própria obra de Shakespeare, no prólogo de “Henrique V”, como o “O de madeira” (the wooden O), uma referência ao fato de ter sido um anfiteatro de madeira. Era sabido também que o teatro estava localizado na região de Shoreditch. No entanto, a partir de 1622, quando os puristas resolveram exterminar todos os palcos da era elisabetana, ele simplesmente sumiu dos registros históricos. Alguns estudiosos acreditam que o teatro funcionou até a Guerra Civil, em 1640. Mas ninguém mais sabia apontar sua localização.

Os escombros foram encontrados atrás da pequena rua que dá nome ao teatro, a Curtain Road (a cortina não era usada na boca de cena na época), durante as escavações feitas para levantar um prédio de 39 andares. Um porta-voz da construtura Plough Yard Developments declarou, por meio de nota, que o local das ruínas vai se tornar uma área preservada em meio à construção de lojas e novos apartamentos. Já se fala até que o local poderia receber peças teatrais e público no futuro.

As escavações também revelaram pedaços de um cachimbo e fragmentos de ladrilhos de revestimento de parede. O responsável pelas escavações espera encontrar ainda mais coisas.

— Em outros teatros do período, encontramos fragmentos de pequenos cofres de cerâmica destinadas a guardar dinheiro — contou Chris Thomas ao “Daily Mail”. — Na época, quando as pessoas entravam no teatro, elas depositavam o dinheiro da entrada nesses cofres que, posteriormente, eram levados para os fundos do teatro e quebrados para a recuperação da bilheteria. Tenho certeza que alguns do The Curtain estão lá, esperando que os encontremos.

Escavação pode revelar detalhes sobre encenação

O trabalho arqueológico pode determinar ainda as reais dimensões do antigo teatro, o tamanho do palco e até mesmo o que o público comia durante as apresentações, dizem especialistas.

As escavações continuam e estão a poucos metros de distância do local de outro teatro do período, o The Theatre (O Teatro), descoberto em 2008 pelo mesmo grupo de arqueólogos e palco da estreia de Shakespeare como ator. Construído em 1575, The Theatre foi o primeiro estabelecimento do gênero no Reino Unido. The Curtain, erguido dois anos depois, foi o segundo.

— Eu adoro a ideia de que estamos escavando Londres e, aos poucos, nos livrando das miseráveis camadas da era Vitoriana e revelando a alegre e anárquica cidade sob ela — afirmou, em entrevista ao “Daily Mail”, Dominic Drumgoole, diretor-artístico responsável pela reconstrução do The Globe, o mais conhecido teatro shakespeariano (leia mais no box), reconstruído exatamente tal qual era na época de Shakespeare.

O diretor da Royal Shakespeare Company, Michael Boyd, disse, em entrevista à BBC, que a descoberta é “inspiradora” e que “desejava tocar a terra e as pedras para sentir a presença de um espaço onde as primeiras obras de Shakespeare causaram impacto”.

— Antes de partirem para o The Globe (O Globo), Shakespeare e seus colegas de companhia passaram dois anos felizes com a Lord Charmberlain no The Curtain. Essa descoberta é uma maravilhosa oportunidade para entendermos mais as peças de Shakespeare em suas encenações — disse Neil Constable, chefe do The Globe.
The Globe é igual ao original

O mais famoso dos teatros de Shakespeare está em plena atividade. O The Globe, na região de Southwark, às margens do Rio Tâmisa, é uma reprodução fiel do teatro elisabetano original, de 1599, embora sua construção fique a poucos metros de distância do local do prédio original.

O Globe, que recebe milhares de visitantes durante todo o ano e oferece espetáculos ao longo do verão europeu, é o resultado da obstinação do ator americano Sam Wanaker, morto em 1993. Em 1949, ao visitar Londres pela primeira vez, ele ficou inconformado ao ver que, no lugar do teatro original, havi apenas uma placa envelhecida. Ao longo de 23 anos, Wanaker levantou fundos para sua reconstrução, em junho de 1997.

O teatro original foi construído durante a renascença cultural da Inglaterra, ainda no reinado de Elizabeth I. Foi fruto da ideia de um grupo de atores, entre eles William Shakespeare. Além de ser um dos sócios do novo teatro, Shakespeare atuava e, claro, escrevia as peças que sua companhia encenava no local.

Quatorze anos depois da abertura, durante uma encenação de Henrique VIII, um incêndio destruiu toda a estrutura da casa em apenas duas horas. Público e atores se salvaram, assim como os manuscritos de peças de Shakespeare. O Globe foi reconstruído rapidamente e funcionou até 1642, quando foi fechado de vez pelos puritanos e demolido dois anos depois.

Assistir a uma peça no atual Globe é como ir ao teatro há 400 anos. Os bancos, desconfortáveis, são dispostos de forma circular. O palco, no centro, é bem alto, e não há teto. Não eram usados cenários.
O Globo
30/06/2012

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